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Tecnologia e Educação
19 Fevereiro 2016 | Por Nelson Pretto
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Nelson Pretto, professor de ética Hacker e Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia

A tecnologia tem que ser mais que uma ferramenta. Quando as pessoas pensam sobre o uso da tecnologia da educação, associam esse uso apenas a uma “tecnologia educacional”, reduzindo sua função. A internet e os computadores são tecnologias proposicionais, de escrita do mundo.

Quando a televisão começou a trabalhar com Educação, simplesmente exibindo aulas, ficou monótono. Televisão tem uma linguagem, tem uma sintaxe. Sua relação com a Educação é muito importante e não pode ser reduzida àquilo que não desejamos mais que seja a sala de aula.

Com a internet e o computador não é diferente. Quando a meninada se apropria dessas tecnologias, passa a utilizá-las para muito além de simplesmente fazer um dever de casa. Compreender a tecnologia como fundamento ou como estruturante de outra forma de relacionamento com o mundo é absolutamente prioritário. E, para isso, deve-se ter uma concepção de Educação que dê um salto qualitativo, que forme um cidadão crítico.

No processo estruturante, a escola deixa de ser apenas um lugar onde o aluno vai consumir informação e torna-se um espaço de produção de culturas e de conhecimentos, um espaço plural – não uma única cultura, uma única ciência. A tecnologia possibilita as interações com múltiplas culturas, com múltiplos conhecimentos, e a produção de tudo isso é a riqueza da escola, é no que ela deve se constituir.

Espaço de produção

Já na década de 1950, o educador Anísio Teixeira dizia que a escola pública tinha que ser fortalecida e se tornar um espaço onde os filhos das famílias pobres tivessem acesso àquilo que os filhos das famílias ricas têm em casa. Hoje, entendemos que essa escola, para se constituir efetivamente em um espaço de produção, deve contar com uma boa biblioteca, uma boa quadra de futebol, área verde, internet com banda larga de qualidade, computadores e câmeras digitais.

Quando se fala em produção, tem que se falar também em reforma do direito autoral, em licenciar de forma livre todos os produtos produzidos na rede pública, em possibilitar que os alunos juntem informações e comecem a produzir novos conhecimentos – sem copiar o que foi feito, mas remixando. Aliás, é assim que a ciência se desenvolve. Ninguém começa a fazer algo totalmente do zero; primeiro lê uma coisa, depois pesquisa outra e, no momento em que vai remixando e digerindo todas as informações e todos os conhecimentos, está produzindo mais conhecimento.

É muito importante que a escola seja o espaço da colaboração, da generosidade, do compartilhamento, da compreensão do mundo enquanto espaço de convivência pelos diferentes, e não um espaço de competição. Temos que compreender aquela comunidade como uma comunidade que deve crescer, como entendemos que o Brasil também deva crescer: sem diferenças regionais, sem diferenças de raças, sem diferenças de gêneros.

A ética que tem que prevalecer não é a ética em que o valor principal é a vida. A ética que tem que prevalecer é a ética em que todos têm que ter direito a vida. (José Antonio Marina, no livro Ética para Náufragos)

A escola deve ganhar um novo papel, com outro tipo de vibração, que é diferente daquela do só consumir. Isso não quer dizer que, ao trabalhar com generosidade, com colaboração, com pensar um mundo sustentável, não se está trabalhando a pessoa para o mundo do trabalho. É preciso preparar o jovem para enfrentar o mundo, porém, centrado em uma lógica diferente do “eu vou me dar bem e isso é o que importa!”.

Troca de saberes

O professor não pode se igualar ao aluno; tem que ser provocado por ele. Os estudantes sempre chegarão dominando a tecnologia do seu tempo, porque nasceram junto com ela, e isso vai provocar a escola, seja pela tecnologia, seja pelos valores. Aconteceu assim no momento da contracultura; acontece agora com o uso de tablets, celulares etc.

Talvez seja o grande desafio que existe hoje na escola: compreender como esses aparatos entrarão em sala de aula e de que forma os professores vão interferir. Imaginar que pais e professores não vão interferir é um enorme equívoco. Cabe a eles trazer o peso de uma sabedoria madura para provocar e desafiar a criança e o jovem, que, por sua vez, estão sempre desafiando esses pais e professores.

Hacker ou cracker

É fundamental deixar claro o que é hacker. Quando se fala em hacker, todo mundo pensa naquele bandido que invade o computador, mas na verdade esse invasor se chama cracker. O hacker é essencialmente alguém que tem paixão por programar e por descobrir novidades na informática.

No mundo, o hacker pode estar ligado a qualquer profissão que tenha esta característica do compartilhamento, da generosidade, do descobrir, do inventar. E quem inventa pode disponibilizar para a sociedade.

Uma de suas marcas fortes é a ideia de que a produção cultural da humanidade tem que estar disponível para a humanidade. As editoras, as produtoras, as emissoras amarram essas produções em mecanismos de distribuição, o que impede que essas informações cheguem a todos.

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Creative Commons

O Creative Commons é um tipo de licenciamento que diz: “O que eu produzi você pode usar, e eu vou definir quanto e como usar”. Isso quer dizer que, quando alguém licencia um livro no Creative Commons, entrega o produto “livro” e fica sem ele. Mas se, em vez disso, entregar o conteúdo que tem dentro do livro, o autor e todas as outras pessoas ficam com o conteúdo. Uma coisa é o produto material e outra é o conteúdo que está ali posto.

O Creative Commons é grande no Brasil, mas muito maior é o poder das editoras. Na verdade, esse crescimento não corresponde a um volume tão grande do conhecimento aberto como se gostaria no mundo contemporâneo.

Temos pela frente uma luta que deve passar pelos livros, pelos vídeos, pelos filmes, pelas revistas acadêmicas. É necessário que existam ações para mostrar que informação e conhecimento precisam ser democratizados, devem estar livres para que todos tenham acesso. Isso vai gerar mais conhecimento, mais livros, mais produções.

Um novo professor

O professor tem que ser a base da transformação educacional. Nenhuma reforma institucional valerá se não tivermos um professor fortalecido, que deixe de ser um ator da engrenagem para se tornar o autor do processo. Ele deve ser um líder acadêmico e político, exercer uma liderança na sua comunidade, como acontecia no passado.

Quando perguntamos a uma pessoa: “Qual o professor que marcou a sua vida?”, ela nunca se refere ao que sabia muito conteúdo somente, mas àquele que, quando o aluno achava que estava no caminho certo, vinha e desestabilizava tudo.

O professor do presente, para poder enfrentar o futuro, tem que ser um grande negociador das diferenças, porque ele vai trabalhar com as culturas, os conhecimentos, os saberes de todos os alunos e com a língua culta. Deve ser assim. Ele vai trabalhar cotidianamente no sentido de fazer com que tudo isso seja um rico processo de enaltecimento das diferenças, que é diferente da tentativa que a escola faz hoje de transformar o diferente no igual. É outro conceito.

Laboratórios de hackers

As transformações demandam políticas públicas de Educação que possam articular universidade com ensino básico, educação com cultura, ciência e tecnologia, e que articulem tudo isso com telecomunicações. Uma sugestão é que se montem nas escolas “laboratórios de hackers”, para que a meninada possa pegar uma câmera, se possível digital, ter um estúdio de televisão, ter um estúdio de rádio e, com isso, produzir ciência, tecnologia, cultura, produzir conhecimento. Ou seja: aprender.


Nelson Pretto, professor de Ética Hacker e Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia e membro da Academia de Ciências da Bahia.

 
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