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O longo caminho da escolarização no Rio de Janeiro
14 Março 2016 | Por Sandra Machado
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home escolCom a implantação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961, uma mesma referência define os parâmetros para a estruturação do ensino em todo o país. O modo como a transmissão do conhecimento vem se organizando, ao longo do tempo, depende de fatores ligados à política, à economia e à crônica de costumes, exercendo uma enorme influência sobre aquilo que chamamos de cultura nacional.

O método educacional jesuítico

No projeto de colonização das terras brasileiras, Dom João III decidiu encarregar os jesuítas de promover a catequese e ensinar a língua portuguesa aos povos indígenas. Pouco a pouco, a educação dos grupos sociais menos favorecidos acabou se tornando o cerne das atividades da Companhia de Jesus. O padre Manuel da Nóbrega e seus companheiros fundaram na Bahia, em agosto de 1549, a primeira “escola de ler e escrever” brasileira, replicando a criação de instituições em mais oito localidades, inclusive o Colégio do Rio de Janeiro. Naquela época, nem mesmo na Europa existia, ainda, o ideal democrático de uma rede escolar para toda a população.

O Ratio Studiorum, escrito por Inácio de Loyola, fundador da ordem jesuíta, era um manual prático que estabelecia minuciosamente o currículo, a orientação e a administração do sistema a ser seguido. A estrutura se dividia em duas partes: os estudos inferiores, ou ensino secundário, e os estudos superiores. Os cursos secundários tinham duração de cinco ou seis anos e se destinavam à formação literária e humanista. Já os superiores, direcionados para a formação dos filósofos, tinham duração de três anos e incluíam disciplinas como Lógica, Metafísica, Matemática, Ética e Ciências Físicas e Naturais. Embora, de início, os jesuítas tivessem o objetivo de converter os gentios à fé católica, com o passar do tempo começaram a se dedicar, também, ao ensino dos filhos dos colonos e até dos herdeiros dos donos de engenho.

Retrato do Marquês de Pombal, por Louis-Michel van Loo e Claude Joseph Vernet (Foto: Arquivo Municipal de Lisboa)

A influência da maneira de pensar dos padres sobre essa elite que, invariavelmente, seguia para os estudos na Universidade de Coimbra, imbuída de um espírito nacionalista, chamou a atenção do Marquês de Pombal, ávido por fazer de Portugal um Estado Moderno. O político – ora designado como ministro de Estado, ora como primeiro-ministro ou como ministro da Fazenda pelos historiadores – alegava que a Companhia de Jesus não preparava bem os filhos da burguesia urbana, quer na metrópole, quer na colônia. Ele se referia à exclusão do ensino das línguas modernas, como o francês e o inglês, e à não consideração das referências dos enciclopedistas como inspiração para um novo conceito de cidadania. Além do mais, os jesuítas eram detentores de uma vasta extensão de bens e propriedades muito cobiçada pela Coroa. Não por acaso o antijesuitismo se disseminava entre vários países da Europa Ocidental.

Passados 210 anos de atividades na colônia brasileira, em 1759 os membros da Companhia de Jesus foram expulsos, por meio de uma lei, tanto de Portugal quanto da América portuguesa, e tiveram toda sua riqueza confiscada em benefício de Dom José I. Demais ordens religiosas aqui instaladas desde a década de 1580, como a dos franciscanos, dos carmelitas e dos beneditinos, não foram afetadas, provavelmente porque não priorizavam, como os jesuítas, o trabalho em educação. Começava, ali, um lento movimento pedagógico em favor de uma escola pública e laica para toda a sociedade brasileira.

Currículo como construção social e histórica

De acordo com os ideais iluministas, uma sociedade mais justa só poderia se constituir por intermédio da educação. Muito embora o Marquês de Pombal tenha assumido o ensino como responsabilidade do governo português, nem na metrópole nem na colônia havia número suficiente de professores capacitados. Além disso, apenas em 1772 um alvará viria a instituir o ensino popular nas escolas públicas a serem ainda construídas.

Quanto ao conteúdo curricular, existiam as seguintes matérias: Ortografia, Gramática, Aritmética, Doutrina Cristã e Civilidade (Educação Social e Cívica). O ensino secundário teria ênfase no estudo do Latim, do Grego e do Francês. De forma geral, a nova metodologia provocou uma maior adoção de livros, o que contribuiu para sua difusão como agente de cultura. Ainda assim, até a vinda da família real para o Brasil, prevaleceu a desorganização do sistema educacional.

Falta de estudo e de qualificação

No século XIX, a necessidade de educar as crianças por meio de sistemas constituídos se tornou um direito garantido pela quase totalidade das constituições do Ocidente. No caso do Rio de Janeiro, especificamente, o período foi marcado por um acentuado crescimento demográfico, devido à entrada regular de imigrantes e de escravos africanos, o que representou um fator crucial na transformação da cidade na principal metrópole nacional.

