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Educação 360 acende luz de alerta para crise
03 Outubro 2016 | Por Sandra Machado
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Maria Helena Guimarães abriu a edição 2016 do Educação 360, que teve mediação do jornalista Antônio Gois (Foto: Sandra Machado)

Em setembro de 2016, uma medida provisória da Presidência da República surgiu para revolucionar a estrutura de todo o Ensino Médio brasileiro. A MP 746/2016 foi anunciada justamente às vésperas do encontro internacional Educação 360, organizado para debater mudanças nos modelos pedagógicos e realizado nos dias 23 e 24 de setembro, na Escola Sesc de Ensino Médio, em Jacarepaguá. Na palestra magna de abertura do evento, a atual secretária executiva do Ministério da Educação, Maria Helena Guimarães, até ressaltou avanços em termos de acesso, cobertura e inclusão nos últimos 20 anos. No entanto, o tom geral de sua detalhada apresentação pareceu bastante sombrio e, de certa forma, explicou a urgência do governo federal em tentar desatar os nós da educação secundária.

O panorama, em poucas palavras

De acordo com a socióloga, nos últimos 15 anos houve uma “enorme queda do número de alunos” no Ensino Fundamental: dos 38 milhões matriculados em 2001, existem hoje apenas 27,8 milhões – 84% na rede pública (23,3 milhões) e 16% (4,5 milhões) na rede particular. Mas é justamente no Ensino Médio, setor no qual a rede pública tem a maior participação – 88%, com cerca de 7 milhões de estudantes –, que a crise aparece com seus contornos mais alarmantes. “Houve uma migração forte de alunos que deixaram a escola privada, sobretudo nos últimos cinco anos”, apontou Maria Helena, atrelando o fenômeno aos problemas econômicos do país. Quanto à graduação, de um universo com 7,8 milhões de pessoas, três em cada quatro universitários estudam em instituições privadas.

Entre 1995 e 2014, a média de anos de estudo do brasileiro passou de 4,2 para 6,7, considerada ainda muito baixa: a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que recomenda hoje 8,5 anos, persegue o marco de 11 anos, enquanto que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) sugere que o razoável seriam 10 anos. “O Brasil está bem longe de atingir uma meta educacional internacional”, admite a secretária executiva do MEC.

Quem dera o problema fosse falta de recursos. “De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), entre 2003 e 2014 houve uma evolução grande do investimento em educação, mas que não foi acompanhada de uma melhoria do aprendizado.”

“Avaliações nacionais e internacionais continuam insuficientes”

Além do insucesso do Ensino Médio, o resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em 2015 sinalizou problemas também no segundo ciclo do Ensino Fundamental (do 6º ao 9º ano). “Os jovens não alcançam o mínimo esperado nem em Língua Portuguesa nem em Matemática. Eles não estão preparados para o Ensino Médio.” O panorama se repete nos índices do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa): 49,6% dos brasileiros na faixa dos 15 anos – idade em que se pressupõe o fim da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países – estão abaixo do nível de proficiência em leitura. Na avaliação de Ciências (54,2%) e na de Matemática (69,1%), o resultado é ainda pior. “Esses dados se referem à testagem mais recente, realizada em 2012, e devem ser divulgados no dia 6 de dezembro próximo”, informou Maria Helena. Para ela, nossa maior dificuldade no Pisa está na leitura. “As perguntas são longas, demandam a habilidade de manejar textos extensos, mas os alunos não estão acostumados, não conseguem sequer entender o que está sendo formulado. Não é à toa que leitura e escrita devem ser sempre consideradas como macrocompetências.”

A Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) revelou, na edição mais recente (2014), que apenas 11% das crianças têm um nível adequado de leitura ao fim do 3º ano. Na faixa entre os 15 e os 29 anos, existiam 13,1 milhões de totalmente analfabetos ou de analfabetos funcionais, “todos com muita dificuldade em se inserir no mundo do trabalho”, ressaltou a secretária. Brasileiros de 15 anos totalmente analfabetos somavam 198 mil pessoas, 20 anos atrás. Atualmente, esse número caiu para 31.140. “São indivíduos nascidos em 2001, dos quais 37%, inclusive, em algum momento frequentaram a escola.”

