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Carnaval da Intendente é palco do samba e passarela de acesso aos desfiles na Sapucaí
15 Fevereiro 2023 | Por Pedro Soares
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Baianas da Vizinha Faladeira desfilam na Intendente
Mais de sessenta agremiações do estado do Rio de Janeiro, como a Vizinha Faladeira, desfilam no Carnaval da Intendente. Foto: Alexandre Macieira (Riotur)


O Carnaval da Intendente Magalhães é conhecido como Passarela Popular do samba, onde desfilam grêmios recreativos, agremiações e blocos carnavalescos das séries Prata, Bronze, além dos grupos B e de Avaliação.

Mais que um estágio para conseguir uma vaga na elite das escolas de samba do Rio de Janeiro, o Carnaval da Intendente passa por bairros populares e tradicionais pela força da cultura criativa.

Situada a 19 quilômetros do Centro da cidade, a Intendente Magalhães fica entre os bairros de Campinho, Oswaldo Cruz, Madureira, Cascadura, Bento Ribeiro e Vila Valqueire. A via, reconhecida pelas lojas de automóveis, integrava a antiga Estrada Real de Santa Cruz, e sua história mostra a expansão da cidade do Rio ao interior e as relações culturais e de classe do povo brasileiro que inspiram o carnaval.

O novo palco da Intendente

Os desfiles de 2023 ocorrerão na continuação da estrada, na Avenida Ernani Cardoso, após o Mergulhão Clara Nunes, mudança proposta para melhorar o fluxo de trânsito durante o evento. A estrutura da Nova Intendente contará com cenografia e iluminação especial, lounge, camarotes, praça de alimentação, cabines de jurados e frisas laterais. As arquibancadas, que antes recebiam até duas mil pessoas, terão capacidade para cinco mil foliões. A entrada continua gratuita.

São 54 escolas de diversas regiões do estado do Rio que irão passar pelo Carnaval da Intendente, como a União de Maricá, da cidade de mesmo nome, ou a Acadêmicos do Cubango, de Niterói; algumas sediadas na própria via, como a Tradição e a União de Jacarepaguá; escolas tradicionais, como a Vizinha Faladeira, a Caprichosos de Pilares e a Acadêmicos da Rocinha; e recém-criadas, como a Tubarão de Mesquita, de 2021.

Presidente da ala dos compositores da Acadêmicos do Cubango, Thayssa Menezes considera que o carnaval da Intendente Magalhães é a essência do subúrbio:

“É um carnaval que agrega todo mundo, o pipoqueiro, a criança com spray de espuma, os bate-bolas. Todo mundo está inserido. Apesar das adversidades, não perdemos a oportunidade de curtir, de festejar a própria existência”, diz a sambista, que também é assistente da Gerência de Relações Étnico-Raciais e professora da Educação Infantil da Rede Municipal do Rio.

Intendente Magalhães: via integrava a antiga Estrada Real de Santa Cruz

Segundo o livro Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro, do historiador José Vieira Fazenda, a Passarela Popular compunha a antiga Estrada Real de Santa Cruz, via de escoamento de produtos, sobretudo ouro e cana-de-açúcar, e que permitiu o imediato surgimento da periferia da cidade do Rio de Janeiro, ligando a Baía de Sepetiba, na região da Santa Cruz, ao Palácio Imperial de São Cristóvão e, conseguinte, a região do Rio Antigo. 

intendente magalhaes estrada real de santa cruz mapa ds carta da provincia do rio de janeiro 1840
Estrada Real de Santa Cruz cruzava o Rio de Janeiro da região Central até a Fazenda Santa Cruz. Carta da Província do Rio de Janeiro 1840 [Iconográfico]. Imprensa Rio de Janeiro, RJ : Lith. do Archivo militar, 1840. Descrição original 1 mapa ; 21,5 x 35,5 cm em f. 32 x 46,3 cm. Fonte: BN Digital


Para o historiador Rafael Mattoso, a estrada era inicialmente um “paeberu” (ou "piabiru"), palavra tupi que significa “grama amassada”, ou seja, caminho aberto pelas tribos originárias, e que foi dominado e ampliado pelos jesuítas. A partir da colonização portuguesa, a via passou a ser conhecida como “Caminho dos Jesuítas”, que partia do antigo Porto de Irajá:

“É um caminho de interiorização importantíssimo. Toda essa origem indígena está conectada ali, a saber pelos nomes dos bairros que conecta, Irajá, Inhaúma, Jacarepaguá“, demonstra o historiador.