Grupo de meninos recolhido pela polícia nas ruas da cidade e entregue à Escola Quinze de Novembro, em 1913 (Foto: Garcia)

Garantida pela Constituição de 1824, a difusão do ensino primário trouxe, a reboque, a criação de casas de educandos artífices, asilos e escolas normais para a formação de professores. Dez anos mais tarde, um ato adicional delegou às províncias – e, portanto, às autoridades locais – o gerenciamento da educação pública, que em geral seguia o modelo implantado na corte imperial, ou seja, o Rio de Janeiro. Com o passar dos anos, o acesso gratuito às escolas públicas, criadas pelo Ministério do Império, ou às particulares, subvencionadas pelo Estado, era garantido a todas as pessoas livres, vacinadas e não portadoras de doenças contagiosas – sendo, portanto, excluídos os escravos.

Documentos relativos ao Censo de 1870/72 revelam dados bastante interessantes. A população estimada para o país era em torno de 10,1 milhões de pessoas, sendo alfabetizados 19,8% dos homens e apenas 11,5% das mulheres. No Rio de Janeiro, essa taxa melhorava um pouco: a população da cidade chegava a 274.972 habitantes, sendo que 41,2% dos homens e 29,3% das mulheres sabiam ler e escrever. O número de escravos – 48.939 – representava apenas 20,56% do total de trabalhadores urbanos. Nessa força de trabalho, 92.106, ou 38,61% do total, eram classificados como sem profissão definida, porque alternavam seus ganhos nas funções de carregadores, ambulantes, artesãos autônomos e até na mendicância.

Embora o censo indicasse um contingente de aproximadamente 50 mil crianças na cidade, apenas cerca de 10 mil possuía matrícula na escola. Alunos que estudavam em sua própria casa, com o suporte de mestres-escolas ou de preceptores, não apareciam nas estatísticas oficiais. Os meninos mais pobres recebiam vestuário e material escolar do governo. Na escola primária, eram admitidos alunos dos 5 aos 14 anos. Em caso de não comparecimento da criança, os pais ou responsáveis seriam multados. Já na escola secundária, da faixa entre 14 e 21 anos, o ensino não era considerado obrigatório e, por isso mesmo, alcançava apenas uma ínfima parcela da população.

A maioria dos alunos de escolas públicas ou particulares primárias não participava dos exames finais de conclusão de curso, realizados pelas mesas examinadoras nomeadas pelo Ministério do Império no fim do ano. Aqueles que terminavam o ciclo eram, depois, encaminhados para o ensino de ofícios, tornando-se sapateiros, serralheiros, ferreiros e marceneiros, entre outras profissões, quando não engajados à força nos Arsenais de Marinha e de Guerra. Em outras palavras, a Instrução Pública Imperial produzia uma separação entre quem poderia aspirar a uma ocupação intelectual e a grande maioria, condenada às atividades manuais.

Ensino politicamente incorreto

Além disso, as escolas de meninos, em maior número, e as de meninas funcionavam em casas separadas e tinham grade curricular diferente: eles estudavam Álgebra, Geometria, Gramática, História e Geografia pátrias; elas aprendiam Doutrina Cristã, Leitura, Escrita, Cálculo Elementar, Bordados e Costura. A instrução secundária das meninas só começou a tomar vulto quando a sociedade passou a ver, com bons olhos, a carreira feminina no magistério.

Após alguns anos de internato, os alunos contramestres auxiliavam os professores nas oficinas e na formação profissional dos novatos (Foto: Garcia)

Por essa época, associações e sociedades leigas e religiosas auxiliavam o governo na construção dos primeiros prédios escolares de grandes dimensões arquitetônicas – os chamados “palácios escolares”, projetados para atender entre 500 e 600 crianças. Mas entre os anos de 1870 e de 1880 ficaram prontos apenas sete prédios, localizados nas freguesias centrais e mais populosas, como Glória e São Cristóvão. Era flagrante o contraste desses estabelecimentos com as escolas domésticas, consideradas símbolos do “atraso colonial”. Paralelamente, se articulavam as forças que culminariam com a mudança do regime monárquico para o republicano.

Entre 1872 e 1890, a população carioca praticamente dobrou, atingindo cerca de 522 mil habitantes. Medidas de saneamento e saúde, de incremento nos serviços e na economia reconfiguravam o cenário urbano, no sentido da modernização e da revisão dos costumes. O grande número de menores abandonados circulando pelas ruas, especialmente no Centro, no entanto, mobilizava a atenção das autoridades para a urgência da educação popular.

Professores engajados

Publicado na virada para o século XX, Conto de Escola é uma história bem curta, na qual Machado de Assis narra o enfado de um menino muito esperto diante das aulas na casa do professor. No longo período em que escasseavam as construções destinadas à educação, o modelo mais comum era enviar a turma de crianças diretamente a uma casa alugada pelo Estado, onde o mestre também morava com a família. Alguns pais, como o do personagem, tinham esperança de que, ao se sobressaírem da massa de analfabetos, seus filhos pudessem ter alguma chance de ascensão social, em meio às oportunidades de um Rio de Janeiro em franca expansão urbana e comercial. Quanto mais distantes do Centro ficavam as freguesias rurais – Santa Cruz, Guaratiba, Campo Grande, Jacarepaguá, Irajá, Inhaúma, Ilha do Governador, Ilha de Paquetá –, menor o número de casas usadas como escolas primárias.

