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Sono na sala de aula
11 Julho 2016 | Por Sandra Machado
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Entre 5 e 12 anos, as crianças precisam de 9 a 11 horas de sono diariamente (Fonte: www.azmattressoutlet.com)

Todo dia é aquela briga na hora de sair da cama. Na escola, o apelido de bicho-preguiça corre solto. Para piorar a situação, as notas começaram a baixar. Detalhes desse aparente inferno astral provavelmente têm a mesma causa. Essa criança não anda dormindo bem. 

Entendendo o fenômeno

Existe uma área do conhecimento chamada cronobiologia, que estuda a forma como as funções do organismo variam ao longo do dia e da noite. Segundo os pesquisadores do assunto, cada pessoa tem um ritmo biológico próprio (ou ritmo circadiano, que dura “cerca de um dia”), mas que pode ser modulado pela organização temporal interna – ou seja, aumento e diminuição da produção dos hormônios melatonina, para dormir, e cortisol, para acordar – e pela organização temporal externa – eventos ambientais, como o horário comercial ou o ciclo claro/escuro do dia e da noite. Este último pode ser bastante alterado pelo uso da luz artificial e dos dispositivos eletrônicos.

De acordo com características genéticas, existem três grupos de cronotipos: matutinos, intermediários e vespertinos. Matutinos se inclinam naturalmente a dormir e a acordar cedo. Vespertinos se sentem mais dispostos se realizam suas atividades mais tarde. A temperatura corporal dos matutinos ou “rouxinóis” atinge seu ápice por volta das 16h, e a dos vespertinos ou “corujas”, duas horas depois. Não por acaso, boa parte dos recordes esportivos é quebrada no período que equivale justamente a esse auge do funcionamento corporal, de frequência cardíaca mais elevada, que chega ao rendimento máximo apenas uma vez por dia. Já se sabe, também, que a mutação de genes relacionados ao cronotipo é um dos fatores que podem acarretar distúrbios do sono.

A padronização do expediente profissional e escolar, que não leva em conta o ritmo individual, obriga cada um a se adaptar como pode. Mas no caso da sonolência na sala de aula, se fecha um círculo vicioso, no qual a dificuldade de concentração leva à lentidão do raciocínio, com claros prejuízos à capacidade de aprender e, principalmente, à memória, que precisa de uma noite bem-dormida para fixar as novas informações acessadas durante o dia. Sem falar nas indesejáveis alterações repentinas de humor e até irritabilidade, tão prejudiciais ao convívio.
Devido a uma sintomatologia difusa, os efeitos da privação do sono podem induzir a um diagnóstico equivocado de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Se no curto prazo ocorre a deterioração da criatividade e da atenção, em longo prazo surge, também, o envelhecimento precoce, a diminuição do tônus muscular, a tendência a desenvolver diabetes, doenças cardiovasculares e gastrointestinais. Ainda hoje, os distúrbios do sono em crianças, como sonambulismo e bruxismo, são subdiagnosticados e, com isso, ficam ser receber o tratamento devido.

Sono não é perda de tempo

Nos primeiros 12 meses de vida, os bebês chegam a dormir até 16 horas (Fonte: www.jpmsonline.com)

Enquanto a gente dorme, muita coisa importante acontece no organismo. O sono é um estado ativo gerado por certas regiões do cérebro com a finalidade de fazer uma espécie de manutenção geral. O corpo libera um grupo de proteínas chamadas interleucinas, importantes para a ativação do sistema imunológico, além de diversos hormônios, inclusive a leptina, responsável por regular o equilíbrio do apetite. Um estudo recente da Universidade de Rochester confirmou que, durante o sono, o cérebro se limpa de toxinas produzidas no período de vigília, o que previne doenças neurológicas como Alzheimer e Parkinson.

Existem mais de 80 distúrbios do sono já descritos, que por si sós já seriam suficientemente incômodos. Mas dormir mal tem, ainda, outros efeitos adversos, como provocar a avidez por alimentos gordurosos, muito doces ou muito salgados, por exemplo. Produzida pela glândula pineal, a melatonina é fundamental para o sono, mas também se relaciona com o combate à diabetes, já que sua presença no organismo influencia a produção da insulina e também a forma como o corpo queima a gordura por meio do metabolismo. De acordo com estudos da Universidade de São Paulo, existe uma forte relação entre os problemas de sono e a atual epidemia mundial de obesidade.

Tudo pesa

Diversos fatores alteram o padrão de sono infantil. Barulho de vizinhos ou do trânsito; luminosidade excessiva, inclusive por televisão ligada; e presença de outras pessoas no quarto de dormir – por exemplo, irmãos – são as queixas mais frequentes. Além disso, crianças que dormem mal reduzem o tempo de sono profundo e, com isso, também a fabricação do hormônio do crescimento.

Também já foi comprovado cientificamente que dormir com um smartphone na cabeceira da cama afeta os padrões cerebrais, por causa dos sinais 3G ou 4G que ele emite. Segundo pesquisa realizada pela Escola de Medicina de Harvard, a luz azulada vinda desse aparelho, assim como a dos tablets e as de LED de alguns tipos de TV, desacelera a produção de melatonina, aquele mesmo hormônio regulador do sono.

