Já se tornou clichê a ideia de que o planeta Terra deveria se chamar planeta Água. Afinal de contas, três quartos da superfície terrestre são ocupados por água. Mas a suposta abundância oculta uma armadilha: recursos hídricos são finitos. Cientistas e pesquisadores calculam que entre 0,7% e 2% de todo esse volume seja de água doce – disponível para uso na agricultura, na indústria, no setor de serviços e para consumo humano.
Além da tradicional visão de a água desempenhar o papel de fonte da vida, outra característica ganha cada dia mais importância: a de elemento gerador de riqueza. Nenhuma atividade econômica se desenvolve sem a presença de água. Com isso, ela vem deixando de ser encarada como recurso natural e passando à condição de mercadoria. A disponibilidade ou escassez de recursos hídricos atualmente guarda relação direta com o lucro, a atração de investimentos, a produtividade. A água tem preço definido de acordo com as regras da lei da oferta e da procura – seu valor é maior onde as reservas são menores.
A transformação dos recursos hídricos em mercadoria coloca o mundo diante de uma ameaça. Nações ricas consomem volumes imensos de água, muito acima da média de países pobres. Europa, Estados Unidos e Canadá enfrentam o risco de esgotamento de seus mananciais nos próximos anos. Com isso, torna-se necessário buscar novas áreas de exploração. O acordo da Alca, por exemplo, coloca o acesso às reservas de água doce como questão de comércio internacional. Neste caso, a "mercadoria" ganha mais importância do que o direito básico da população de acesso universal a um recurso indispensável à sobrevivência.
O novo conceito de água coloca em campos opostos o "mercado" e os movimentos contra a globalização. ONGs de todo o mundo alertam para a exploração irracional dos mananciais e advertem governos sobre os riscos de esgotamento dos recursos hídricos nos próximos anos. Pesquisadores destacam que o consumo de água doce dobrou nos últimos 50 anos em razão do aumento da população mundial e do crescimento da agricultura irrigada. A ONU prevê que, em 2025, a escassez de água afetará 5 bilhões de pessoas em áreas urbanas. Isso significa que, se for mantida a concepção de mercadoria, seu preço vai disparar e poucos terão condições de arcar com os custos.
Os movimentos sociais defendem políticas de uso racional das reservas, o empenho de governos no sentido de garantir o abasteciento para consumo humano e o investimento em iniciativas de reaproveitamento da água já utilizada. Cientistas e analistas internacionais lembram que o esgotamento dos recursos hídricos pode afetar a estabilidade econômica e política do planeta nas próximas duas décadas. Sugerem que tenha início imediato uma "corrida contra o tempo" a fim de equalizar consumo e disponibilidade. Alguns deles já trabalham, inclusive, com a possibilidade de guerras pelo controle de grandes mananciais de água doce.