A maioria dos cariocas que já pôs os pés no Palácio da Fazenda, ali na Avenida Presidente Antônio Carlos, ficou apenas pelo térreo do prédio, resolvendo alguma pendência com a Receita Federal. Parece que o medo do leão do Imposto de Renda afugenta potenciais visitantes e, consequentemente, um rico acervo histórico, arquitetônico e cultural segue oculto aos olhos da população.
Além do gabinete, disponível para quando o ministro está na cidade, na representação administrativa do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro funcionam agências bancárias, instalações regionais do Tribunal de Contas da União, a Procuradoria Regional da Fazenda Nacional, a mais importante biblioteca sobre Economia do país e o Museu da Fazenda Federal, entre outros órgãos e serviços. Distribuídos em 14 pavimentos, espaços grandiosos e uma vista de tirar o fôlego, têm tudo para transformar o endereço em mais um ponto turístico da Cidade Maravilhosa. Pelo menos, essa é a proposta do projeto Palácio da Fazenda, História e Arte.
“A origem da construção, na década de 1940, era reunir todos os órgãos fazendários no mesmo prédio”, explica Letícia Mainieri, que está no palácio desde 1974 e, atualmente, trabalha no museu. Ela conta que especialmente as crianças ficam impressionadas quando chegam ao terraço e se veem diante dos aviões que decolam do Aeroporto Santos Dumont. No andar existem painéis em pastilhas, da autoria de Paulo Werneck, que retratam cada região brasileira, além de duas esculturas de Hildegardo Leão Velloso, também de temática nativa. Algumas salas, como o auditório, são originais. Situado no 13º andar, ele tem 396 lugares e cabines de luz e som remanescentes da inauguração, em pleno funcionamento.
Piso importante
De acordo com Letícia, a visão da Baía de Guanabara a partir do décimo andar do palácio equivale àquela que se tinha do alto do Morro do Castelo, ponto fundamental de fundação da cidade, arrasado em uma reforma urbanística em 1922. Com a derrubada do acidente geográfico, foi criada a Esplanada do Castelo, hoje mais conhecida apenas como Castelo, que inclui a Avenida Presidente Antônio Carlos.
No mesmo andar, ocupando uma área de 700 m2, fica o museu, que cataloga e guarda documentos e objetos ligados à administração fazendária do Brasil. Entre eles está o manuscrito do primeiro empréstimo externo, realizado com banqueiros ingleses em 1824, no valor de três milhões de libras esterlinas, operação pela qual o país foi reconhecido na Europa como nação independente. Existem, ainda, o gabinete do Ministro e o Salão Nobre, criado para a realização de solenidades oficiais e decorado em estilo Luís XVI, no qual chama a atenção um grande lustre de prata e cristal.
Estilo neoclássico eclético conseguido a duras penas
Até os anos 1930, os departamentos e seções da República Velha ficavam dispersos em vários endereços no centro da capital federal. Em 1937, foi implantado o Estado Novo, sob o comando de Getúlio Dornelles Vargas, que, de 1926 a 1927, foi também Ministro da Fazenda, no governo do presidente Washington Luís.
Em busca de símbolos do poder, mandou erguer edifícios destinados aos ministérios que havia reorganizado, entre os quais o da Fazenda. O então ministro Arthur de Souza Costa rejeitou o projeto modernista de Wladimir Alves de Souza e Enéas Silva, vencedor do concurso público realizado para a construção do prédio. “Mas o prêmio em dinheiro foi pago”, lembra Letícia. A disputa foi tão acirrada que a equipe de Oscar Niemeyer ficou em segundo lugar.
Depois de encomendar outro projeto e recusar também esse, o ministro providenciou uma permuta com a Prefeitura, trocando o terreno de que dispunha na Avenida Passos pelo do local atual e encomendando uma terceira proposta a um escritório técnico. Finalmente, Luís Eduardo Frias de Moura concebeu uma construção mais ao gosto da autoridade. Ao longo do trabalho, o arquiteto convidou os escultores Hildegardo Leão Velloso e Humberto Cozzo, além do muralista Paulo Werneck e do serralheiro artístico Oreste Fabbri, para cuidarem dos acabamentos do palácio.
Símbolo de opulência no Estado Novo
O Palácio da Fazenda teve sua pedra fundamental lançada em outubro de 1938 e está em funcionamento desde 1943. A entrada do prédio foi inspirada no desenho de templos gregos e, por isso, possui colunas em estilo dórico, de 9,5 metros de altura. O caráter clássico da edificação também transparece no pórtico: 32 baixos-relevos em mármore, chamados de métopas, foram entalhados por Cozzo para retratar as principais atividades geradoras de renda do país.
