Gerações se sucedem, tecnologias mudam e o sonho de se tornar escritor permanece mais forte do que nunca na virada do milênio. Nem mesmo uma pesquisa recente sobre a retração do mercado editorial brasileiro parece desestimular os aspirantes à carreira literária. Segundo o levantamento realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo junto a 733 editoras, por encomenda do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e da Câmara Brasileira do Livro (CBL), em 2014 esse setor cresceu menos de 1% (0,92%) e teve queda de faturamento de 5,16% – a maior em dez anos. O aumento da tiragem média de livros (9,3%) indica que as editoras estão arriscando o mínimo possível com novos títulos. A boa notícia é a alta dos livros digitais, cujo faturamento passou de R$ 13 milhões em 2013 para R$ 17 milhões em 2014. E, de uma forma geral, também tem sido melhor a aceitação de obras de autores nacionais.
Embora publicado em 2012, outro importante estudo do Instituto Pró-Livro (com o apoio do SNEL, da CBL e da Associação Brasileira dos Editores de Livros Escolares) continua como o mais representativo do setor. Para a terceira edição de Retratos da Leitura no Brasil, o Ibope ouviu cerca de 5 mil pessoas em 315 municípios. Era igual, com 50% para cada, a proporção entre leitores e não leitores no país – uma visível melhora, já que, na edição anterior, em 2007, os não leitores correspondiam a 55%. Em números absolutos, na primeira década dos anos 2000, o Brasil saltou de 26 milhões para 66,5 milhões de leitores de livros impressos, o que desmistifica a ideia de que a internet concorre com a leitura tradicional. Chama a atenção o abandono do hábito da leitura à medida que avança a média de idade dos leitores: na faixa até 24 anos, 49% dos entrevistados disseram ser leitores, mas entre 25 e 70 anos, a taxa cai para apenas 25%.
Livro como produto midiático
Espaços segmentados na web têm oxigenado a vida cultural moderna: são blogs literários, revistas especializadas e também os canais dos booktubers – jovens que postam vídeos com indicações de leituras. Portais de livros digitalizados para download aumentam a oferta de materiais sem sair da rede. Hoje, a circulação de obras em sua forma impressa é apenas uma parte da presença da literatura na vida das pessoas. Eventos como festas, feiras e bienais estimulam a importância do hábito de ler e promovem a proximidade entre os autores e o público.
Vários escritores com um pouco mais de estrada publicam guias em suas páginas na internet. Como Cristina Lasaitis e seu Guia de Primeiros Socorros para o Escritor Iniciante, ou Rodrigo Lourenço, que também disponibiliza o Manual do Escritor Iniciante. Outra fonte de informação podem ser os sites dos agentes literários – há várias agências que oferecem serviços para quem está começando, como a avaliação ou a preparação de originais. Quando se sentir pronto, o candidato pode se aventurar, consultando páginas que veiculam informações sobre concursos literários. Eles são uma porta de entrada que funciona muito bem ainda hoje.
Possibilidades infinitas
Lançado em 2006 por uma portaria conjunta dos ministérios da Educação e da Cultura, o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) propõe projetos de estímulo ao setor. Mas, assim como acontece em outros campos da economia criativa, o que tem funcionado melhor são mesmo as iniciativas isoladas, agora com a facilidade das plataformas digitais. Com o apoio do Instituto Peabirus, há um ano o projeto Antessala das Letras foca em estreantes, como explica o coordenador literário Felipe Munhoz.
“Convido um autor consagrado a recomendar um escritor em começo de carreira. Autores estabelecidos costumam receber material de novatos, ministram oficinas ou acompanham a produção que vai aparecendo no Brasil. Recebo um texto da pessoa indicada e encaminho para Lídia Ganhito, curadora de ilustrações, que, a partir da leitura, procura um artista que possa combinar com o trabalho. Este convidado lê o texto e nos envia, então, uma ilustração.” Já existem, inclusive, planos para a publicação de uma coletânea no formato livro, como reflexo da produção contemporânea de várias regiões do país, e de uma exposição em 2016.