Estudo sem cochilo

O livro O Sono na Sala de Aula – Tempo Escolar e Tempo Biológico, lançado por Fernando Louzada e Luiz Menna-Barreto em 2007, descreve os mecanismos pelos quais a privação do sono influencia o desempenho dos estudantes. Os autores sugerem, inclusive, que o assunto seja discutido em sala de aula, no currículo de Ciências e de Biologia, justamente com os maiores interessados, a fim de que as crianças e adolescentes possam compreender o funcionamento do ritmo biológico e, com isso, alcançar um sono de melhor qualidade, com mais bem-estar e reforço nas notas. “Se o conhecimento de temas como sexualidade, drogas e nutrição, por exemplo, contribui para que o jovem adquira hábitos mais saudáveis, por que não incluir nessa lista os ritmos biológicos, os mecanismos e os fenômenos relacionados ao ciclo vigília-sono?”, perguntam.

E elaboram uma lista de atividades a serem adaptadas às propostas pedagógicas de cada escola. Aos alunos, recomendam pesquisar sobre animais diurnos e noturnos e traçar um paralelo com a espécie humana; ou entrevistar parentes e amigos sobre seus hábitos de sono, identificando diferenças individuais. À direção, sugerem o estímulo às atividades ao ar livre e à Educação Física nas primeiras horas da manhã, além de aulas dinâmicas que tentem fugir da rotina. Como política pública, apontam a necessidade de tratar da educação sobre o sono nos cursos de formação de professores. Para a pesquisadora Marilva Barsan, referência no setor, problemas comuns às escolas, como indisciplina, dificuldade de ensino e de aprendizagem podem estar relacionados a uma inadequação entre os horários escolares e o tempo cronobiológico dos alunos.

Em entrevista exclusiva ao Portal MultiRio, Luiz Menna-Barreto, docente do Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos da Universidade de São Paulo (USP), aprofunda o tema.

Portal MultiRio – Que tipos de distúrbio da saúde física ou mental podem ser descritos a partir de um sono ruim, seja ele insuficiente em número de horas, agitado ou que sofre muitas interrupções?

Luiz Menna-Barreto – As consequências de um "sono ruim" dependem da extensão (número de noites maldormidas), pois uma única noite acaba sendo compensada nas noites seguintes. Os problemas surgem com a cronicidade de sono inadequado (seja em duração, seja em profundidade, seja em ambos). Alterações de humor, atenção/concentração, memória são, em geral, os sintomas iniciais que tendem a se agravar com a cronicidade. Esses problemas são muito comuns em adolescentes do mundo inteiro, especialmente naqueles cujos horários de início das aulas (7h da manhã, por exemplo) acarretam privação crônica de sono.

PM – Há como mensurar os comprometimentos de ordem cognitiva, prejuízo da capacidade de memorização ou da criatividade, quando o estudante dorme mal?

LM-B – Sim, há inúmeros testes no campo da Psicologia, mas sua aplicação deve levar em consideração a evolução do processo, sob o risco de tomarmos fotografias como filmes. De qualquer modo, a autoavaliação desses sintomas nos estudantes sempre me parece um passo inicial desejável.

PM – Qual o prejuízo do uso excessivo de aparelhos eletroeletrônicos, como celulares, smartphones, tablets e TV, no quarto de dormir?

LM-B – O efeito desse uso é evidente: maior privação de sono, pois se dorme mais tarde, apesar de a escola começar sempre no mesmo horário. Além disso, sabemos hoje que o componente azul do espectro luminoso, abundante nesses aparelhos eletrônicos, é o que mais afeta nosso sistema de regulação do ciclo vigília-sono – e outros ritmos.

PM – O consumo de medicamentos ou de algum tipo de alimento pode gerar alterações do sono?

LM-B – Sem dúvida. Mas é claro que depende do medicamento e do alimento. Estimulantes são obviamente inadequados, soníferos idem (quem acorda bem pela manhã depois de ingerir hipnóticos?). Comida mais pesada também tem sido associada a sono inadequado.

PM – Que influência têm outros hábitos cotidianos, como a exposição à luz do sol e o respeito ao horário das refeições, sobre o sono?

LM-B – Hoje, sabemos que a exposição à luz solar tem efeito importante na manutenção da regularidade dos ritmos circadianos (entre eles, o vigília-sono). Mais recentemente, o exercício físico tem aparecido com esse mesmo papel funcional. E ainda mais recentemente, a interação social – e aqui vale tanto ao vivo como mediada por eletrônicos. Não há sentido em uma recomendação única de horários dessas atividades para todos, pois há importantes diferenças ontogenéticas (idade) como individuais (hábitos).

PM – Um aluno com sonolência diurna pode ser diagnosticado com TDAH por engano?

LM-B – Sim, pode, mas outros erros também são comuns, dada a superficialidade das avaliações e o desconhecimento da contribuição da cronobiologia, nas últimas décadas.

Fontes:
BARIN, Isabella. A interferência do ritmo biológico no rendimento escolar de pré-adolescentes de uma escola no município de Esteio/RS. Dissertação de Pós-Graduação de Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde, UFRGS.
BRAGA, Marílio et alli. A importância do sono para o crescimento e o aprendizado infantil. Universidade Iguaçu – UNIG. IX Encontro Latino-Americano de Pós-Graduação.
SOUZA, Ivanise; FERREIRA, Dione. Relação entre as pesquisas sobre o sono e a escola. UFRN.
Site eCycle
Site da Fundação Nacional do Sono

 
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