No interior do palácio, esculturas, lustres, cinzeiros, móveis, porcelanas e pinturas, entre outros itens, se distribuem por 107.000 m2 de área construída, onde circulam diariamente cerca de 4.500 funcionários. Depois de reconhecido como patrimônio cultural pela Prefeitura em fevereiro de 1997, todo o conjunto arquitetônico foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2005.
Mas, afinal, por que Fazenda?
O Ministério da Fazenda é o órgão responsável por gerir e ordenar as riquezas produzidas no Brasil. De início se chamava Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil e da Fazenda, e sua repartição, Real Erário, em consonância com a nomenclatura vigente em Portugal. Foi criado pelo príncipe regente D. João, logo após a vinda da corte para o Rio de Janeiro, em 1808. Treze anos mais tarde, durante o período de regência de D. Pedro I, o nome mudou para Tesouro Público.
A nomenclatura atual, no entanto, é republicana. No governo do Marechal Deodoro da Fonseca, Rui Barbosa assumiu o cargo de ministro, promovendo uma reforma monetária e bancária, a fim de estimular a passagem de uma economia essencialmente estruturada sobre base agrícola para a atual, mais moderna e assentada, também, sobre a indústria. Mas permanece, aí, um paradoxo: a expressão “fazenda” passou a designar bens, produtos de créditos e recursos provindos de sesmarias e de terras produtivas – as fazendas –, sendo oficialmente adotada em 1891.
Acervo antigo e tecnologia ultramoderna
A Biblioteca do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro (BMF/RJ) já estava nos planos do ministro Souza Costa. Por isso mesmo, foi inaugurada poucas semanas depois do palácio, em janeiro de 1944, concentrando um acervo especializado em Economia, Direito, Finanças e Administração Pública, que continua crescendo. Por decisão federal, à exceção da Biblioteca Regional de Minas Gerais e da Escola de Administração Fazendária (Esaf), em Brasília, o acervo de todas as demais foi recentemente transferido para a biblioteca depositária no Rio de Janeiro. Obras em duplicata ou fora da área de interesse específica deverão ser doadas.
“Há muitos anos, o acervo da Alfândega do Porto do Rio de Janeiro e de instituições governamentais extintas, como o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), do Instituto Brasileiro do Café (IBC) e da Superintendência Nacional do Abastecimento (Sunab), também já havia sido incorporado. Ela sempre teve a mesma missão do prédio, de reunir diversos acervos espalhados”, conta a bibliotecária-chefe, Katia Aparecida Oliveira. Como esses materiais não existem nem na Biblioteca Nacional, atraem até mesmo pesquisadores estrangeiros.
Entre os mais de 150 mil volumes, distribuídos por três andares em uma área de 1.200 m2, se encontram obras raras, como a Coleção de Leis do Brasil, editada com a chegada da Família Real, em 1808; relatórios do ministério publicados desde 1823; e o primeiro número do Diário Oficial da União, de 1862. Em um convênio da BMF/RJ e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) firmado com o Internet Archive, o projeto Memória Estatística do Brasil tem digitalizado documentos do século XIX e primeira metade do século XX há quatro anos. Além de preservar, a proposta pretende promover a democratização da informação.
“Até agora, esse é o único projeto do Internet Archive na América do Sul”, explica o historiador Fábio Baptista, fazendo referência à biblioteca multimídia norte-americana de livre acesso na internet e lembrando que todo o acervo pode ser baixado gratuitamente. “Cerca de 5 mil livros já foram digitalizados. Cada máquina tem duas câmeras laterais, que fotografam as páginas abertas ao mesmo tempo. Estamos conseguindo fazer uma média de 750 páginas por hora.”
Como a BMF/RJ tem um foco importante na legislação federal, cabe à instituição, também, fazer uma análise de periódicos especializados em política econômica e pública, além do conteúdo temático publicado no Diário Oficial da União. “Essa é uma informação de interesse público porque atualiza funcionários, divulgada diariamente por mala direta digital”, ressalta Katia.
Serviço:
Palácio da Fazenda, História e Arte
Museu da Fazenda Federal
Avenida Presidente Antônio Carlos, 375/ 10º andar – Castelo
Agendamento para visitas individuais ou em grupo
De segunda a sexta-feira, das 9h às 15h30
Tel.: 3805-2002 e 3805-2004
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Biblioteca do Ministério da Fazenda (BMF/RJ)
Avenida Presidente Antônio Carlos, 375/ 12º andar – Castelo
Consulta sem agendamento
De segunda a sexta-feira, das 9h às 17h
Tel.: 3805-4275 e 3805-4285
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Fonte:
BRASIL, Helio e CAVALCANTI, Nireu. Tesouro, o Palácio da Fazenda, da Era Vargas aos 450 anos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Pébola – Casa Editorial, 2015.
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