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Rubem Fonseca: seu estilo e seus gêneros literários
07 Maio 2021 | Por Márcia Pimentel
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José Mayer na minissérie Agosto produzida pela Rede Globo. Divulgação

Rubem Fonseca é um dos principais nomes da literatura brasileira contemporânea. Embora tenha falecido no ano passado, críticos literários afirmam que não é difícil perceber a influencia de seu estilo "brutalista" (também cohecido como "noir") em muitos escritores atuais de nosso país. Tornou-se conhecido na segunda metade do século XX, por seus contos e romances policiais: alguns adaptados para o cinema, como Lúcia McCartney, e outros para séries televisivas, como Agosto, seu maior sucesso comercial.

Rubem Fonseca é um dos mais laureados autores do país: ganhou seis prêmios Jabuti e vários outros, no Brasil e na América Latina. Mas foi em 2003, com a conquista do Prêmio Camões, o mais importante da literatura lusófona, que entrou em definitivo no seleto grupo de escritores clássicos da língua portuguesa contemporânea.

O Prêmio Camões foi agraciado pelo conjunto de sua obra, cuja temática gira em torno da violência urbana, da degradação ética da sociedade brasileira e dos vínculos e das relações dos crimes e personagens do submundo com a corrupção e os poderes político e econômico.

 

Breve biografia

Filho de imigrantes portugueses e nascido em Juiz de Fora (MG), em 11 de maio de 1925, José Rubem Fonseca (isso mesmo, seu primeiro nome não é Rubem) mudou-se com os pais para o Rio de Janeiro, quando tinha apenas 8 anos. Na então capital federal passou a ler romances policiais norte-americanos e ingleses e a nutrir gosto pelo gênero. Formou-se, em 1948, pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da então Universidade do Brasil, atual UFRJ, e, em 1952, ingressou nos quadros da polícia civil carioca, onde trabalhou como investigador, perito-psicólogo e relações públicas.

Por sua atuação, ganhou da instituição, em 1954, uma bolsa de estudos na New York University, onde se pós-graduou em Administração e Comunicação Social. Pouco depois de retornar ao Brasil, em 1956, deixou a polícia para ser executivo da Light, companhia de fornecimento de energia elétrica para a cidade do Rio de Janeiro, onde trabalhou por quase duas décadas.

Rubem Fonseca também teve uma brevíssima passagem pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), fundado por um diretor da Light, Antonio Gallotti, um dos principais conspiradores contra o presidente João Goulart. Foi nomeado diretor da instituição no início de 1964, mas logo após o Golpe Militar daquele ano, pediu demissão.

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Rubem Fonseca. Divulgação

Em 1975, foi exonerado da companhia de energia elétrica. Segundo o crítico literário Ricardo Bonacorci, Rubem Fonseca teria dito que os militares pressionaram por sua saída da empresa. Não por acaso, no ano seguinte, sua obra Feliz Ano Novo, foi censurada pelo regime militar, que estava descontente com sua visão extremamente ácida e crítica da sociedade brasileira. Desde então, passou a viver exclusivamente de sua obra.

Rubem Paiva foi casado com a tradutora e escritora Théa Maud Fonseca, com quem teve três filhos, um deles o cineasta José Henrique Fonseca. Morreu de enfarto em abril de 2020, tendo levado a vida longe das entrevistas e da imprensa. Costumava dizer que tudo o que tinha a falar para a sociedade estava dito em sua obra.

 

Contos e intertextualidade

Os "contos" costumam ser definidos como um gênero literário que apresenta uma pequena história contada por um narrador e que apresenta um enredo completo, com início, meio e fim. Mas essa definição apresenta várias particularidades na obra de Rubem Fonseca.

No conto Entrevista, por exemplo, o autor subverte a narrativa ao apresentá-la na forma de entrevista. Ao mesmo tempo, também subverte a entrevista, quando a personagem M, em vez de responder diretamente ao objeto das perguntas, narra sua história de vida. Essa intertextualidade entre os gêneros literários é uma das características mais marcantes da obra de Rubem Fonseca.

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Edição de 1976, com alguns cortes no texto original, após censura da Ditadura Militar no ano anterior. Divulgação

Em Nau Catarineta, um dos contos do livro Feliz Ano Novo, o autor promove uma apropriação da lenda seiscentista homônima, resgatada pelo escritor português Almeida Garrett no século XVIII. Nele, Rubem Fonseva subverte o sentido original do texto: ressignifica-o para o tempo contemporâneo e promove um diálogo entre os gêneros literários.

