Para conduzir as discussões em torno das relações étnico-raciais a um âmbito mais amplo do que o do Dia da Consciência Negra, propus trabalharmos na escola um projeto pedagógico que destacasse uma autora negra cuja realidade se aproximasse da história de vida de nossos alunos. O objetivo seria fazê-los refletir sobre o valor social da leitura e do seu uso no cotidiano.
Assim, apresentei aos alunos uma fotografia da autora brasileira Carolina Maria de Jesus (1914-1977) sem identificá-la pelo nome ou fornecer qualquer informação que facilitasse a sua identificação. A partir daí, iniciamos uma atividade de antecipação e de hipóteses com a montagem de um cartaz de apresentação da autora, cujo objetivo era desconstruir a visão elitista que se tem da imagem do escritor – o que incluiu mostrar sua origem social e racial e desconstruir estereótipos sobre sua forma de vestir. As semelhanças entre o ambiente onde viveu a escritora e a favela onde vive a maioria dos nossos alunos, combinadas coma as semelhanças entre os níveis de escolaridade de ambos, formaram o viés de identidade que busquei seguir para trabalhar a autoestima dos alunos.
A partir da leitura de um livro sobre a vida de Carolina de Jesus e de uma indagação sobre a situação atual da favela do Canindé, em São Paulo – o lugar para o qual Carolina se mudou aos 33 anos –, fizemos uma pesquisa sobre essas informações e identificamos mais um ponto em comum entre a história vivida pela escritora e a vivida por nossos alunos – a saída das favelas, fosse por interesse próprio (o caso de Carolina) ou dos governos com suas políticas de remoção de favelas e construção de conjuntos habitacionais.
A partir ainda da leitura de trechos do livro mais famoso da autora Quarto de despejo: diário de uma favelada, discutimos a alimentação precária descrita por Carolina em seu texto e pesquisamos quais seriam os alimentos necessários para uma alimentação saudável. Também cotejamos em encartes os custos dessa alimentação e utilizamos algoritmos de adição e subtração na problematização das informações.
O material que serviu de base à nossa pesquisa e suporte para indagações foi o livro Carolina: Carolina Maria de Jesus, escrito por Orlando Nilha e ilustrado por Leonardo Malavazzi para a coleção Black Power da Editora Mostarda (2019). Esta obra fez parte do projeto Rio de Leitores, da SME-Rio, e foi distribuída para alunos do Peja de nossa Rede.
A fim de conhecer melhor a vida da autora e de proporcionar momentos de leitura coletiva e em voz alta, iniciei com os alunos nossa viagem de conhecimento. Mesmo com a dificuldade de alguns de ler palavras simples, eu indicava as páginas e íamos lendo, discutindo o texto e analisando as ilustrações.
Nesses momentos de leitura coletiva do livro, selecionei um trecho que faz um resumo de quem foi Carolina para que os alunos escrevessem trechos semelhantes sobre suas vidas – um texto autobiográfico!
Após lermos o livro sobre Carolina, fizemos a leitura de trechos do livro da própria Carolina, Quarto de despejo: diário de uma favelada, aproveitando para observar a forma de escrita da autora.
A partir da identificação dos locais de nascimento da escritora e dos alunos (descrita na produção autobiográfica), exploramos o mapa do Brasil, com estados e regiões, identificando esses locais. O conhecimento das diferentes atividades desenvolvidas por Carolina foi o ponto de partida para refletirmos sobre a importância da profissão de cada um. Depois, assistimos juntos ao filme Que horas ela volta? (2015), de Anna Muylaert, que levanta questões sobre o trabalho de uma doméstica, da mãe-solo e das relações familiares construídas. Finalizamos a atividade com a exploração de sólidos geométricos ao confeccionar uma maquete da favela do Canindé, que acabou exposta em uma roda de conversa desenvolvida pela 8ª CRE na Biblioteca Municipal Cruz e Souza, em Bangu, onde, com a presença de uma aluna e da coordenadora pedagógica da unidade, finalizamos nosso projeto.