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Desequilíbrio ambiental e doenças transmissíveis
14 Maio 2020 | Por Larissa Altoé
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A Fiocruz realizou videoconferência sobre a pandemia de Covid-19 (reprodução)

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realizou uma videoconferência com diversos pesquisadores para refletir sobre a Covid-19 e propor ações que protejam a sociedade. A instituição de pesquisa, que é referência nacional, afirma que o novo coronavírus não será a última emergência sanitária mundial se não mudarmos o modo como produzimos e consumimos atualmente. "A questão ambiental é determinante na Covid-19", disse Paulo Buss, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fiocruz. "A doença teve origem em um animal – o morcego – e, posteriormente, tornou-se interpessoal. O vírus reconhece o humano como meio excelente de replicação. Essa origem zoonótica não é particular dessa doença, nem da China. A Covid-19 é derivada da forma de produzir e consumir, nesse caso, alimentos", explicou.   

Para Carlos Gadelha, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, "a pandemia não é um fenômeno casual, como se o mundo estivesse indo bem até surgir a Covid-19. Não estávamos bem. E a crise que estamos vivendo indica que não podemos mais adiar as discussões sobre mudanças estruturais na sociedade. Se não o fizermos, certamente podemos nos perguntar qual vai ser a próxima pandemia. Porque virá. O momento atual exige ação, reflexão e fazer as coisas de modo diferente. A base produtiva e tecnológica deve dialogar e se subordinar aos interesses da sociedade e da agenda ambiental. Necessitamos de padrões de desenvolvimento que reduzam desigualdades e cuidem do ambiente", afirmou.

Gadelha disse também que "se não formos capazes de uma transformação social, continuaremos sendo afetados por doenças como o Ebola, o corona 1 e o H1N1. Os pensadores progressistas precisam ter a humildade e a coragem de repensar a estrutura na qual vivemos. Precisamos pensar em futuros possíveis com qualidade de vida para a maioria da população, levando em conta o papel do Estado no bem-estar social, na dimensão coletiva dos bens, na indústria nacional e nos limites da globalização".   

No texto de apresentação da videoconferência, a Fiocruz explica que "os ecossistemas são resistentes e adaptáveis e, ao sustentar a vida de diversas espécies, ajudam a regular doenças. Quanto mais biodiversidade um ecossistema possui, mais difícil é que um patógeno se espalhe rapidamente ou domine".

Entrevista:  pandemia e desequilíbrio ambiental

Um dos especialistas que participaram da videoconferência foi Christovam Barcellos, vice-diretor de Ensino e Pesquisa do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz. O Portal MultiRio o entrevistou com exclusividade sobre o tema.

Portal MultiRio: Como a atual pandemia tem relação com o desequilíbrio ambiental?

Christovam Barcellos: A atual pandemia de Covid-19 está relacionada com diversas mudanças que ocorreram no mundo nas últimas décadas. A primeira delas é a climática, que interfere na distribuição de todas as espécies de plantas e animais. Há áreas invadidas por animais; outros estão em extinção; há deslocamentos de vetores, como mosquitos etc. A segunda mudança é a perda da biodiversidade, que faz com que pragas se proliferem. Em um ambiente equilibrado, os predadores naturais, por exemplo, mantêm a população de pragas estável. Quando temos maior biodiversidade, a explosão de uma espécie determinada é mais controlada. A terceira mudança que propicia o estado de coisas atual é a mobilidade urbana. Nos últimos 50 anos, o tráfego aéreo aumentou exponencialmente. Antes da possibilidade de viajarmos o mundo todo, as epidemias ficavam circunscritas a uma região. Isso valeu até metade do século XX. As epidemias eram locais.  Quando se esgotava as fontes de reprodução da doença, o processo se extinguia. Agora se espalha com velocidade e sem barreiras. No Rio de Janeiro, por exemplo, no início do século XX, havia cólera, varíola, dengue, entre outras, mas não se espalhavam pelo país. Em 1986, a dengue voltou e se espalhou, porque as condições do ambiente eram favoráveis a isso.

PM: Podemos tomar medidas para restaurar o equilíbrio ambiental e conter viroses como essa?

