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O charme que inclui e integra a periferia da cidade
30 Agosto 2013 | Por Márcia Pimentel
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CHARME 1-DUTAOA Prefeitura do Rio declarou, neste ano, o Baile Charme, realizado sob o Viaduto Negrão de Lima, em Madureira, como “bem cultural de natureza imaterial” da cidade. Com história e linguagem cruzadas com o movimento hip-hop, o baile tem atraído jovens de vários bairros do Rio, inclusive da Zona Sul, cujos moradores, historicamente, não têm o costume de frequentar outras áreas da cidade para fins de cultura e lazer. Atualmente, outros bailes charme – evento genuinamente carioca nascido na Zona Norte – também têm se realizado em outras áreas do Rio e até mesmo em outras cidades do país, como em Salvador e Belo Horizonte.

Por trás do decreto da Prefeitura, há o fato de que a cultura se transformou, na atualidade, em uma das mais poderosas ferramentas de inclusão e integração social e em uma das formas de comunicação mais eficazes das periferias com outras partes da cidade. De acordo com o sociólogo Jorge Werthein, ela estimula o sentimento de pertencimento e demarca a identidade cultural de comunidades excluídas, tornando-se um espaço privilegiado para a realização da cidadania.

Tal olhar sobre a função inclusiva da cultura – que até algumas décadas atrás era vista tão só como instrumento de educação ou produto supérfluo e de diletantismo da sociedade – deve-se, em parte, às ações e ao forte contorno ideológico do movimento hip-hop, que se disseminou pelo mundo a partir dos guetos de Nova York. Segundo as arquitetas e urbanistas Glauci Coelho e Emika Takaki, o charme é uma construção feita a partir do rythm&blues (R&B) que, no Rio de Janeiro, aproximou-se em caráter definitivo do contexto ideológico que envolve o hip-hop.

Charme da GamboaO DJ Alexandre Derizans, que toca charme desde a virada dos anos 1970/1980, diz que o termo surgiu com o DJ Corello: “Tanto eu como ele fazíamos muitos bailes-disco no Méier e em outros bairros da Zona Norte. Eram os tempos da discoteca. Aos sábados, ele tocava no Clube Mackenzie. Fazia uma seleção de R&B e dizia para o público do baile que havia chegado a hora de fazer charminho”. E foi assim que, com o tempo, o nome charme pegou. O DJ Lourenço Eduardo, que na primeira sexta-feira de cada mês promove, junto com Derizans, o Charme da Gamboa, no Largo de São Francisco da Prainha, acrescenta: “Há um limite bastante tênue entre a disco music e o charme. O charme não é apenas música; é postura, atitude”.

O hip-hop

Nascido entre os anos 1960/1970, nas ruas do Bronx, em Nova York, onde os diversos guetos e gangues viviam em conflito, o hip-hop surgiu a partir da postura conciliatória das festas promovidas pelo gueto dos jamaicanos. De acordo com o professor de Geografia da Uerj, Denilson Araújo de Oliveira, essas festas criaram um ambiente conciliatório ao deslocar a disputa violenta das gangues por território para os desafios criativos de quem cantava e fazia a melhor poesia (rap), o melhor som (disc-jóquei), o melhor improviso (free style), a melhor dança (break) e inseria o seu desenho na área mais difícil da cidade (grafite). Ao transformar a violência em arte, o hip-hop, segundo a filósofa Hannah Arendt – em seu livro A Condição Humana –, nasce como uma cultura política que recupera o sentido de polis, de cidade, ou seja, de lugar em que a base da prática política é a pluralidade e a coexistência da diferença.

O sentido de lugar

Em tempos de globalização, o hip-hop ganhou o mundo, adquirindo diversas características locais. No Rio de Janeiro, sua relação com a recuperação do sentido de espaço público é uma das características mais marcantes, segundo as arquitetas e urbanistas Glauci Coelho e Emika Takaki. No artigo O Resgate do Espaço Público Como Lugar de Vivência, elas analisam a capacidade do hip-hop de revitalizar aquilo que elas chamam de “espaços residuais” – espaços que, tomados por carros, perderam a conformação de lugar de encontro que caracterizaria o espaço público de outrora, para virar um mero espaço de circulação e de passagem, um “não lugar” incapaz de produzir identidades, conforme definiu o etnólogo Marc Augé.

O “casamento” do charme com o hip-hop, no Rio de Janeiro, resultou, no início dos anos 1990, na criação de um Baile Charme sob o Viaduto Negrão de Lima, ressignificando a cultura de rua carioca e ampliando a identidade do bairro de Madureira, que já tinha sua imagem CHARME-DJSligada ao jongo e ao samba. E não só devolveu o sentido de lugar ao espaço residual sob o Viaduto Negrão de Lima, transformando-o em espaço de relações sociais. Rompeu fronteiras físicas e barreiras simbólicas para se enraizar como cultura ideológica inclusiva, da pluralidade e da coexistência da diferença, mesmo entre aqueles que nunca militaram no movimento hip-hop.

“A frequência, aqui, é diversa. Vem gente da Pedra do Sal, do Morro da Conceição, das empresas privadas e públicas do entorno... O público negro que costuma ir aos bailes charme também já descobriu o local. Mas uma das coisas mais interessantes é poder contar com a presença de vários DJs, muitos que nem se falam, mas que, aqui, se confraternizam”, disse o DJ Lourenço Eduardo, organizador do Charme da Gamboa, que também quer transformar em lugar de alegria uma área que já foi ícone do sofrimento: o Largo de São Francisco da Prainha, onde, durante a escravidão, eram desembarcados os negros vindos da África.

 
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