Os problemas relativos ao ensino de Língua Portuguesa no Brasil vêm de longe. Para quem não é da área, pode ser surpreendente descobrir que o conhecimento e a formulação dos conteúdos da disciplina só começaram a ser construídos praticamente a partir de meados do século XIX. É verdade que, nos tempos coloniais, os mais privilegiados aprendiam a ler e escrever em português com os jesuítas. Mas, segundo a pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Magda Soares, isso ocorria sem qualquer componente curricular. Tratava-se apenas de um processo de alfabetização, e, uma vez alfabetizado, o aluno passava direto para a aprendizagem da gramática em latim, a partir de livros escritos na Roma Antiga.
O português, aliás, sequer era a língua dominante da colônia. No dia a dia e nos intercâmbios sociais, a comunicação era feita por meio da língua geral, de base tupi. A questão, contudo, não se resumia a isso. Ainda de acordo com Magda Soares, embora a primeira gramática portuguesa tivesse sido escrita em 1536, não havia, na época, sistematização suficiente do conhecimento para ela se transformar em disciplina curricular.
A primeira proposta de um programa de estudos distinto do método dos jesuítas só surgiu em 1746, quando o filósofo iluminista Luís António Verney defendeu que a alfabetização deveria ser seguida pelo ensino da gramática portuguesa, para só depois se passar ao latim. As reformas educacionais do Marquês de Pombal, na década de 1750, acompanharam a proposição de Verney e ainda transformaram o português na língua falada obrigatória na metrópole e no além-mar. O Alvará Régio de 1759 também suprimiu as escolas jesuíticas de Portugal e de todas as colônias.
Apesar de o ensino da gramática portuguesa ter sido introduzido, ele era visto apenas como um apoio à melhor compreensão do latim, cujas aulas foram mantidas, junto com as de retórica (as duas disciplinas eram a base do ensino linguístico nas escolas jesuíticas). Na verdade, a reforma educacional pombalina não chegou a mudar o conceito, construído durante a Idade Média, do português como língua vulgar, em contraposição ao latim, culto.
Não foi da noite para o dia, a partir do decreto de Pombal, que o português passou a ser falado por aqueles que moravam no Brasil. Nas principais cidades litorâneas – Rio, Salvador, Recife – e nas regiões das Minas, a língua dos colonizadores foi rapidamente consolidada, pois, nesses locais, a maior parte dos habitantes era portuguesa, fato que acabou empurrando a fala geral para os sertões.
Outra questão importante é que a educação escolarizada não jesuítica, iniciada com a reforma educacional de Pombal, em meados do século XVIII, atingia apenas uma ínfima parcela da população. Só com a chegada da família real, em 1808, é que centros de transmissão do saber começaram a ser efetivamente instalados – como é o caso do Liceu de Artes, da Biblioteca Real, entre outros –, mas ainda de forma muito distante de atingir a maioria da população.
Com a independência do Brasil, o ensino da “língua nacional” passou a ser fundamental para a afirmação política e cultural da nação. O português e sua literatura começaram a ser adotados no currículo oficial do ensino secundário (na época, constituído de sete anos).
Em 1854, com a reforma educacional de Couto Ferraz, os estudos e o conhecimento do ensino do vernáculo foram incrementados. Lentamente, os textos estrangeiros passaram a ser substituídos por autores portugueses e brasileiros. Mas não apenas isso. No Colégio Pedro II, a ortografia se tornou objeto de ensino, ainda que, na época, não existisse qualquer acordo ortográfico lusófono.
E mais: a partir de 1871, o exame de Língua Portuguesa passou a ser obrigatório para admissão nas faculdades do Império. Nesse mesmo ano, foi criado o cargo de professor de Português, fato que leva muitos estudiosos a considerarem-no como o marco inicial do ensino oficial da língua vernácula no país. Mas é bom lembrar que tal trajetória foi construída com base na tradição clássica, fincada no latim e na filosofia grega.
República
De acordo com Nícia de Andrade Verdini Clare, professora de Linguística da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o ensino da Língua Portuguesa ancorado no latim recebeu sua primeira crítica contundente em 1919, com a publicação da gramática de Said Ali, que não partia do latim para chegar ao português, mas do português arcaico para chegar ao moderno. Sua visão histórica do ensino da língua não foi, contudo, acolhida na época, e só começou a ser valorizada no final da década de 1930, com a publicação da Gramática Histórica, de Ismael de Lima Coutinho.
