A dislexia é um transtorno específico de leitura que pode afetar a aprendizagem de crianças e adolescentes. Segundo Renata Mousinho, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde coordena o Projeto ELO: escrita, leitura e oralidade, trata-se de uma alteração linguística, especialmente na área fonológica, mas que pode envolver também o processo visual.
“A criança tem dificuldade na precisão da leitura, ou seja, em fazer correspondências entre letra e som em uma velocidade de leitura que dê fluência. A habilidade de compreensão global da linguagem está boa, mas a compreensão fica prejudicada porque ela lê mal”, explica a especialista, mestre e doutora em Linguística pela UFRJ.
De acordo com Renata, é comum que familiares de estudantes com dislexia tenham apresentado dificuldade escolar, trocas na escrita ou outro tipo de alteração na linguagem. Ainda segundo a fonoaudióloga, assim como em outros transtornos de linguagem, há uma prevalência maior em meninos do que em meninas.
Dislexia: como identificar sinais de alerta
O professor é quem, normalmente, identifica os sinais de alerta apresentados pela criança ou adolescente, por ter um comparativo explícito em sala de aula. “Esses sinais não necessariamente vão caracterizar dislexia, mas muitas vezes estão no histórico de crianças com dislexia”, explica Renata Mousinho, ressaltando que nem todos os indivíduos apresentam os mesmos sinais.
“Pode haver dificuldade na nomeação de cores, mesmo isso sendo muito ensinado; demoram a se lembrar do vocabulário e acabam usando termos como ‘aquele negócio’ ou ‘aquela coisa’; apresentam dificuldades em identificar palavras que rimam e em fazer correlações como, por exemplo, reconhecer nomes da chamada que comecem com a mesma letra. Além disso, há muita troca na fala: em vez de ‘macaco’, falam ‘cacaco’; em vez de ‘máquina’, ‘mánica’; ou ‘carrafa’ no lugar de ‘garrafa’ – sinais desviantes, que não são esperados de crianças com quatro e cinco anos”, explica a especialista.
O que fazer quando o aluno apresenta sinais de dislexia
De acordo com Renata Mousinho, algumas crianças podem apresentar dificuldades bem gritantes na fase de alfabetização; outras só sentem dificuldade quando os textos aumentam muito; e, ainda, há casos em que elas ‘dão um jeito com a leitura’, mas a escrita é inviável.
A fonoaudióloga reforça que um estudante com dislexia consegue acompanhar uma turma regular, mas pode ter desempenho ainda melhor se contar com atividades de apoio no contraturno. “A dislexia é uma pedra no sapato, mas não é impedimento para absolutamente nada na vida. Tudo o que a criança quiser ser, ela poderá ser”.
Em geral, segundo a especialista, os disléxicos são crianças sociáveis, que se comunicam bem, falam bem, de forma que não se espera deles um mau desempenho na escolarização formal. “O diagnóstico surpreende a família e a escola, e a criança se sente cobrada, não está preparada para aquilo. Por isso, é importante que professores e responsáveis valorizem e exaltem seus pontos fortes para a turma e para a família. Normalmente, o disléxico tem uma curiosidade grande para aprender outras coisas, como esportes, por exemplo.”
O diagnóstico e o tratamento da dislexia
O diagnóstico de dislexia só pode ser dado depois do início da alfabetização e, mesmo assim, deve considerar uma série de fatores, como aponta Renata Mousinho.
“A aprendizagem tem os lados social, cultural, pedagógico... Depende da disponibilidade da criança e de sua saúde, como não estar com otite ou secreção, por exemplo. Sendo assim, o manual diagnóstico diz que, inicialmente, levanta-se a hipótese de dislexia, trata-se e intervém de alguma maneira, até mesmo dentro da escola. Seis meses depois desse trabalho mais diretivo, a maneira como a criança responde à estimulação – todas melhoram, com ou sem dislexia – pode comprovar a dislexia ou apontar uma dificuldade de aprendizagem, mais relacionada ao pedagógico”, explica a coordenadora do ELO – UFRJ, ressaltando que, apesar de o diagnóstico interdisciplinar ser o ideal, o mesmo pode ser dado por fonoaudiólogos, neurologistas, psiquiatras e neuropsicólogos com formação para tal; psicopedagogos também podem ajudar a compor uma equipe.
Existem diferentes graus de dislexia, segundo Renata. “Antigamente, dizia-se leve, moderada ou severa. No entanto, hoje em dia não se fala em graus de nascença, e sim em função dos sinais que o indivíduo está apresentando naquele momento. Porque é possível migrar de um grau severo para um leve, por exemplo. Em grau severo, a criança precisa de alguém que leia para ela nas provas, releia o que ela escreveu para checar se é o que ela realmente estava pensando. A criança com grau moderado faz a prova em um lugar tranquilo, com mais tempo de prova e só vai precisar de ajuda se tiver dúvida no enunciado. O grau é leve quando não se consegue finalizar uma atividade, precisa de pequenas adaptações”, exemplifica.
O tratamento depende da fase em que a criança é diagnosticada. “Em um primeiro momento, pode ser fonoaudiológico; e, depois, pode ser psicopedagógico. Depende. Quando chegam mais velhas, com marca forte do fracasso, precisam da psicopedagogia junto. Quando o diagnóstico é mais precoce, podemos trabalhar na precisão e na velocidade da leitura, nas bases linguísticas para isso”, diz Renata.
Bons resultados podem aparecer já com seis meses de intervenção, segundo a fonoaudióloga. “Não para ficar bom de vez, mas para, por exemplo, uma criança que não possui nenhuma fluência de leitura, ter um mínimo disso para compreender o que lê. E isso muda a vida dela. Porque se ela lê errado, não consegue interpretar; se lê muito devagar, faz tanto esforço e, quando acaba, simplesmente não se lembra do que leu. Então, adquirir o mínimo de fluência de leitura vai permitir a compreensão e melhorar o desempenho na escola, em várias disciplinas. E o aluno fica aliviado, afinal, não dá para sentir prazer fazendo um esforço grande sem entender nada.”
A especialista destaca que, por não se tratar de uma doença, não se fala em cura. “Mas existe um momento em que aquilo para de impactar a vida da pessoa. E se para, está tudo bem.”