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Napoleão Bonaparte em 1802, quando era o primeiro-cônsul da França e já o homem forte do país. Óleo sobre tela (273 x 234 cm) de Jacques-Louis David. Domínio público, Palácio de Versalhes

A mudança da sede da monarquia portuguesa para a sua colônia americana era um assunto recorrente nas discussões da corte. No século XVIII, por exemplo, D. Luís da Cunha, conselheiro de D. João V, comentava, ao lhe propor a mudança para a América: "Que é Portugal? Uma orelha de terra, de que um terço está para cultivar (...), o outro pertence à Igreja".

Nos primeiros anos do século XIX, grande parte da Europa estava sob o domínio de Napoleão Bonaparte, que se tornara imperador francês em 1804. O único obstáculo à consolidação de seu império na Europa era a Inglaterra, que, favorecida por sua posição insular, por seu poderio econômico e por sua supremacia naval, não conseguiria conquistar. Para tentar dominá-la, Napoleão usou a estratégia do Bloqueio Continental, ou seja, decretou o fechamento dos portos de todos os países europeus ao comércio inglês. Pretendia, dessa forma, enfraquecer a economia inglesa, que monopolizava o mercado consumidor europeu com seus produtos manufaturados. Com essa medida, Napoleão buscava garantir mercados consumidores para as manufaturas francesas.

O decreto, datado de 21 de novembro de 1806, dependia, para sua real eficácia, de que todos os países da Europa aderissem à ideia e, para tanto, era crucial a adesão dos portos localizados nos extremos do continente, ou seja, os do Império Russo e os da Península Ibérica, especialmente os de Portugal. O Acordo de Tilsit, firmado com o tzar Alexandre I da Rússia, em julho de 1807, garantiu a Napoleão o fechamento do extremo leste da Europa. Faltava agora o fechamento a oeste, quer dizer, os portos das cidades de Lisboa e do Porto, fosse por meio de acordo ou de ocupação militar.

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Postal ilustrado de um mercado lisboeta no século XIX. Têmpera sobre papel de Zacharie F. Doumet. Domínio público, Câmara Municipal de Lisboa

Um grande problema para os planos expansionistas de Napoleão era a posição dúbia do governo de Portugal, que relutava em aderir ao Bloqueio Continental devido à sua aliança com a Inglaterra, da qual era extremamente dependente. O príncipe D. João, que assumira a regência em 1792 devido ao enlouquecimento de sua mãe, a rainha D. Maria I, estava indeciso quanto à alternativa menos danosa para a monarquia portuguesa. Sendo um reino decadente, cuja grande riqueza eram as suas colônias, especialmente o Brasil, Portugal não tinha como enfrentar Napoleão. Permanecer na Europa significava, portanto, ficar sob a esfera de dominação francesa.

A alternativa que sua aliada, a Inglaterra, lhe apontava como a melhor era a transferência da corte portuguesa para o Brasil, que passaria a ser a sede do Reino. Essa alternativa contava com o apoio de uma parte da nobreza portuguesa, sendo, também, bastante atraente para os interesses ingleses.

O sentimento de inferioridade de Portugal em relação às demais potências europeias é apontado pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda como um forte motivador para o desejo da instalação da corte no Brasil, quando diz que "o luxo da corte não apaga no Reino a consciência da inferioridade dentro do Velho Continente. Portugal está cansado de ser pequeno, e, reatando a antiga vocação transmarina pela voz de alguns expoentes, toma a consciência de que pode ser muito grande".  

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Retrato de João quando ainda era um infante. Óleo sobre tela do século XVIII. Domínio público, Museu da Inconfidência

Muitos dos letrados do Reino reconheciam que a importância de Portugal no cenário internacional devia-se à sua rica colônia americana, e a viam como sua tábua de salvação. Para os que defendiam essa ideia, o ideal seria a implantação, no Brasil, de um império luso-americano. Assim, tendo em vista a difícil situação em que se encontrava o governo português, imprensado entre os interesses ingleses e franceses, era natural que essa possibilidade fosse lembrada como a melhor das soluções. Dessa forma, a expansão napoleônica na Europa e a ameaça de invasão de Portugal por suas tropas serviram de elemento desencadeador de uma ideia há muito elaborada.

Para pressionar o príncipe regente D. João, Napoleão enviou-lhe um ultimato, em agosto de 1807, para que rompesse com a Inglaterra e prendesse os súditos ingleses que habitassem o Reino, confiscando-lhes os bens. Caso não cumprisse as ordens, Portugal seria invadido pelas tropas francesas comandadas pelo general Junot. Os ingleses, por seu lado, também se movimentavam para proteger seus bens e seus súditos em Portugal da ameaça francesa, levando-os para a Inglaterra. Ao mesmo tempo, tentavam forçar D. João a se decidir a embarcar para o Brasil.