A agroecologia é um dos caminhos, em saúde pública, apontados pelos pesquisadores da Fiocruz para restaurar e manter o equilíbrio dos ecossistemas (Foto: Ahlan F. Dias / creative commons)

CB: O morcego é o reservatório de diversos tipos de coronavírus. Antes dessa pandemia de Covid-19, a cadeia de transmissão estava limitada ao contato direto entre o morcego e o homem. É preciso lembrar que os coronavírus, incluindo o atual, são de transmissão respiratória, então a contaminação pode se dar de diversas maneiras, em uma caverna, no mercado, por meio de uma fruta etc. O fato é que houve uma mutação no coronavírus, que gerou a Covid-19. Essa mutação, que é uma maneira do vírus se adaptar, sobreviver, propiciou a transmissão humano a humano. O novo coronavírus encontrou condições ambientais favoráveis para se reproduzir e se espalhar - aglomerações humanas, grande mobilidade mundial, falta de condições de moradia e higiene adequadas (espaço e água). Essa realidade necessita de uma nova ecologia urbana, que dê conta da proximidade com animais silvestres, como morcegos e ratos, e, sobretudo, que melhore as condições de moradia da população.

PM: Os governos federal, estaduais e municipais podem fazer algo para equilibrar o ambiente e evitar viroses como a Covid-19?

CB: A situação atual é difícil de ser controlada. Certamente as mudanças de comportamento vieram para ficar, como foi com a Aids nos anos 1980. As relações entre as pessoas e entre elas e o espaço urbano, provavelmente, serão duradouras. Talvez não possamos mais frequentar o cinema do modo como fazíamos, por exemplo.

Não é apenas questão de política de governo. Os governos podem recomendar atitudes, mas as próprias pessoas introjetarão, incorporarão as mudanças necessárias para manter a própria saúde. Durante a pandemia, sabemos que não devemos mais nos abraçar e ir a supermercados lotados. Trata-se de um desafio civilizatório. Como faremos carnaval com covid? É uma de inúmeras questões. O comércio terá que inventar novas maneiras de realizar suas atividades e assim por diante.

Ninguém sabe o tempo que a pandemia vai durar. Isso dependerá da característica do novo coronavírus, que ainda não está clara. A gripe espanhola de 1918 desapareceu depois de uma grande onda epidêmica; já a H1N1 é sazonal, todo ano lidamos com a virose.

A grande esperança é mesmo que consigamos produzir uma vacina contra o novo coronavírus, mas, mesmo assim, a cobertura não é de 100%, como em toda vacina. Isso sem citar os movimentos contrários à vacinação e outras dificuldades de imunização. No caso de conseguirmos a vacina, o SUS é fundamental na implantação e na vacinação da população. O SUS é muito eficiente em vacinação, temos essa vantagem.

PM: O que é mais urgente para buscar o equilíbrio ecológico e proteger a humanidade de pandemias como a Covid-19?

CB: Trata-se de um desafio novo. Houve um salto ecológico quando o vírus do morcego veio para a cidade. Com a gripe aviária, o salto do vírus aconteceu de galinhas para a civilização urbana. Temos, atualmente, uma perigosa e forte interação entre o mundo rural e o urbano. Enquanto a malária, por exemplo, estava restrita a quem se aventurava dentro da mata, poucas pessoas adoeciam, mas agora, há uma interação maior. Há cidades inteiras em áreas que antes eram floresta e os animais antes selvagens estão nessas cidades. O desmatamento, os problemas habitacionais e a falta de saneamento podem ter facilitado a entrada da Covid-19. Mas esses são processos irreversíveis, uma vez instalados precisamos lidar com eles.

Breve histórico

Em 2016, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) já indicava o aumento mundial de epidemias e apontava que estão intimamente ligadas à saúde dos ecossistemas.

Ainda mais distante no tempo, mais precisamente em 2003, está o alerta feito por Marta Pignatti, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Naquele ano, Marta publicou na revista Ambiente e Sociedade, da Unicamp: "a Síndrome Respiratória Aguda, notificada em 26 de fevereiro de 2003, coloca o mundo em alerta pela sua fácil e rápida disseminação". Segundo a pesquisadora, tal síndrome indicava a vulnerabilidade da população humana a agentes biológicos desconhecidos. Marta dizia que "é na forma da organização socioambiental que as doenças encontram espaço para ora emergirem, ora ganharem novas faces. (…)  As modificações ambientais - tanto no nível macro, como no nível micro, afetam de forma geral a distribuição das doenças infecciosas. Os vínculos entre desenvolvimento econômico, condições ambientais e de saúde são muito estreitos, pois as condições para a transmissão de várias doenças são propiciadas pela forma com que são realizadas as intervenções humanas no ambiente".

 
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