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Pegadas no ciberespaço
SÉRIE
04 Abril 2014 | Por Sandra Machado
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RioComputadores começaram por armazenar e processar dados. Com o tempo, passaram a analisá-los, a interpretá-los e a transformá-los em moeda de troca, o que abre uma brecha para todo tipo de exploração comercial e política. Esse poderia ser o enredo de uma narrativa de ficção científica com pitadas de terror, mas há quem acredite nesse fenômeno como uma realidade instaurada. No território “livre” da internet, temos cada vez menos controle sobre a utilização de nossos dados pessoais.

Depois de estudar Ciência da Computação na Universidade de Princeton, Jonathan Harris se tornou um artista mundialmente conhecido, ao partir da internet como ponto de investigação e, ao mesmo tempo, de expressão humana no mundo. Um de seus trabalhos mais discutidos é o manifesto Data Will Help Us (Dados Vão Nos Ajudar), em que pergunta: “Dados ajudam publicitários a ver as pessoas como estatísticas, mas será que isso vai nos ajudar a lembrar que aquelas estatísticas são pessoas?”. O texto enumera prós e contras do chamado Big Data.

Para quem não está familiarizado com o termo, Big Data é o conjunto de soluções tecnológicas capaz de fazer um papel que, até bem pouco tempo, era exclusividade de pessoas: analisar grandes volumes de dados digitalizados, inclusive em tempo real, para fundamentar tomadas de decisão. As soluções de Big Data também conseguem lidar com dados não estruturados, que só fazem sentido dentro de um contexto, como postagens no Twitter e no Facebook, além de vídeos e coordenadas de geolocalização, fornecidas pelo IP da máquina – país, cidade e horário em que alguém se encontra ao acessar a internet.

Adriana Braga, doutora em Ciências da Comunicação da PUC-Rio, detalha como o processo funciona. “Quando você procura um restaurante, o motor de busca vai lhe dar a indicação daqueles que se localizam à sua volta, mas apenas se tiverem parceria comercial com o mesmo buscador. É importante pensar nas implicações mercadológicas e políticas que estão numa simples busca que você dá na internet. Funciona como um monitoramento voluntário, que você carrega dentro do seu bolso.”

Para Sérgio Branco, professor do IBMEC e especialista em direitos autorais, a sociedade brasileira deveria olhar mais detidamente para a discussão em torno do Marco Civil da Internet. “Se a gente não tem princípios muito claros sobre o uso de dados pessoais, a privacidade vai ficar cada vez mais ameaçada.”

EngelkeNa mesma linha, seria possível conceber uma cidade como um sistema de controle de processos. Os acontecimentos vão sendo captados por meio de “sensores”, como câmeras ou celulares, e construindo o panorama geral visualizado em um mapa. Segundo Claudio D’Ipolitto, consultor em Economia Criativa do Inovelab/UFRJ, o risco se esconde no uso, para o bem ou para o mal. “O sistema pode ser usado para prevenir acidentes ou para controlar a vida das pessoas.”

Não foi à toa que as revelações de Edward Snowden, ex-analista de inteligência norte-americano, causaram indignação à opinião pública. “Várias empresas, como Google e Facebook, estavam fornecendo informações que tinham recolhido, para fins de espionagem do Estado sobre a vida dos indivíduos”, lembra Antônio Elgenke, sociólogo e pesquisador da PUC-Rio. Registros ingênuos feitos em um blog também dão pistas sobre os hábitos cotidianos, o que gera certa vulnerabilidade. “Isso tende a se agravar, com o que a gente chama de internet das coisas. A partir de uma escova de dente ou de um par de tênis, será possível gerar um banco de dados sobre o comportamento dos indivíduos, que, obviamente, vai ser explorado pelas grandes empresas para oferecer produtos cada vez mais personalizados.”

De acordo com Engelke, já existe a proposta de lançamento, no mercado, de um aplicativo para o monitoramento dos sonhos. Ele identifica as diferentes fases do sono e aciona o despertador do celular na hora mais propícia para a obtenção de dados. “Quando você acorda, aperta um botãozinho e grava um relato, que vai para um banco de dados, gerando um mosaico sobre o que as pessoas sonham.” Dessa forma, a mineração por parte das empresas ganharia acesso até mesmo ao inconsciente.

As implicações éticas dessa e de outras discussões são apresentadas em Sociedade de controle, episódio da série Em Tempo Real.

 
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