Muito antes de se pensar na criação do Corredor Cultural, que há 30 anos preserva o patrimônio urbanístico do centro histórico do Rio, houve um arquiteto que propôs o tombamento do conjunto arquitetônico remanescente da época de abertura da Avenida Rio Branco, que é o símbolo maior das reformas empreendidas pelo prefeito Pereira Passos (1902-1906). Seu nome era Paulo Santos, e ele tinha, também, formação em História da Arte. Conselheiro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ele redigiu um documento, em 1972, no qual indicava a necessidade de tombamento de edifícios importantes na região da Cinelândia: Biblioteca Nacional, Theatro Municipal, Câmara dos Vereadores e, também, o Palácio Monroe. A iniciativa deu margem à resposta do arquiteto Lucio Costa, mundialmente conhecido pela autoria do Plano Piloto de Brasília, que sugeria a derrubada específica do prédio, sob o argumento de desafogar o tráfego no fim da Avenida Rio branco, onde estava situado.
Logo a polêmica tomou conta dos jornais. De um lado O Globo apoiava a campanha pró-demolição, assim como o regime militar. De outro, ficaram o Jornal do Brasil, o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), o Clube de Engenharia e os cariocas que já tinham se afeiçoado à bela obra, a ponto de tentarem impedir a arbitrariedade por meio de uma ação popular. Um manifesto contra a demolição do palácio teve a assinatura de 162 arquitetos, engenheiros e críticos de arte. O juiz Evandro Gueiros Leite sugeriu que o Palácio Monroe fosse destinado à instalação do Tribunal Federal de Recursos, que estava sem sede. Relatos de época dão conta, também, de uma questão mal resolvida entre o Presidente Ernesto Geisel e um familiar do Marechal Francisco Marcelino de Souza Aguiar, responsável pelo projeto. Coincidência ou não, foi durante o mandato de Geisel (1974-1979) que o Palácio Monroe foi varrido da paisagem da cidade, entre janeiro e junho de 1976.
O engenheiro militar, autor de inúmeros projetos além do Palácio Monroe (Biblioteca Nacional, Quartel Central do Corpo de Bombeiros, e diversas escolas municipais, como a Deodoro, Alberto Barth, Barão de Macahubas, Affonso Penna e Menezes Vieira) ocupou a prefeitura do Rio como sucessor de Pereira Passos (1906-1909). Durante sua gestão, começou a saga do Palácio Monroe.
Origem nos Estados Unidos
Na verdade, o prédio foi construído, pela primeira vez, bem distante do Centro. A ocasião celebrava a compra do estado da Louisiana, que pertencia à França, pelos Estados Unidos, e o pavilhão deveria representar o Brasil na Exposição Internacional de Saint Louis, ou Exposição Universal de 1904. Elogiado pela imprensa estrangeira pela beleza de suas formas e aproveitamento inteligente do espaço interno, acabou condecorado com a medalha de ouro do Grande Prêmio Mundial de Arquitetura. Era a primeira vez que a arquitetura brasileira recebia reconhecimento internacional. Foi concebido de forma a poder ser desmontado, ao fim do evento, e remontado no Rio de Janeiro, em lugar de destaque, na então Avenida Central – nome original da Avenida Rio Branco, inaugurada em 1905.
A estreia do Palácio Monroe na história carioca começou em grande estilo: foi aberto no dia 23 de julho de 1906, para sediar a 3ª Conferência Pan-Americana, e deve a este evento o fato de ter sido rebatizado. Originalmente ia se chamar Palácio São Luiz, mas, por sugestão de Joaquim Nabuco, acatada pelo então ministro das Relações Exteriores Barão do Rio Branco, ganhou seu nome definitivo em homenagem ao presidente norte-americano James Monroe.
