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A criação de novos ambientes escolares e o adeus à escola do século XIX
19 Setembro 2018 | Por Fernanda Fernandes
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“É tempo de metamorfose da escola: de novos ambientes educativos e uma nova forma escolar”, enfatizou o português António Nóvoa, doutor em Educação, reitor honorário da Universidade de Lisboa e professor colaborador do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), durante evento na Escola de Formação Paulo Freire, realizado no final do mês de agosto.

Assista à palestra na íntegra.

Para o educador, essa transformação exige a transição de uma escola fechada, organizada em sala, para uma diversidade de espaços de pesquisa, estudo e trabalho; de uma grade curricular por disciplinas para um trabalho com linguagens e projetos, explorando grandes temáticas; e de um esquema de aulas e lições dadas por um professor para uma proposta de trabalho conjunto.

“É necessária a pedagogia da autonomia, da criação, da pesquisa, da inclusão, da cooperação e da diferenciação pedagógica. Mas isso dificilmente cabe no ambiente educativo atual. É como colocar as crianças em uma piscina e mandar que elas corram. Mas em uma piscina não se corre, se nada”, metaforizou Nóvoa, ressaltando que o professor deve ser capaz de refletir sobre sua profissão e se reinventar.

A partir daí, o educador reforçou que um novo ambiente educativo implica um novo ambiente de formação de professores, citando o Complexo de Formação de Professores, projeto que vem sendo desenvolvido pela UFRJ e do qual Nóvoa é mentor.

“Não há formação de professores sem socialização profissional – entre professores universitários e de educação básica e licenciandos –, conhecimento profissional docente e inovação por meio da reflexão conjunta. Essas três dimensões respondem para que serve o Complexo”, resume.

Ao final da palestra, António Nóvoa concedeu uma breve entrevista ao Portal MultiRio:

 

António Nóvoa é doutor em Educação e reitor honorário da Universidade de Lisboa (Foto: ORibatejo/ Wikimedia Commons)

Portal MultiRio – Qual é o maior desafio dos professores e gestores atualmente? 

António Nóvoa – Ser capaz de não reproduzir a escola do século XIX, mas de criar novos ambientes educativos. E que não sejam tanto um ambiente de aulas, mas um espaço de pesquisa, de trabalho, de curiosidade, de motivação, onde os alunos estudem e aprendam. A escola tradicional, do passado, já não atende às novas gerações, às necessidades dos alunos da geração digital.

PM – E como o professor pode ter autonomia e buscar mudança se precisa responder a um modelo de avaliações padronizadas?

AN – O grande problema da mudança tem a ver com isso. Isto é, há uma padronização do horário de trabalho dos professores, da estrutura do espaço escolar, da prestação de contas, da avaliação. E tudo isso dificulta muito os processos de mudança. Não é fácil, mas sabemos da história de milhares de experiências em que há sempre uma pequena margem de autonomia, a possibilidade de fazer pequenas coisas e ir aumentando essa autonomia.

O que posso dizer aos professores é que sei que eles têm razão, ao ponto de não conseguirem fazer nada. É tudo tão constrangedor, burocrático, administrativo, com tanta avaliação, que, obviamente, é difícil. Mas sei também que há colegas na mesma situação que conseguiram encontrar o ponto de fuga, o ponto da mudança, e isso se faz justamente conversando com outros colegas.

PM – Existe um debate antigo, mas ainda comum nos dias de hoje, sobre o papel da escola versus o papel da família, que demandas seriam de cada um e até um excesso de atribuições aos professores. Qual a visão do senhor sobre isso?

AN – Essa discussão, de fato, existe desde o século XIX, mas julgo que, hoje, temos que ser capazes de trazer as famílias para o debate educativo, construir com as famílias uma relação educativa. Professores, alunos e famílias precisam estabelecer uma melhor colaboração e cooperação entre si e acabar com esse debate de que famílias não sabem educar ou que os culpados são os professores. Atribuir culpas aos outros é o caminho mais fácil sempre, mas não nos leva a lugar algum. Tentemos construir o que Paulo Freire chamava de “a cidade educadora”, um movimento muito forte hoje no mundo, em que escola e sociedade estão em diálogo, tentando encontrar a melhor maneira de educar nossas crianças.

PM – No Brasil, muitos alunos sofrem com carências sociais. Como o professor deve lidar com o conteúdo escolar e com o que poderia ser visto como um “conteúdo social”?

AN – Esta é uma pergunta muito importante e pertinente. E o que eu teria para dizer aos professores é que o pior a se fazer a essas crianças é deixar que elas saiam da escola com muito conteúdo social e sem nenhum conteúdo escolar. O melhor a fazer, metaforicamente, é que ela saiba de Matemática, de Ciências. Essa é a ferramenta mais inclusiva que podemos dar, conhecimento forte. Portanto, faço um pedido aos professores brasileiros: nunca oponham o conhecimento à cidadania, o conteúdo escolar ao conteúdo social. Não há oposição possível. Como eu disse, não há cidadania sem Matemática. A Matemática é uma forma de nos inserirmos na cidadania, e isso é absolutamente central.

Eu sei que é difícil. Eu sei que é difícil educar uma criança que tem fome, ensinar a quem não tem condições mínimas. Mas o melhor a fazer, como professores, é sermos capazes de, mesmo em situações difíceis, nunca abdicar do conhecimento escolar, que é verdadeiramente o centro de qualquer processo de educação integral. Não há educação integral sem conhecimento escolar.

 
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