Logo os professores manifestaram sua insatisfação quanto à política estabelecida, na busca por uma melhoria dos baixos salários e pela valorização do ensino público. Para eles, investir na educação da criança tinha consequência direta sobre a formação do espírito de nacionalidade. Dessa forma, elaboraram um relatório, entregue às autoridades imperiais em 1874, no qual buscavam abrir uma discussão sobre questões pedagógicas e, principalmente, sociais. Entre os problemas recorrentes, o documento apontava: infraestrutura material precária, ausência de um modelo de programa de ensino e a frequência irregular dos alunos, sendo o trabalho infantil a principal razão do absenteísmo dos mais pobres.

No fim dos anos 1880, as professoras passaram a ser maioria numérica na educação primária. Àquela época, havia na cidade 94 escolas públicas primárias em atividade: apenas 13 delas funcionavam nos sete palácios escolares, enquanto as demais continuavam nas residências alugadas e financiadas pelo erário.

Modelo contemporâneo

Com o advento da República, os estados brasileiros conquistaram autonomia constitucional para implementar suas próprias políticas de educação. Graças ao ideário positivista, o novo regime procurou incentivar a educação das mulheres, que já vinha crescendo desde a segunda metade do século XIX. Com o regime republicano, os grupos escolares viriam a surgir como uma nova modalidade de organização, especialmente na capital federal, que ainda era o Rio. Adotada em países da Europa e das Américas, a escola graduada foi considerada o modelo mais adequado para a universalização do ensino. O agrupamento dos alunos por classes em função do nível de conhecimento e da idade, a racionalização curricular e a divisão do trabalho em funções de direção, de docência e pedagógicas são alguns dos fatores que delinearam a estrutura vigente na atualidade.

A escola da Freguesia de Nossa Senhora da Glória, na antiga Praça Duque de Caixas, atual Largo do Machado, se chama hoje Colégio Estadual Amaro Cavalcanti. O prédio é um remanescente dos chamados palácios escolares (Foto: Secretaria Estadual de Educação)

A nova organização político-administrativa delegou à municipalidade a tarefa de se encarregar do ensino primário, que ficou organizado em escolas primárias do 1º grau, para crianças de 7 a 12 anos, e do 2º grau, para crianças dos 13 aos 15. Em cada circunscrição urbana, um ou mais grupos escolares deveriam ser construídos, de acordo com a densidade demográfica. Em 1897, o primeiro grupo escolar do Distrito Federal ocupou, no entanto, o antigo prédio da E.M. de São Sebastião, que, após reformas, passou a funcionar para meninas. Muito embora os grupos escolares tenham sido oficialmente excluídos da organização municipal por decreto em 1914, permaneceram em funcionamento até a década de 1970, quando nova lei extinguiu o modelo.

Em 1931, Anísio Teixeira assumiu a Diretoria de Instrução Pública do Distrito Federal, dando continuidade à reforma educacional iniciada por Carneiro Leão e Fernando de Azevedo. Uma nova política pedagógica, calcada no movimento da chamada Escola Nova, estava em curso. E foi justamente por meio do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que os signatários – entre os quais a professora e escritora Cecília Meireles – reivindicaram a universalização da escola pública, laica e gratuita. O educador Anísio Teixeira reformulou o sistema de ensino do jardim de infância à universidade, considerando a escola primária como um lugar estratégico para a educação integral, formadora da inteligência e do caráter, a partir de uma aprendizagem vinculada à experiência cotidiana. Coube a ele dar uma feição mais moderna ao ensino público e, principalmente, em consonância com a realidade das classes menos favorecidas.

Fontes:

CARVALHO, Alessandra Aparecida de. A constituição da educação básica no Brasil: os modos de conceber e praticar a cultura escolar no século XX. Cadernos de História da Educação, v. 11, n. 2, jul./dez. 2012.

Centro de Referência da Educação Pública da Cidade do Rio de Janeiro. Guia das Escolas Tombadas da Prefeitura. Rio de Janeiro: E/CREP, 2008, 2ª edição.

NETO, Alexandre Shigunov; MACIEL, Lizete Shizue Bomura. A educação brasileira no período pombalino: uma análise histórica das reformas pombalinas do ensino. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 32, n. 3, p. 465-476, set./dez. 2006.

______ O ensino jesuítico no período colonial brasileiro: algumas discussões. Educar, Curitiba, n. 31, p. 169-189. Editora UFPR.

SCHUELER, Alessandra Frota Martinez de. Crianças e escolas na passagem do Império para a República. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 19, n. 37, set. 1999.

______ Entre escolas domésticas e palácios: culturas escolares e processos de institucionalização da instrução primária na cidade do Rio de Janeiro (1870-1890). Revista Educação em Questão, v. 23, n. 9, p. 160-184, maio/ago. 2005.

______ “Escolas de verdade” para a República do Brazil: os grupos escolares na capital federal. XIII Encontro de História Anpuh-Rio.

 
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