A partir das interações, nas trocas e em cada um dos nossos relacionamentos afetamos e somos afetados pelos outros, construímos vínculos, percorrendo trajetórias e tecendo muitas memórias afetivas, muitas dessas memórias são marcas que a escola deixa em cada um de nós. E é na Escola e nos espaços de Educação Infantil que as crianças pequenas realizam diversas leituras de mundo, desde o momento da chegada, a forma como são recepcionadas e acolhidas, onde o toque e o afeto contribuem para o autoconhecimento, autoimagem, e desenvolvimento da autoestima. Considerando que o nosso país nasceu e continua sendo embalado com o mito da democracia racial, que como um crime perfeito, cujo efeito parece brincar de se esconder, de se escamotear, enquanto fere e marca profundamente, o que segundo Munanga (1996, p. 213) o nosso racismo à brasileira se constitui como “objeto de segredo e tabu, submetido ao silêncio, um silêncio criminoso”. O letramento racial fortalece identidades, resgata outras narrativas que sofreram apagamentos, possibilita a identificação das violências produzidas pelos preconceitos, assim instrumentaliza/capacita argumentos e posicionamentos para denúncia e enfrentamento a esse racismo. Tenho trabalhado e construído junto com as crianças das turmas de pré-escola: turmas ABARÉ o projeto Kindezi. Desde o início do ano apresento autores pretos/pretas/indígenas que apresentam protagonismos pretos de forma positiva, afetiva.
Tenho construído junto com as crianças da turma ABARÉ o projeto Kindezi, a arte de acender Sóis, que é uma Filosofia Banto. Em roda de conversa incentivei as crianças para que expressassem seus conhecimentos prévios acerca de personagens que eram reis/rainhas, em seguida, apresentei o Rei Galanga num momento de Contação de histórias de Inspiração Griot, com auxílio de um boneco preto, uma caixa e um tecido azul simbolizando o mar para compor a performance. Apresentei o Chico Rei, o rei do Congo que foi sequestrado, escravizado e que conquistou sua liberdade em terras brasileiras, uma narrativa que tem sido preservada pela tradição oral mineira e que é considerado sinônimo de luta, de liberdade e da ancestralidade africana, que por muito tempo foi silenciada. Confeccionamos um cartaz coletivo para fixar em nossa sala de referência com o lema do Rei Galanga: “Eu vou me libertar, e libertar cada um de vocês, porque eu só serei livre de verdade quando cada um aqui liberto for também.” Em seguida as crianças sugeriram apresentar para as demais turmas de Educação Infantil nos momentos de intercâmbios que já fazem parte das rotinas da nossa unidade escolar, culminando na ideia de organizar uma Festa das Realezas em que cada criança sentindo-se representada pelo Rei Galanga participaram caracterizadas com roupas/acessórios que simbolizavam que também são descendentes de Reis e Rainhas. Um momento de muito afeto e encantamento.
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