Pelos recursos que usa em sua escrita, o diálogo intertextual com o teatro e, principalmente, com o cinema é um dos temas mais recorrentes entre aqueles que analisam a obra de Rubem Fonseca. No conto Lúcia McCartney, publicado no livro de mesmo nome, Nelma Santos avalia, em sua dissertação de mestrado, que a forma como o autor marca o tempo-espaço, por meio da divisão do texto em algarismos romanos, é similar ao recurso de iluminação do teatro.

Essa maneira de marcar o tempo-espaço, ainda se aproximaria da elipse na linguagem cinematográfica, porque o narrador omite dados de passagem temporal e espacial. No cinema, o cenário, o figurino e a iluminação sinalizam tal passagem. Em Rubem Fonseca, o leitor, muitas vezes, só infere que houve uma mudança de tempo e de espaço pelas informações contidas nos diálogos dos personagens.

 

Romances: brutalismo e gêneros textuais

Embora os contos sejam o gênero literário o qual Rubem Fonseca mais fez uso, o autor também escreveu livros com histórias longas. À exceção de O selvagem da Ópera, obra semibiográfica da trajetória pessoal e profissional do maestro Carlos Gomes, todos os demais apresentam a característica brutalista, também conhecida como "noir".

O chamado brutalismo é uma variante mais contemporânea do romance policial. Segundo o crítico literário Ricardo Bonacorci, a modalidade investiga crimes, pintando-os "com tintas mais fortes". Tanto nos contos, como nos romances de Rubem Fonseca, a imoralidade não se restringe aos vilões, pois é parte constituinte da sociedade brasileira. Seus heróis são, sobretudo, personagens extremamente humanos e recheados de defeitos: "Bebem, brigam, apanham, se ferem, matam, sentem medo, se apaixonam e cometem muitos erros", lembra Bonacorci. Além disso, quase todos não são insuscetíveis à corrupção.

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Sobre a mistura dos gêneros textuais em suas obras, Rubem Fonseca dizia: "Um escritor não pode desperdiçar palavras". Edição de 2005, Divulgação

Aliás, as histórias de Rubem Fonseca têm como base a corrupção e a violência generalizada da sociedade brasileira, além da banalização das mentiras e das injustiças sociais. Os protagonistas de seus romances são homens hedonistas, mulherengos, mentirosos, amantes das artes e propensos a cometer crimes, à exceção do personagem Alberto Mattos, figura central de Agosto, que é extremamente honesto.

Uma das principais marcas da literatura de Rubem Fonseca é o uso de uma linguagem que mistura gêneros textuais. Em vários romances e contos costuma contrastar linguagens, usando tanto aquela de base oral, coloquial e vulgar, como a formal e específica de algumas profissões. Em seus tomances também fica evidente a utilização de mais de um código linguístico. Embora a Língua Portuguesa seja o idioma-base, há passagens, frases e palavras em outras línguas (latim, alemão, francês, espanhol e italiano) sem a tradução direta, cabendo essa tarefa ao leitor.

A intertextualidade também é marcante nos romances negros de Rubem Fonseca. Como lembra Bonacorci, no texto do autor há sempre referências a "elementos da literatura, da música, do teatro, do cinema, da pintura, da ópera, da filosofia, da psicologia, da política, da história, da ciência e do direito".

 

Crônicas ou artigos?

Rubem Fonseca publicou apenas um livro de crônicas em toda a sua carreira literária: O romance morreu. Nesta obra, ele debate temas variados, como suas lembranças de Nova York, o futebol e a queda do Muro de Berlim, entre outros.

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Ao contrário da primeira, na segunda edição a palavra "crônicas" não consta mais da capa do livro. Divulgação

Na crônica que dá título ao livro, ele rememora os vários momentos da história em que o luto literário foi decretado e ainda reflete sobre o desinteresse cada vez maior da sociedade pela leitura. "Os leitores vão acabar?", indaga-se. "Talvez. Mas os escritores não. O escritor vai resistir", responde a ele mesmo.

Para vários críticos, escritores e acadêmicos, os textos do livro O romance morreu estão mais próximos do ensaio do que da crônica, gênero de narração curta, que aborda temas do cotidiano e se situa entre o relato jornalístico e a literatura.