Outra obra importante do período da República Velha foi Lições de Português, de Souza da Silveira, que buscava distinguir gramática e estilística. Nela, o autor criticava o “dogmatismo purista” e valorizava os regionalismos e a “linguagem brasileira corrente” (que infringiam preceitos normativos). “A própria literatura nossa regional exprime-se numa língua que, apesar de tudo, não deixa de ser a portuguesa”, escreveu.
O fato é que, na década de 1940, não havia mais consenso sobre o que ensinar e como ensinar Português. Cada professor estabelecia seu próprio planejamento e ensinava o que julgava importante. Em 1950, vários novos verbetes, termos gramaticais e conceitos também foram apresentados nas obras de Mattoso Câmara.
Diante da falta de uniformidade no ensino da língua, o governo federal incumbiu um grupo de gramáticos da tarefa de padronizar os termos técnicos a serem empregados de maneira uniforme em todo o país. E assim, em 1959, por meio de uma portaria, foi instituída a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) – até hoje em vigor, embora submetida a muitas críticas e necessitando de revisão.
Expansão do ensino
Na década de 1960, a expansão do acesso à educação trouxe novos tipos de desafios aos professores de Língua Portuguesa, já que, segundo Nícia de Andrade Verdini Clare, o perfil dos alunos das escolas públicas mudou rapidamente: já não eram mais os filhos das elites letradas que nelas estudavam, mas os filhos da massa analfabeta do país. "O que fazer diante da nova realidade? Nivelar por baixo ou reprovar os alunos de forma maciça"? Ainda conforme Nícia, a expansão do ensino também aumentou a demanda por novos professores, e o governo militar, então instalado, autorizou a proliferação de faculdades particulares, “sem planejamento ou fiscalização” e sem preocupação com a “qualificação docente”.
Com a publicação da Lei de Diretrizes e Bases de 1971, o ensino de Língua Portuguesa, da 1ª à 4ª série, foi transformado em Comunicação e Expressão. Da 5ª à 8ª série, em Comunicação e Expressão em Língua Portuguesa. Como consequência de tais diretrizes, os exercícios de expressão oral passaram a integrar boa parte dos livros didáticos e os textos literários mais elaborados foram substituídos por crônicas de linguagem coloquial. No currículo escolar, as disciplinas de Língua Portuguesa e de Literatura Brasileira só mesmo no 2º grau.
Na década de 1980, o péssimo rendimento dos alunos em redação (inúmeros erros de ortografia, falta de coesão textual, pobreza de vocabulário etc.) colocou em xeque o modelo adotado em 1971, tanto que várias faculdades de Letras e de Jornalismo passaram a oferecer cadeiras de reforço em Língua Portuguesa. Diante das críticas e protestos, a disciplina de Comunicação e Expressão acabou extinta, retomando-se o ensino de Português.
A partir de meados dos anos 1985, incrementou-se a discussão sobre o uso da gramática e das normas cultas: elas aprisionam a língua ou não? Evanildo Bechara, por exemplo, defendia que tanto o uso privilegiado da gramática normativa como da pura oralidade era um equívoco, pois não existia uma única língua padrão, assim como a língua funcional, falada por cada um, tinha uma gramática intrínseca. Por também entender a gramática como imanente à língua, Celso Pedro Luft criticava o “ensino opressivo de língua materna” e propunha que o ponto de partida do ensino da língua fosse a gramática que o aluno dominava em sua fala.
No século XXI, a concepção de língua com diversos usos e como instrumento de enunciação, discurso e intercomunicação começou a ganhar corpo. Nessa visão, o papel desempenhado pelo aluno passou a ser pensado de maneira diferente: como agente ativo, autônomo e construtor de suas próprias habilidades e conhecimentos, de forma que os processos de leitura e de escrita passaram a ser vistos como o resultado da interação entre autor, texto e leitor.
Fontes
BUNZEN, Clecio. A fabricação da disciplina curricular Português. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 11, 2011.
CLARE, Nícia de Andrade Verdini. Ensino de língua portuguesa: uma visão histórica. Idioma 23, Uerj, Rio de Janeiro.
SALINO, Emerson. O século XIX abre as portas para a educação: o ensino de língua portuguesa no Colégio Pedro II. Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa) – PUC-SP, São Paulo, 2012.
SECO, Ana Paula; AMARAL, Tânia Conceição Iglesias do. Marquês de Pombal e a Reforma Educacional Brasileira. Histedbr, Faculdade de Educação da Unicamp, Campinas.
SOARES, Magda. Português na escola: história de uma disciplina curricular. In: BAGNO, Marcos (Org.). Linguística da norma. São Paulo: Edições Loyola, 2004.