Os jesuítas empregavam em suas fazendas mão-de-obra escrava, africana e indígena. Fizeram obras para conter alagamentos e, aos poucos, transformaram o território para a agricultura e a pecuária. Com a doação das sesmarias, lotes de terra distribuídos pela coroa portuguesa, a monocultura da cana-de-açúcar se expandiu de Santa Cruz até a Fazenda de São Francisco Xavier, no engenho mais antigo do Brasil, o Engenho Velho, onde hoje é o bairro da Tijuca.

"É uma forte herança afrodiaspórica para os engenhos ao redor, o Engenho da Portela, em Madureira, a Fazenda do Campinho, do Lourenço Madureira. Muitos [descendentes de escravizados] vieram do Vale do Café para ficar ali no entorno da Serrinha, Congonhas, Cajueiro, e, que posteriormente, criaram a tradição do Jongo, herdeiro direto do samba”, explica Rafael Mattoso. 

Mapa das ramificações da Estrada Real
A Estrada de Santa Cruz e suas ramificações para bairros suburbanos. Mapa de 1911. Fonte: BN Digital


No artigo Os Caminhos Antigos no Território Fluminense, do sociólogo Adriano Novaes, em 1698, a corte portuguesa abriu um novo caminho para ligar as Minas Gerais ao Porto de Irajá, com distância bem menor comparada ao velho caminho que ligava as minas de ouro aos portos de Angra dos Reis e Paraty, considerados alvos fáceis de piratas. Esse novo percurso ficou conhecido como Caminho Novo.

A partir da expulsão dos jesuítas em 1759, a Fazenda de Santa Cruz, a "Joia da Capitania", tornou-se propriedade da coroa, e os caminhos Novo e Velho tornaram-se a Estrada Real, sendo a Estrada de Santa Cruz ramificação do Caminho Novo. Os caminhos e descaminhos do ouro impuseram a coroa portuguesa maior rigor na fiscalização do metal.

A chegada da Família Real, em 1808, tornou a Baía de Sepetiba um espaço de veraneio para a recreação dos filhos de D. João VI e até para a lua-de-mel entre D. Pedro e D. Leopoldina. A frequente passagem da corte, com suas tropas a cavalo e a pé, dava ao caminho um retrato do Brasil Império, onde se cruzavam com as carruagens de ministros, diligências na fiscalização do ouro, fidalgos e nobres em seus tilburys (carruagens individuais) e outras pessoas que surgiam para reivindicar algo ou ter a honra de beijar a mão do príncipe regente. Atualmente, é possível encontrar ao longo do percurso placas identificando o Caminho Imperial.

Baianas da Império de Jacarepaguá desfilam na Intendente. Foto Marcelo Piu Riotur
Símbolos monárquicos nas fantasias e no imaginário da população num sincretismo de classes. Foto: Marcelo Piu (Riotur)


Segundo o sociólogo Bruno Filippo Policani Borseti, no artigo Tempo de Rei: Carnaval carioca, Monarquia e Plebiscito de 1993, antes da vinda da família real, já havia uma cultura de tradições populares portuguesas e africanas em que a figura do “rei” se fazia presente em procissões, cavalhadas, congadas, cheganças, maracatus, e festas do Divino. A corte portuguesa transformou-as num espaço de reafirmação dos poderes da realeza, com monarcas “de verdade”, entre tantos outros. Os cortejos reais do século XIX alcançavam grande popularidade.

Inauguração da Estrada de Ferro Central do Brasil muda o panorama do Rio

O surgimento da Estrada de Ferro D. Pedro II, em 1858, reduziu a importância da Estrada Real de Santa Cruz. Saindo da Estação Central do Brasil até Queimados, a linha do trem mudou a paisagem rural do “sertão” carioca. Bairros como Cascadura, Engenho de Dentro e Piedade ganharam estações, e a primeira delas, por sua localização próxima à Central do Brasil, ganhou o nome do morro da Mangueira, em 1890.