"Há citações de todo tipo que contribuem para que os seus textos se aproximem de artigos – por várias vezes o próprio Fonseca afirma que está fazendo um artigo. E não tanto um artigo de jornal, mas um artigo acadêmico [...] Vez ou outra há algumas quebras e retomadas de raciocínio típicas da crônica, com algumas salpicadas de humor, mas no geral as diferenças chamam mais a atenção", escreve o cronista Henrique Fendrich, que mantém a revista digital Rubem, dedicada à crônica.

Apesar da controvérsia sobre o gênero literário de O romance morreu, o livro revela aspectos do cotidiano do escritor avesso à exposição midiática, como sua luta para manter viva uma árvore em uma praça do Leblon, onde morava; seu sofrimento quando assistia aos jogos da seleção brasileira; sua receita preferida de pipoca; e, entre outras coisas mais.

 

Roteiros para cinema

Vários títulos de Rubem Fonseca foram adaptados para o cinema e a televisão. O próprio autor escreveu o roteiro de vários deles. O primeiro ocorreu em 1971, quando adaptou para a telona dois de seus contos (Lúcia McCartney e O caso F.A.) para um só filme dirigido por David Neves, batizado com o nome de Lúcia McCartney, provavelmente porque era a obra de maior sucesso de Rubem Fonseca, na época. Três anos depois, também assinou o roteiro de Relatório de um homem casado, que venceu dois prêmios da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), incluindo o de melhor filme.

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Stelinha foi o filme mais premiado entre os que teve roteiro assinado pelo escritor. Divulgação

Rubem Fonseca escreveu outros roteiros até o fim da década de 1980. Seu primeiro grande sucesso de público e de crítica aconteceu em 1990 com o longa Stelinha, dirigido por Miguel Faria Jr e estrelado por Ester Góes, que interpretou uma cantora decadente. Além do filme ter vencido dois prêmios da APCA, ganhou 12 troféus no Festival de Gramado, incluindo o de melhor roteiro.

No ano seguinte, estreou no cinema A Grande Arte, longa dirigido por Walter Salles, baseado no romance homônimo de Rubem Fonseca, que escreveu o roteiro em parceria com o norte americano Matthew Chapman. O fime levou os prêmios de melhor filme do público e da crítica do Festival Sesc Melhores Filmes.

Em 2003, Rubem Paiva escreveu o roteiro do filme O homem do ano, baseado no romance O matador, de Patrícia Melo. Vários contos e romances de Rubem Fonseca também foram adaptados para o cinema na década de 2000: Bufo & Spallanzani, O cobrador – longa do mexicano Paul Leduc –, além de O caso Morel.

 

Televisão

As obras de Rubem Paiva também fizeram sucesso na TV, como a minissérie Agosto, exibida em 1993 pela Globo e inspirada no romance homônimo, publicado três anos antes, que misturava ficção e realidade para recriar o ambiente que culminou no suicídio de Getúlio Vargas. O seriado contou com grande elenco, a exemplo de Letícia Sabatella, José Wilker, Paulo Gracindo e muitos outros nomes de peso.

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Marcos Palmeira no papel do detetive Mandrake, em série da HBO. Divulgação

Em 2005, os romances e A grande arte e Mandrake: a Bíblia e a bengala ainda se transformaram em uma única série televisiva estrelada por Marcos Palmeira, que interpretou o papel do advogado e detetive Mandrake, um mulherengo hedonista que protagoniza os dois romances acima citados. O seriado, produzido pela HBO, teve duas (a segunda em 2007) e foi indicado ao Internacional Emmy Awards, a principal premiação da TV mundial. Com o sucesso, foi vendido para exibição em outros países.

O último crédito de Rubem Fonseca na produção audiovisual foi na novela da Globo, Tempo de Amar, transmitida entre 2017 e 2018. Ele assinava o argumento, escrito em parceria com a filha Bia Corrêa do Lago, inspirado na história real de sua avó, que saiu sozinha de Portugal para encontrar seu grande amor, que tinha vindo para o Brasil e, depois de um tempo, parou de se corresponder com ela. Esse seu último trabalho não deixa de ser surpreendente, já que sua obra é marcada pela literatura policial, noir e brutalista.

 
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