Em relação à distorção idade/série, o Censo 2015 do Inep apontou que o maior atraso está localizado na Região Norte, nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Nas demais, à exceção do estado de São Paulo, existe um alto índice de defasagem no Ensino Médio. Para a secretária, o problema do atraso escolar repete um mesmo modelo: a taxa de aprovação que cai no 3º e no 6º anos, levando, mais adiante, à evasão do aluno. “Para piorar, temos, hoje, 700 mil crianças de até 4 anos ainda fora da pré-escola. De acordo com as pesquisas, aos 14 anos elas começam, novamente, a sair. No momento, existe 1 milhão de jovens brasileiros que, aos 17 anos, abandonaram os estudos definitivamente.” Para reverter essa situação dramática, a secretária está convencida de que é preciso qualificar os profissionais que abraçaram o magistério. “O professor é o que mais faz diferença para a formação de qualidade. Mas, em um universo com quase 2,2 milhões de professores, 614.834 ainda não têm licenciatura.”

Conta que não fecha

Muito embora a Educação tenha o segundo maior orçamento da União – atualmente com 132 bilhões de reais –, existem, hoje, mais de duas mil obras para construção de escolas paralisadas em todo o país e inúmeras dívidas acumuladas com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e com o Sistema S (conjunto de instituições de categorias profissionais, como o Serviço Nacional do Comércio, por exemplo). “Nos últimos dois anos, os investimentos foram crescendo só no Ensino Superior. Entre 2004 e 2014, aumentou em 106 mil o número de funcionários de universidades e institutos federais que, em 2017, receberão um reforço de 5 bilhões, retirados da Educação Básica. Há um gasto maior com folha de pagamento e uma queda brutal de verba para os programas”, resumiu Maria Helena, com um tom de contrariedade.

Para a secretária executiva do MEC, existem algumas prioridades a serem tratadas. A começar pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Cada rede de ensino e escola terá um parâmetro para elaborar o próprio currículo, de acordo com a realidade regional e local e com seu projeto pedagógico. A ideia é ter um documento balizador pronto para encaminhar ao Conselho Nacional de Educação até o fim de 2016. Outra meta é alcançar a universalização da pré-escola. “A prioridade, agora, é creche e hospital universitário. O MEC já custeia 56 hospitais universitários no Brasil.” Alfabetizar todas as crianças no máximo até os 8 anos de idade também está nos planos do Ministério da Educação. Assim como aprimorar a formação docente. “Talvez este seja o maior desafio, já que existem cerca de 20 programas diferentes e fragmentados”, lembrou a secretária, que é também presidente do Comitê Gestor da BNCC.

A grande discussão em torno do Ensino Médio

A reforma do Ensino Médio prevê uma ampliação gradual da jornada escolar: até 2024, pelo menos metade dos estudantes deverá estar matriculada no horário integral, passando de 800 para 1.400 horas anuais. Além da discussão sobre a viabilidade da nova carga horária, o debate gira em torno da flexibilização do currículo, que passa a contar com cinco ênfases distintas: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnico-Profissional. “Estamos dando autonomia para os sistemas estaduais criarem seus currículos e políticas”, ressaltou Maria Helena. Durante um ano e meio, as 21 mil escolas de Ensino Médio do país deverão seguir o que tiver sido estipulado a partir da BNCC. Na segunda metade do curso, então, é que seria aplicado o currículo flexível. Apenas Português e Matemática continuam obrigatórios ao longo dos três anos.

Mas por que a mudança por medida provisória? “Pela urgência do problema. Há cinco anos essa reforma está em discussão. O fracasso do Ensino Médio brasileiro é um dado da realidade. O modelo faliu. Muitos estudantes estão abandonando a escola e fazendo o Enem para tirar 450 pontos e conseguir o certificado do Ensino Médio”, afirmou Maria Helena, para quem 13 disciplinas hoje obrigatórias, numa jornada de quatro horas diárias, é uma carga excessiva. “É preciso que o jovem possa aprofundar sua área de conhecimento. Além disso, o Prouni (Programa Universidade para Todos), o Fies e outros também foram criados por medida provisória.”

Para defender a proposta de flexibilização, a secretária do MEC afirmou que, nos países mais desenvolvidos, a partir dos 15 anos de idade a estrutura se diversifica. Como no Canadá, onde o currículo comum só é obrigatório até o 10º ano. “O Ensino Médio hoje está estagnado, desinteressante e com alunos desmotivados. Precisamos torná-lo mais estimulante e mais voltado para o futuro.” Apesar da limitação dos gastos prevista na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, Maria Helena garantiu que o desequilíbrio nas contas públicas não pode afetar os investimentos na Educação, e que 85% do custo aluno/qualidade será repassado pela União aos estados e municípios. “Não dá para fazer tudo. Apesar da crise de receita e de arrecadação, a prioridade é o salário dos professores. Por outro lado, não vejo necessidade de um curso técnico ter professor com Mestrado e Doutorado.”

 
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