Quem pensa que escolas localizadas em comunidades de risco são fadadas ao fracasso está totalmente equivocado. A E.M. Haydéa Vianna Fiuza de Castro (10ª CRE), localizada em Vila Paciência, também conhecida como Favela do Aço, é uma das dez escolas da Rede Municipal com maior média (7,3) nas últimas provas divulgadas do IdeRio (8,0) e do Ideb (6,7), e tem vários professores premiados, inclusive pelo Alfabetiza Rio, por terem turmas classificadas entre as cinco de melhor desempenho em toda a cidade.
Várias vertentes de trabalho desenvolvidas na escola contribuem para o alto rendimento dos alunos. Um dos destaques – como veremos adiante – é a linha pedagógica assentada em três métodos: psicogênese, letramento e Uerê-Mello, sendo este último especializado em crianças em situação risco, traumatizadas pela violência e com problemas de cognição.
A realidade da Haydéa Vianna nem sempre foi assim. Nos últimos anos da década de 2000, a escola estava depredada, com várias salas de aula desativadas e ainda contabilizava o pior desempenho no IdeRio (2,7). Como, na época, a maioria dos professores não ficava lá por mais de alguns meses, e as diretoras também não, a unidade escolar vivia, rotineiramente, sob a intervenção da 10ª CRE. Um dos argumentos utilizados para justificar a evasão era a violência da comunidade localizada em área conflagrada, que tem um dos IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) mais baixos do Rio de Janeiro.
Sem candidatos para concorrer aos cargos da diretoria e na busca de uma solução administrativo-pedagógica para a escola, a 10ª CRE convidou, em 2009, as pedagogas Patrícia Gomes de Azevedo e Eliane de Souza Lopes para o desafio de dirigir a escola. “Aceitei o convite porque sabia que o município tinha condições de oferecer um bom ensino às crianças da comunidade e porque gosto de trabalhar em lugar que precise de mim”, diz Eliane, nomeada como diretora adjunta e responsável pela gestão administrativa da unidade. Já Patrícia assumiu a direção e a coordenação pedagógica.
Uma das primeiras tarefas que enfrentaram foi conseguir recursos para recuperar toda a estrutura do prédio. As reformas duraram um ano inteiro, com alunos em sala de aula. “Do ponto de vista pedagógico, era muito importante que a escola se transformasse em um espaço acolhedor para as crianças da comunidade. A restauração física ajudou a criar esse ambiente de acolhimento”, explica a diretora. Outros desafios prementes eram envolver os pais e responsáveis e unificar o método de ensino a partir de uma proposta pedagógica.
Conquistando as famílias
Foi uma tarefa árdua conquistar a parceria das famílias dos alunos, cuja maioria vive em situação de risco permanente. Na escola há, inclusive, crianças que são moradoras de rua. “Tivemos muita dificuldade para fazer os responsáveis entenderem o valor da educação”, contou Patrícia.
Até conseguir o intento, várias estratégias falharam. As convocações dos pais para comparecer à escola não surtiam efeito. Ameaças de acionar o Conselho Tutelar também não. A escola, então, passou a promover reuniões mais informais, em que servia lanches e, com isso, direção e professores conseguiram que os responsáveis compreendessem a importância de acompanhar mais de perto a educação escolar das crianças.
“Não pedimos que ensinem as crianças a fazer o dever. Conhecemos a realidade deles e temos ciência de que o papel de ensinar os conteúdos curriculares é da escola. Mas solicitamos que cobrem a realização das tarefas de casa”, explicou a diretora.
Com a aproximação das famílias, várias mães também passaram a ajudar a escola em algumas ocasiões necessárias, como, por exemplo, durante as longas reuniões que a direção realizava com os professores para discutir diagnósticos e passar as novas diretrizes pedagógicas da escola. Tais reuniões só foram possíveis porque as mães ficavam desenvolvendo atividades com os alunos.
Diferencial pedagógico
Com a alta rotatividade de professores e diretores, a E.M. Haydéa Vianna vivia, em 2009, segundo Patrícia de Azevedo, uma espécie de caos pedagógico. Cada um aplicava uma metodologia em sala de aula e tinha uma avaliação distinta sobre o rendimento das turmas. A unificação do método de ensino e dos critérios de análise de desempenho dos alunos era uma das tarefas prioritárias. “Quando todos trabalham da mesma maneira, o resultado é melhor por causa da continuidade”, explica.
As primeiras unificações ocorreram com os conteúdos e as habilidades que as turmas deveriam dominar ao final dos períodos letivos. O aluno do primeiro ano, por exemplo, tinha que saber ler e escrever frases simples sem dificuldades. Com isso, os professores passaram a ter metas e os critérios de desempenho tornaram-se objetivos.
Mas quais metodologias seriam mais adequadas à aprendizagem daquelas crianças? A escola optou pelos métodos da psicogênese, de Emília Ferreiro, e de letramento, de Magda Soares. Isso significa que, na Haydéa Vianna, o ensino parte dos conhecimentos prévios e do contexto cultural dos alunos.
Para pôr isso em prática, todos os professores passaram a enviar tarefas de casa relacionadas ao universo familiar e comunitário da criança. Daí a grande importância dos pais em cobrar a realização dos deveres, pois as informações levadas iniciam um bate-papo em sala de aula e funcionam como uma espécie de texto, a partir do qual serão associados conteúdos curriculares.
O “pulo do gato” pedagógico, contudo, segundo a diretora da escola, é a aplicação do método Uerê-Mello, desenvolvido por Yvonne Mello, que fazia um trabalho com 72 meninos de rua que costumavam se encontrar na Candelária e que, em 1993, foram vítimas de uma chacina que matou oito deles. Desde então, ela passou a se dedicar à construção de uma metodologia que permitisse que crianças em situação de risco, traumatizadas por episódios violentos e sem estímulo para a aprendizagem, se tornassem receptivas à informação.
Como os alunos da Haydéa Vianna viviam um cotidiano violento e muita dificuldade para focar e prestar atenção nas aulas, Patrícia resolveu chamar Yvonne Mello para ensinar seu método na escola. A partir disso, a estrutura das aulas foi modificada: os primeiros dez minutos passaram a ser dedicados ao “aquecimento do cérebro”. Nesse momento, os alunos contam as tarefas que fizeram em casa e vão relaxando enquanto o professor os conduz para um processo mental favorável à aprendizagem. Só então os conteúdos começam a ser dados.
“As aulas têm o tempo controlado e são divididas em etapas curtas para manter o interesse da turma. Se percebemos que passaram por uma noite crítica e mal dormida, sequer damos conteúdo, porque não vão aprender em situação de estresse. Preferimos propor atividades para que relaxem”, contou a diretora. Isso não significa que os conteúdos curriculares do Caderno dos Alunos, distribuído pela SMEEL, não são dados na íntegra, pois os professores precisam cumpri-los.
Patrícia de Azevedo ainda atribuiu o bom desempenho da escola, que tem 27 turmas e 820 alunos, a outros fatores: ao início da alfabetização na Educação Infantil, à equipe sólida de professores, aos cartazes colados em sala de aula para fixar os assuntos e aos simulados que realiza todas as sextas-feiras (que servem não só para treinar os alunos para o IdeRio e para o Ideb, mas também para saber quais conteúdos precisam ser revisados).
Eliane, a diretora adjunta, não esquece, porém, de outro fator fundamental: “Os programas de governo que permitem aos alunos ficar em tempo integral na escola são importantíssimos porque oferecem atividades extras, aulas de reforço e alimentação. Sem isso, estariam passando fome”.
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