Compreender o corpo em sua totalidade através das múltiplas experiências de leitura e escrita de mundo na educação infantil, permite uma educação por meio do alargamento dos sentidos, tornando-se um elo poderoso entre as crianças e suas culturas. Ressignificar o corpo em uma perspectiva merleau-pontyana corrobora a abordagem multimodal, trazendo para o chão da escola vivências e experiências onde as multilinguagens artísticas garantem às crianças o repertório para conhecer e transformar as culturas, sejam apresentadas por nós, como vemos nessa prática, no qual o letramento científico acontece por meio do corpo dançante, desdobrando-se em arte plástica, tornando-se expressão e linguagem.
E é assim que o nosso percurso começa, ao contarmos a história da antropóloga Berta Ribeiro e sua importância para com os povos originários brasileiros através de uma linguagem não verbal (dança e instalação artística-4MML 2024), tendo como base a tese de doutorado da historiadora Bianca França.
Nosso percurso começou em abril com a imersão dos Povos Originários Brasileiros, ampliando as experiências culturais das crianças, socializando seus conhecimentos e saberes, oportunizando outros e favorecendo as expressões das crianças em todas as formas, valorizando as diferentes linguagens. Por isso, nossa perspectiva imersiva manteve um olhar plural, onde as experiências e as vivências partem da literatura indígena, que apesar de estar cada vez mais presente, ainda existem poucos saberes sobre a diversidade pluriétnica que compões a sociedade brasileira. Promover o contato com os saberes indígenas é oportunizar as crianças desde os primeiros anos escolares à escuta das múltiplas vozes dos nossos ancestrais.
Esse ato pedagógico dotado de intencionalidade visa romper com visões estereotipadas que ainda se fazem presentes.
1. Imersão dos Povos Originários Brasileiros: Mediação de leitura em sala de leitura flutuante (em cima de vitórias-régias), ambiente estético intencional (contos em volta de uma fogueira), degustação de alimentos de origem indígena, texturas de elementos da natureza, brincadeira com sombra e luz utilizando elementos e folhas, brincadeiras indígenas, musicalização e confecção de pau de chuva a partir de sucata.
As crianças criaram a sua própria narrativa gráfica onde se inspiraram em grafismos da pluriétnica indígena. Abordagem artística com tintas orgânicas. Experiência com urucum.
2. Construção de narrativas, histórias, a partir das vivências, utilizando materiais da natureza como fio condutor (História da Cobra Colorida Brasileira).
3. Desde então, a mediação de leitura voltou-se para títulos da literatura infantil de matriz dos povos originários. Em 2 meses foram lidas aproximadamente 15 títulos. As crianças imersas a esse tema começaram seu encantamento pelo tatu, onça e a cultura dos povos originários.
4. Em Junho, data da chegada da tese de doutorado da historiadora Bianca França, abordando a importância de Berta Ribeiro para com os povos originários Brasileiros. E a partir do documentário "Para Berta, com Amor", as crianças foram se apaixonando pela história de Berta, bem como o despertar para os saberes acadêmicos ao reconhecerem em Bianca França a "moça bonita que conta a história da Berta".
5. 4 MML 2024, Tema: Brasil e seus Brasis/ Mostra de dança: coreografia: Quase Todo o Brasil Cabe Nessa Foto. Todos os saberes construídos ao longo desse percurso, tornou uma base para que as crianças pudessem contar com o corpo, a história da importância de Berta Ribeiro através da dança. E a demarcação territorial abordada na mediação da história "Tulu, uma aventura na Floresta", ressurge quando as crianças constroem uma história onde Berta defende as terras indígenas das queimadas. A onça retorna como animal mitológico indígena, protetora da aldeia.
6. 4 MML 2024, Lentes do Olhar. A instalação artística das crianças recebe o mesmo nome da coreografia, pois as tais usam os saberes construídos sob o olhar das artes plásticas.
Uma história narrada pelo corpo, arte e ciência (artigo nono da DC-NEI, 2009), afirma que a natureza da língua é essencialmente dialógica, incluindo também fatores não verbais presentes no cotidiano da comunicação (BAKHTIN, 2003). Desta forma, torna-se indissociável a cultura antirracista no cotidiano escolar, dialogando intrinsicamente com o PPP da escola. Reverberando além dos muros da escola, o protagonismo infantil assume seu território nas ciências e nas artes, reconhecendo nessas linguagens uma genuína escrita de mundo. Ou seja, ler e escrever repleto de significado.
Após todo esse processo, as crianças despertaram interesse em serem pesquisadoras, cientistas, museólogos, etnólogos, como Berta Ribeiro e Bianca França, construindo saberes contra o apagamento histórico em que os povos indígenas originários brasileiros sofreram, refletindo sobre demarcação territorial, como direito dos mesmos. Desenvolvendo o sentimento de pertencimento à quem sempre foi o dono dessa terra.
FRANÇA, Bianca Luiza Freire de Castro. "Uma Civilização Vegetal: a contribuição de Berta G. para a Antropologia brasileira no século XX. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em História, Política e Bens Culturais da FGV. 2023
FRANÇA, Bianca Luiza Freire de Castro & GONÇALVES, Ollivia Maria. "Para Berta, com amor". Documentário. 2023. Disponível em: https://youtu.be/AQnRPRKZXog?feature=shared. Acesso em: 8 de outubro de 2024
BAKHTN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,2003
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasíli: MEC, 2017. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.Brasília: MEC, 2010
REYES,Yolanda. Ler e brincar, tecer e cantar _ Literatura,escrita e educação.1.ed. São Paulo: Editora Pulo do Gato, 2015
Caminha,l.O. de. (2019). 10 lições sobre Merleau-Ponty. Rj: Vozes