A publicação Dossiê das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mostra como a linha do trem permitiu que os sambistas do Estácio, bairro da primeira agremiação de samba, a “Deixa Falar”, levassem o ritmo para Madureira e Oswaldo Cruz. O percurso deu origem, décadas depois, ao Trem do Samba, celebrado no segundo dia de dezembro, Dia do Samba.

A região Central sofreu modificações urbanas que europeizavam a capital. Segundo o geógrafo Luiz Felipe Ferreira em Rio de Janeiro, 1850-1930: A Cidade e seu Carnaval, a cidade deixou as feições coloniais para refletir a condição de capital de um país integrado à economia global. O carnaval carioca se inspirou, então, nos modelos parisienses.

Enquanto isso, o trecho que liga o Campo dos Afonsos a Madureira ganhava o nome do tenente-coronel Carlos José de Azevedo Magalhães, militar que possuía lotes na região. Rafael Mattoso complementa que a Proclamação da República, sob os lemas positivistas de ordem e progresso, em novembro de 1889 (cerca de um ano após a abolição da escravidão), contribuiu na migração popular para o subúrbio.

“O código criminal previa detenção de quem fazia samba, jongo, capoeira, ou cultuava religiões de matriz africana. Houve um processo de segregação do centro da cidade. Por isso, a grande maioria das escolas de samba estão no subúrbio”, explica o historiador.

A distância entre os carnavais da elite e do subúrbio

A história dos desfiles das escolas de samba cariocas mostra uma concentração na região central da cidade, primeiro, na Praça Onze, depois, na Avenida Presidente Vargas, e por fim na Avenida Marquês de Sapucaí, onde seria erguida, em 1984, a “Passarela do Samba”, o Sambódromo. Desde sua inauguração, apenas escolas da elite garantiam vaga. As demais agremiações apresentavam-se na Avenida Rio Branco e em outros locais de forma não oficial, como a Avenida 28 de Setembro, a Dias da Cruz e a Intendente Magalhães. Esta última via conquistava prêmios de rua mais enfeitada para o carnaval, e a Tradição, escola de samba localizada no Campinho e que surgiu como dissidência da Portela em 1987, utilizava o espaço para ensaios abertos.

Em 2002, o carnaval da Intendente passou a ser oficial, quando os desfiles da quinta e da sexta divisão, que ocorriam em Bonsucesso, foram transferidos devido a questões de segurança. Em 2005, a quarta divisão também passa a desfilar na via, e a festa ganha arquibancadas tubulares, cabines de jurados e espaço para imprensa.

Ala coreografada da Boi da Ilha do Governador foto Eliane Carvalho
Reaproveitamento de materiais de desfiles anteriores e proximidade com o público são características dos desfiles do Carnaval da Intendente. Foto Eliane Carvalho (Riotur)


A festa na passarela popular do samba cresceu, mas, com recursos escassos, cabia aos carnavalescos a arte de improvisar. A compositora Thayssa Menezes lembra de momentos de superação, como no convite de baianas de outras escolas para preencher as alas. Ela acredita que a experiência na produção do Carnaval da Intendente é engrandecedora para qualquer profissional do samba:

“Todo sambista que construa e faça parte de uma escola de samba precisa passar pela experiencia da Intendente Magalhães. Todas as adversidades acontecem, alagamento, poucos recursos, os barracões não são ideais, falta de verba aos profissionais. Por isso, é a personificação da superação”, explica.

Professora dos Anos Iniciais do Ciep Mestre Cartola, de Parada de Lucas, Cristina Frazão sempre teve relação com o carnaval, costume que veio com o pai mangueirense que a levava a ensaios e desfiles. Em 2010, Cristina foi convidada para a comissão da Império da Praça Seca, quando, junto a outros sambistas, percebeu que não havia premiações exclusivas para o desfile da Intendente Magalhães:

“Havia apenas um ou outro prêmio para as escolas campeãs ou as que ascendiam para o Grupo B da Sapucaí. Então tivemos a ideia de criar uma premiação só da Intendente", relembra a professora.

O “Prêmio Samba Show”, primeiro exclusivo para o desfile, foi batizado posteriormente de “Prêmio Elite do Samba”, e durou até 2016, revelando muitos artistas:

“O prêmio era um troféu, não tínhamos patrocinadores, e contemplamos nomes que hoje fazem parte dos grupos especiais, intérpretes, casais de mestre-sala e porta-bandeira", diz Cristina Frazão.

 
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