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A vida é agora
30 Novembro 2015 | Por Sandra Machado
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prephome“O mundo está numa correria, ele está perto do fim.” A frase, que aparece no livro Mundo em Descontrole, do sociólogo britânico Anthony Giddens, foi retirada de um sermão proferido na cidade de York no ano de 1014 – mil anos atrás, portanto. Mas bem que poderia ter sido dita por qualquer um de nós nesta mesma semana. Ana Maria Zenicola, pedagoga, psicopedagoga e membro efetivo da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPP), além de conselheira regional da entidade, lança mão dessa passagem literária para abrir uma conversa sobre a melhor maneira de preparar os filhos para a vida. No fundo, no fundo, o que ela quer dizer é bem mais simples: nossa espécie passa por crises cíclicas e sempre encontra uma maneira de evitar o desastre total. O que não deixa de ser uma perspectiva alvissareira.

Em entrevista ao Portal MultiRio, a coautora do livro Psicopedagogia – Saberes, Olhares, Fazeres (escrito com Laura Monte Serrat Barbosa e Simone Carlberg) faz um balanço do panorama atual e deixa no ar a impressão de que não há motivo para tanta apreensão.

Portal MultiRio – É possível preparar crianças e jovens para a vida ou isso é mais um desejo?

Ana Maria Zenicola – Eu diria que é mais um desejo. Porque parece que vamos fazer um homem do futuro, quando deveríamos estar mais preocupados em preparar para o aqui e agora. Quando a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim, a tecnologia e a ciência ganharam espaço, numa tentativa de que a razão pudesse assumir o controle e impedir que um conflito daquela dimensão acontecesse novamente. A educação acadêmica também passou a buscar atender esse encaminhamento, e o humanismo, que prevalecia até então, foi deixado de lado. Ao longo desse processo, dominamos o conhecimento, mas passamos a ter uma relação menor com o outro.

PM – Antigamente, toda família tinha que ter pelo menos um padre e um médico. Por quê?

AMZ – E também militares e advogados. Eram os chamados “doutores”, das conhecidas “profissões ornamentais”, que elevavam o status social da família. Naquela época, existia a necessidade de oferecer aos filhos uma educação para toda a vida, porque ninguém mudava de profissão. À medida que o saber científico ganhou força, o status migrou para as profissões tecnológicas. Como bem afirma Vygotsky, o sujeito é um elemento historicamente inserido.

PM – Que peso tem a personalidade de cada um, em contraponto à influência do meio, quando se fala de preparar para a vida?

zenicolaAMZ – Se fosse possível estimar numericamente, eu diria que 30% do que somos tem origem genética, orgânica, e que 70% chegam de fora, pela vivência pessoal, pela educação recebida de pais e professores, para formar esse sujeito psíquico e emocional. Graças à plasticidade cerebral (a capacidade de o órgão formatar novas trilhas de sinapses), traços de hereditariedade que determinam inclinações são passíveis de sofrer alterações genéticas. De uma forma geral, o ambiente em que vivemos está estressante porque crianças e adultos têm agendas lotadas demais. Por isso, creio que o mais importante seja a gente se perguntar o que fazer para a vida dar certo no agora.

PM – Qual o motivo de tanto estresse?

AMZ – A ansiedade é a marca psíquica do momento e gera angústia, que causa desatenção e atropelo. Toda a sociedade está inserida nessa síndrome. Como antídoto, podemos tentar melhorar o meio, assumindo uma postura mais autocentrada, mas, por enquanto, o que domina ainda é o mercado. Com a globalização, intensificada pelas novas tecnologias, se popularizou um desejo exacerbado pelos bens de consumo. Para obtê-los, é preciso ganhar mais, trabalhando o dia inteiro, e, nessa corrida, também abrir mão do ser. Isso levou a mulher a sair do lar – o que foi positivo –, mas ela acumulou uma dupla, uma tripla jornada – o que é negativo. Hoje, existe uma ausência parental na família. Mas tenho esperança de que as novas gerações venham com uma visão diferente.

PM – É bom para a criança receber pequenos encargos, como manter o quarto arrumado?

AMZ – Estruturar rotinas é altamente positivo. A tarefa faz a criança sair do prazer e viver a frustração, o que também prepara para a vida adulta. Há duas qualidades fundamentais nesse processo: flexibilidade e autonomia. A autonomia é fundamental nos dias de hoje, tanto intelectual quanto emocionalmente falando. Se dentro da família o adulto é capaz de negociar qualquer imprevisto com os filhos, sem cobrança, está dando um ótimo exemplo. Quem tem autoestima baixa é que não aceita o erro – nem o seu, nem o dos outros. Pessoas inseguras são autoritárias e, infelizmente, as crianças estão bastante expostas a isso.

PM – E quanto ao uso do computador?

AMZ – O computador deixa apenas uma determinada área cerebral robusta, enquanto outras arrefecem, como as da reflexão e das funções executivas de associação. Existem crianças inteligentíssimas, mas, sob outros aspectos, claramente regredidas. Diante de uma proposta que não dominam, elas optam por fugir.

PM – Que contribuição pode dar a escola neste contexto?

livrozAMZ – Os alunos lidam com um volume de conteúdos que massacra, e penso que a função da escola não é só preparar para os grandes exames, e sim despertar a curiosidade, a capacidade de pensar, de antever, de fazer trocas e de tirar conclusões. Com o recuo da religião e a fragmentação da família nuclear, apenas a escola permaneceu como instituição de referência. Então, cabe a ela discutir sobre os valores com a comunidade. Um sistema educacional que privilegie a interseção da aplicação prática com os conteúdos curriculares está no caminho certo. É preciso mudar o currículo escolar para que a criança tenha interesse. No entanto, vemos que, com o uso dos computadores, está mudando o suporte, mas a abordagem continua a mesma.

PM – Que avaliação se pode fazer dos pais de hoje em dia?

AMZ – Ter um filho é sempre a busca por suprir uma falta, mas ela não acaba nunca. Mesmo famílias constituídas não ficam plenas. Essa carência eterna leva os adultos a desejarem um filho perfeito. Por outro lado, você não prepara para o futuro se delegar para a criança o seu lugar, deixando, por exemplo, que só ela determine o que afeta toda a família, como a escolha de um restaurante para o almoço de domingo. Autonomia é sinônimo de ser, decidir, pensar, criar, entender, dialogar, mas o conceito é frequentemente confundido com independência ou liberdade total.

PM – Como se constitui o sujeito social?

AMZ – Ser sujeito é se sujeitar, como a palavra já diz. Não é ser submisso, mas capaz de se curvar e ter flexibilidade, de acordo com a situação que se apresenta. O mundo precisa de um sujeito social decente e respeitoso. Disputa de poder sempre vai existir, mas quando se tem uma formação ética, a vida fica mais fácil. A base do sujeito é o núcleo familiar. Ajuda muito quando a escola discute os papéis do homem e da mulher no exercício da função de pai e mãe. Mas isso tudo são providências recomendadas para já. A aposta tem que ser feita no presente, não no passado e nem no futuro.

 
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