História viva do Brasil
Poucas edificações abrigaram entre suas paredes instituições de tamanha relevância. Embora tenha sido usado, inicialmente, apenas como centro de convenções, salão de festas oficiais e espaço de velórios de personalidades da época, logo estaria servindo para outros propósitos. Em 1911, o Palácio Monroe serviu de sede para o Ministério da Viação, atual Ministério dos Transportes. Três anos depois, a Câmara dos Deputados era transferida do prédio da Cadeia Velha para lá, onde funcionou até junho de 1922, quando ficou pronto o Palácio Tiradentes. A partir dali, passou a abrigar a Comissão Executiva da Exposição do Centenário da Independência do Brasil. Entre 1925 e 1932, se tornou a casa do Senado Federal. Funcionou como sede provisória do Tribunal Superior Eleitoral, entre 1945 e 1946. Em 1960, com a transferência da capital federal para Brasília, foi transformado em quartel-general do Estado-Maior das Forças Armadas.
Obra arquitetônica sem comparação
Crônica da Demolição é um documentário com roteiro e direção de Eduardo Ades, a ser lançado em 2015, que se propõe a encontrar não apenas os motivos que levaram à demolição do edifício histórico, mas, também, a localizar o destino das peças derivadas do desmonte do Palácio Monroe. Diversas partes da construção, além de elementos do revestimento interno, do mobiliário e vitrais, acabaram sendo vendidas como sucata, num lapso recorde de 120 dias, de forma que ficaram espalhados em diferentes localidades, do Brasil e exterior.
Uma vez que, desde o início, já se sabia que o palácio seria remontado no Rio de Janeiro, o projeto se desenvolveu a partir de uma estrutura de ferro, que depois foi recoberta pelas paredes. Depois da demolição, os quatro leões de mármore italiano que ficavam postados na entrada do prédio foram vendidos. Dois deles estão no Instituto Brennand, em Recife, e
outros dois na Fazenda São Geraldo, em Uberaba, Minas Gerais. Dos oito anjos que adornavam a cúpula do palácio, a produção do filme só conseguiu localizar dois. Por ser de madeira nobre, o piso em peroba do campo, que revestia 1.700 metros quadrados de área construída, foi vendido para um comerciante e exportado para o Japão.
Metrô, estacionamento e uma leve curva
Há quem atribua, erroneamente, às obras do metrô a demolição do prédio histórico. Muito pelo contrário: houve a preocupação de manter intacto o conjunto urbanístico na Cinelândia, inclusive o Theatro Municipal e a Câmara dos Vereadores. Em 1974, durante as obras para a construção do metrô carioca, o traçado do túnel chegou a ser refeito para garantir a preservação do Monroe, cujo tombamento tinha sido feito pelo governo estadual.
Enquanto os trabalhos eram realizados, as fundações do palácio eram checadas duas vezes ao dia. A escadaria de entrada tinha sido cuidadosamente desmontada por uma equipe de técnicos italianos especialmente contratados para a tarefa e guardada no interior do prédio, assim como os leões. O grau de sofisticação da empreitada ganhou as páginas de diversas revistas especializadas. Mas nem leões nem escada voltariam aos seus lugares originais.
No local onde existia o Palácio Monroe, a Praça Mahatma Gandhi passou a exibir uma estátua de bronze do pacifista indiano. Um chafariz, batizado de Monroe, com mais de 10 metros de altura, passou a fazer parte do cenário. Comprado pelo imperador Pedro II em Viena, em 1878, foi instalado primeiro no Largo do Paço, atual Praça XV, depois na Praça da Bandeira e, por fim, sobre a área da demolição. Em 2003, um estacionamento subterrâneo também foi inaugurado no espaço.
Publicada em um dos manifestos contrários à derrubada do prédio histórico, ficou, ainda, uma frase para a posteridade: “... restará aos usuários do metrô perceberem que, onde foi o Monroe, haverá uma misteriosa curva...” O desvio desnecessário do trajeto vai ficar para sempre como uma relíquia pública, embora invisível, da tentativa de salvação do palácio.
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