Em janeiro, Derrick Coleman, surdo desde os 3 anos de idade, jogou a final da Liga Nacional de Futebol Americano (NFL) e se consagrou campeão, defendendo o Seattle Seahawks. Para ele se tornar jogador profissional foi preciso muita persistência e luta, pois a impossibilidade de se comunicar oralmente fazia com que a maior parte das pessoas duvidasse de sua capacidade de jogar no mesmo nível dos atletas de alto rendimento.
A barreira da língua é, efetivamente, o grande muro que se põe entre o surdo e sua inclusão na vida social e profissional do “mundo dos ouvintes”. E essa não é uma questão tão simples de se resolver quanto a de aprender um idioma diferente. Aqueles que nunca ouviram são pessoas 100% visuais e sua relação entre linguagem e pensamento se estrutura sob um ponto de vista distinto daquele que aprendeu a língua a partir dos sons dos fonemas.
Quem ouve, quando alfabetizado, aprende a representar os fonemas – que formam as palavras e que foram “naturalmente” aprendidos com a família – em sua forma escrita. Mas, para os que nasceram surdos, esses fonemas que compõem a estrutura da língua simplesmente não existem. Como, então, ensiná-los a ler e a escrever? Ou melhor, como as crianças surdas estruturam o pensamento, se elas não têm acesso à sua língua “natural” – ou patrimonial da comunidade surda –, a língua de sinais?
A pedagogia inclusiva contemporânea está cada vez mais convencida de que a língua “natural” dos surdos é a de sinais: no caso do Brasil, a Libras. Ela é que melhor fornece os instrumentos necessários para que pessoas com deficiência auditiva e pessoas surdas desenvolvam seu pensamento e seu entendimento sobre o mundo. Por isso, é tão importante que o diagnóstico de surdez seja conhecido o quanto antes.
Comunidade bilíngue nas escolas
“Quando as crianças surdas chegam a alguma creche do município, aprendem a se comunicar em Libras muito rápido com o instrutor; na mesma velocidade que qualquer criança brasileira aprende a falar português”, explicou Cristiane Taveira, do Laboratório de Libras do Instituto Municipal Helena Antipoff (IHA), órgão da Secretaria Municipal de Educação (SME) responsável pelas diretrizes da Educação Especial. Ainda segundo Cristiane, quanto mais pessoas da convivência do surdo dominarem a linguagem de sinais, melhor será o desenvolvimento comunicativo e intelectual dele.
Em função dessa especificidade linguística, o município do Rio vem tentando implantar o projeto Escolas-Piloto de Educação Bilíngue (Português – Libras), a fim de constituir uma comunidade que amplie o círculo de convivência dos surdos, facilitando seu crescimento intelectual e a comunicação entre surdos e entre surdos e ouvintes. Atualmente, 21 escolas estão integradas ao projeto e outras estão sendo habilitadas. Nelas, são oferecidas aulas de Libras aos pais, alunos, professores, funcionários e comunidade; os murais e os comunicados também são feitos nas duas línguas. A Sala de Recursos de cada uma dessas escolas possui um instrutor surdo adulto, que atua como modelo linguístico para alunos e não alunos daquela comunidade onde a unidade escolar se localiza.
O objetivo é reunir o maior número possível de surdos nesses locais para que a comunidade linguística deles tenha condições de se fortalecer e melhor se desenvolver. Afinal, ter a Libras como língua patrimonial traz aspectos que não significam apenas ter um outro modo de comunicação, mas, também, uma outra forma de sentir, de perceber e de ser. Contudo, os pais das crianças surdas não são obrigados a matricular seus filhos nessas escolas-piloto. A SME garante um instrutor bilíngue nas Salas de Recursos, além de intérpretes de Libras na escola municipal que venham a frequentar.
Diversidade e Teste da Orelhinha
Os especialistas costumam dizer que há vários tipos de surdez. O atleta Derrick Coleman, por exemplo, desenvolveu a habilidade da leitura labial. Ter nascido surdo ou ter perdido a audição após ter aprendido a língua de seu país faz alguma diferença, mas não se configura como impedimento para a aprendizagem.
Normalmente, quando os pais descobrem tardiamente a surdez de seus filhos, a criança pode contabilizar alguns prejuízos no seu desenvolvimento emocional, pelo tempo perdido com uma comunicação inadequada. Por isso, é imprescindível que o recém-nascido faça o Teste da Orelhinha (Triagem Auditiva Neonatal) logo na primeira semana de vida. O exame é indolor e consiste na colocação de um fone na orelha do bebê, que emite sons de fraca intensidade e capta seu retorno, registrando o resultado em um computador. Também é fundamental que a criança esteja em contato com outros surdos o mais cedo possível, pois, deste modo, um cenário de sociabilidade e de aprendizagem se descortinará para ela.