Rafael Sperling foi indicado por Michel Laub, que conheceu por meio de amigos escritores em comum. “Enviei meu livro mais recente. Como ele parece ter gostado, me indicou. Tenho dois livros publicados: Festa na Usina Nuclear e Um Homem Burro Morreu, do qual foram extraídos os dois textos do Antessala das Letras. ”, conta. Embora reconheça que publicar on-line se tornou comum e alcance um público maior, Rafael gosta da ideia de ver seus textos no papel. “Talvez o impresso ainda seja visto um pouco como um objetivo, por muitos espaços de renome ainda serem impressos. Assim como o livro, que acaba sendo uma espécie de concretização do trabalho escrito”. Aos 30 anos de idade, ele não tinha planos específicos para a literatura. “Comecei a escrever como uma forma de me distrair da música, que é com o que trabalho. Queria uma atividade criativa que não fosse musical. Então, criei um blog em 2009 e, a partir daí, meus primeiros textos. Acho que, hoje em dia, ainda escrevo com esse intuito. Mas é algo que encaro com uma seriedade maior, não apenas como uma brincadeira.”
Dizer por diferentes canais
Helena Obersteiner já ilustrou dois textos do Antessala das Letras, e comemora antecipadamente a perspectiva do material impresso. “Não tenho nada publicado em livros ainda, apenas em revistas independentes, como a Vaidapé ou a Cisma. Acredito que ter o trabalho impresso sempre traz um gosto especial, tudo parece menos efêmero. Acho também que pode atingir um público diferente.” Recomendada por Lídia, que conhecia da Oficina Colaborativa de Modelo Vivo, aos 22 anos Helena tem clareza sobre o poder benéfico das “ilustras”, como chama, sobre si mesma.
“Desde pequena fui muito dispersa, minha cabeça sempre funcionou a mil e, por isso, vivi muito dentro dela. Desenhar trabalha toda essa informação, faz olhar com atenção ao meu redor, parar de correr, me concentrar e conectar minha mão, mente e olhos. Essa prática faz com que eu desacelere, conseguindo entender melhor os volumes, as texturas, as formas. Também existe o fato de, a partir desse exercício, expressar e dividir com os outros a minha sensibilidade e intuição.”
Perseverança recompensada
Laísa Couto é mais uma jovem com uma forte motivação interior para produzir arte. “Posso escrever por impulso, para tentar me libertar de uma jaula invisível que me cerca. Escrevo para lembrar e esquecer. Escrevo para atenuar a intensidade do mundo. Escrevo para fugir, para morrer, para ressurgir.” Ela é um dos mais bem-sucedidos casos de autores que se lançam via tela do computador. Aos 28 anos, é formada em Design de Moda, especialista em Artes Visuais e estudante de Arquitetura e Urbanismo.
“Comecei a escrever meu primeiro livro aos 18 anos e terminei aos 23. Durante um ano, estudei a ideia de publicá-lo na internet, para ver se a história funcionava. Descobri o site Book Série através de outro, que dá dica para autores, o Escreva Seu Livro. Achei interessante o formato de publicar um capítulo por semana. Os internautas foram leitores críticos, e considerei vários pontos dos comentários que deixaram nas edições finais.”
Representante da chamada literatura especulativa – que reúne os gêneros nos quais os mundos não espelham o real, como a ficção científica, o terror e a realidade fantástica –, Lagoena, o Portal dos Desejos acabou sendo publicado pela editora Draco. “Durante o período de publicação on-line, entre outubro de 2011 e maio de 2013, fiz o que todo autor faz quando tem um livro pronto: mandei originais para as editoras. Para o autor nacional que está começando, as coisas costumam ser bastante lentas. Ele precisa enfrentar uma série de dificuldades nas áreas de publicidade, marketing e distribuição para, um dia, ser reconhecido e lido.”
Em seguida ao romance, Laísa publicou mais dois trabalhos. “O Inverno das Rosas saiu em formato de e-book solo. É uma releitura sombria do conto A Bela Adormecida, dos irmãos Grimm. O segundo foi Clair de Lune, uma história de amor quase impossível entre um fauno e uma mortal. O conto tem um pouco de poesia e mitologia grega e foi publicado na antologia Imaginários 6. Estou participando de outra coletânea, que visa ajudar os moradores atingidos pelo rompimento das barragens em Mariana, Minas Gerais. A venda do e-book começou no dia 1o de dezembro a vai até dia 24. Contamos com o apoio dos leitores para bater a meta de 1.500 reais até lá. O projeto Escrita Solidária foi idealizado pelo autor e blogueiro Hugo Sales e tem nomes conhecidos da literatura especulativa, como Fábio M. Barreto e R.F. Lucchetti.”