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Jongo, expressão da cultura afro-brasileira
27 Janeiro 2016 | Por Larissa Altoé
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Jongo, de Augustus Earle, 1822

Considerado, desde 2005, patrimônio cultural do Brasil pelo Iphan, o jongo conta agora com um centro cultural de 2 mil metros quadrados aos pés do Morro da Serrinha, em Madureira, zona norte do Rio.

A prefeitura reformou um galpão abandonado, na Rua Silas de Oliveira, número 101, e o transformou na Casa do Jongo: há salão para dança, auditório, estúdios, salas para cursos profissionalizantes, espaço para exposições permanentes, cineclube, horta comunitária, local para orações, terreiro para jongo e capoeira, além de lojas e refeitório. As escolas e as creches municipais próximas têm acesso a essa infraestrutura, que funciona das 10h às 18h.

O local é coordenado pela ONG Grupo Cultural Jongo da Serrinha, cujo principal projeto oferece oficinas gratuitas, para cerca de 80 crianças e jovens da comunidade local, de canto, instrumento de cordas, cultura popular, jongo, percussão, memória e artes, no contraturno do horário escolar.

Origens

O jongo chegou ao Brasil com os escravos africanos de origem bantu, vindos do Congo e de Angola, permanecendo presente entre aqueles que trabalhavam nas lavouras de café e cana-de-açúcar no vale do Rio Paraíba, entre São Paulo e Minas Gerais. Os proprietários das fazendas permitiam que seus escravos dançassem jongo nos dias dos santos católicos – um pouco de diversão para os cativos e também para eles próprios e agregados que viviam quase que isolados em suas propriedades.

No terreiro de terra batida, a fogueira era acesa e formava-se a roda. A negra mais idosa se benzia nos tambores sagrados, pedindo licença aos pretos-velhos para iniciar o jongo. Improvisava um verso, cantando o ponto de abertura. Os outros escravos presentes respondiam, cantando alto e batendo palmas. Um casal ia para o centro da roda e começava a dançar.

Os jongueiros trocavam o sentido das palavras, criando um novo vocabulário e passando a conversar entre si por meio dos pontos de jongo, em uma linguagem cifrada. Desta maneira, os escravos se comunicavam com mensagens secretas, em que protestavam contra a escravidão, zombavam dos patrões, publicamente, combinavam festas de tambor e fugas.

Com o poder das palavras, os jongueiros buscavam encantar o outro pela poesia, no ritmo dos tambores. Quem recebia um ponto enigmático, tinha que decifrá-lo na hora e responder – desatar o ponto. Caso contrário, ficava “enfeitiçado” ou “amarrado”. Os tambores eram sagrados, pois, como acreditavam, tinham o poder de fazer a comunicação com o outro mundo, com os antepassados, indo “buscar quem mora longe”. No início da festa, os jongueiros se benziam, tocando levemente no couro do tambor em sinal de respeito. O jongo é uma dança dos ancestrais, dos pretos-velhos escravos, que remete ao povo do cativeiro.

casa do jongoCasa do Jongo, em Madureira (Foto: Alcinoo Giandinoto)

 

Jongo da Serrinha, em Madureira

A abolição da escravidão, em 1888, libertou os negros, mas não lhes forneceu meios para ganhar o próprio sustento. Muitos dos que trabalhavam nas fazendas do Vale do Paraíba migraram para o Rio de Janeiro, capital do Brasil na época, em busca de oportunidades e se estabeleceram no subúrbio ou nas favelas mais próximas do centro da cidade. Essas famílias continuaram a dançar o jongo em seus novos redutos – o morro de São Carlos, Salgueiro, Mangueira e Serrinha.

Nos anos 1930, o contato com a vida urbana e a morte dos antigos jongueiros provocaram o quase desaparecimento da dança nos morros cariocas. O morro da Serrinha, talvez por ficar distante da região central da cidade, conseguiu preservar a tradição, abrindo sua prática para as gerações mais jovens. Antes disso, só os mais velhos podiam entrar na roda.

Ainda hoje, os jongueiros costumam dançar descalços, vestindo roupas do dia a dia. O jongo é uma dança de roda e de umbigada. Um casal por vez vai para o centro da roda girando em sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. De vez em quando, um casal se aproxima um do outro, como se fossem dar uma umbigada, mas não chegando a se tocar. Na língua quimbundo – dialeto africano de origem bantu – semba significa umbigada e deu origem à palavra samba. Depois que o primeiro casal já evoluiu, uma pessoa de fora entra na roda, pedindo licença: “Dá uma beirada cumpadre!” ou “Bota fora ioiô!” e, assim, os casais vão se revezando até de manhã.

O canto do jongo é responsorial. Quem canta primeiro é o solista, com versos livres, improvisados. Todos os demais respondem o refrão. As frases são curtas e falam do contato com a natureza, do cotidiano, do trabalho braçal nas fazendas e a revolta com a opressão sofrida. São cantadas no linguajar do homem rural, com sotaque de preto-velho, e gungunados – uma espécie de som gutural, resmungado, vindo do peito. Os pontos misturam o português com palavras herdadas do quimbundo.

Atualmente, o jongo cria oportunidades e geração de renda para a comunidade: produção cultural, turismo e economia solidária, entre outros. Costuma-se dançá-lo no 13 de maio da abolição da escravatura, nos dias de santos católicos de devoção da comunidade, nas festas juninas, nos casamentos e, mais recentemente, em apresentações públicas.

 
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