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Armazém na cidade do Recife. Os senhores de engenho passaram a confrontar os comerciantes portugueses, chamados de mascates, após a ascensão de D. João V. Gravura de Johann Moritz Rugendas, 1630. Domínio público. In: Viagem Pitoresca Através do Brasil

Os senhores de engenho consideravam o movimento que lideravam para a expulsão dos holandeses como uma Restauração – à semelhança da Restauração que devolvera a independência ao Reino português em 1640. Por essa razão, autodenominavam-se "restauradores". A partir da segunda metade do século XVII, os senhores de engenho descendentes desses homens reivindicaram o estatuto de uma "nobreza da terra". A restauração tornou-se a bandeira das suas reivindicações junto à Coroa portuguesa. Isso significava distinguir claramente aqueles que, à custa de "sangue, vidas e fazendas", enfrentaram os holandeses na luta pela restituição da capitania de Pernambuco à Coroa daqueles que chegaram depois para aproveitar-se da nova situação.

Na segunda metade do século XVII, em Pernambuco, havia uma nítida disputa de poder entre os habitantes de Olinda, ricos senhores de engenho, e os moradores de Recife, comerciantes portugueses. Os senhores de engenho consideravam-se "nobres", os grandes aliados da Coroa portuguesa e, por conta disso, queriam ser tratados com distinção.

Entretanto, "com a ascensão de Dom João V ao trono português, em 1706, a Coroa abandonou sua política de benevolência para com a 'nobreza da terra', tratando de cortar-lhe as asas e de aliar-se ao comércio reinol, numa reversão de alianças", segundo o historiador pernambucano Evaldo Cabral de Mello.

Não podendo mais contar com o apoio prestigioso da Coroa, os senhores de engenho de Olinda tentaram, através da sua Câmara Municipal, uma ação contra os comerciantes portugueses de Recife, aos quais chamavam, de forma depreciativa, de mascates. Conseguiram bloquear, contra a vontade dos governadores e até mesmo contra uma decisão da metrópole, a entrada dos recifenses na Câmara Municipal de Olinda.

Em 1710, buscando contornar a situação, o rei D. João V elevou o povoado do Recife à condição de vila, com uma Câmara Municipal que passou a ser controlada pelos comerciantes portugueses. Deixou a de Olinda para a "nobreza da terra" e os descendentes dos restauradores. Dessa forma, conseguiu esvaziar, progressivamente, o antigo poder dos vereadores olindenses. "Na segunda metade do século XVIII, a Câmara de Olinda, reduzida à gestão acanhada de uma cidade decrépita, conferia mais honra do que poder", recorda o historiador pernambucano.

Para complicar ainda mais essa disputa, no final do século XVII e início do XVIII houve uma grande queda no preço do açúcar, e os senhores de engenho viram suas fortunas encolherem. Passaram a pedir empréstimo aos comerciantes, os mascates, que lhes cobravam altos juros. Enquanto aqueles ficavam mais pobres, estes tornavam-se cada vez mais ricos, ganhando maior "status" na sociedade.

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Mascate. Gravura aquarelada (20,5 x 28,8 cm) de Henry Chamberlain, 1820. Domínio público, Pinacoteca do Estado de São Paulo

Esses dois fatores acirraram a disputa, estimulando ódios e provocações entre os dois grupos, culminando com a chamada Guerra dos Mascates, ainda em 1710. O governo português interveio na disputa para acabar com os conflitos, garantindo apoio à causa dos comerciantes portugueses. Em 1711, Recife tornou-se a capital da capitania de Pernambuco, caracterizando a decadência de Olinda e o começo do fim da época áurea dos grandes senhores de engenho do Nordeste.