Em se tratando de cenário para manifestações populares no estado do Rio de Janeiro, é o Palácio Tiradentes, casa do Poder Legislativo, o endereço que se alterna em importância com o Palácio Guanabara, sede do Executivo. Entre a década de 1920, quando ficou pronto, e a de 1960, quando a cidade deixou de ser capital federal, funcionou pela maior parte do tempo como Câmara dos Deputados – a exceção foi o período de 1937 a 1945, no Estado Novo, no qual serviu para abrigar o Ministério da Justiça e o temido Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que controlava todo e qualquer material veiculado em rádios, jornais e revistas ou nos espetáculos de teatro, cinema e música. Desde 2001, uma exposição permanente na atual sede da Assembleia Legislativa do Rio já recebeu mais de meio milhão de visitantes, inclusive do exterior, repassando aspectos arquitetônicos e políticos da história recente do país.
Construindo um teto e um efeito de sentido
Ainda na fase conhecida como República Velha, a proposta para a construção do Palácio Tiradentes obedeceu a uma lógica de reforço ao regime republicano, resgatando, intencionalmente, o suplício do alferes Joaquim José da Silva Xavier como um evento de antagonismo ao regime monárquico. Desde o nome do palácio até a estátua em dimensões gigantes do maior entre os mitos nacionais, postada à frente do prédio, tudo deveria conspirar para sedimentar a opinião pública em torno do avanço democrático como um clamor popular e, com isso, justificar o poder vigente. Até mesmo o local escolhido para a construção tinha um significado especial. Ali havia funcionado a Cadeia Velha, onde Tiradentes esteve preso durante três dias – fora os três anos na Ilha das Cobras –, até ser enforcado na praça carioca que, atualmente, leva seu nome.
Para a colocação da estátua de 4,5 metros do mártir usando a túnica dos condenados, foi escolhido o mesmo ponto onde se localizava a cela em que esteve confinado. A caracterização do personagem como um Cristo cívico pelo escultor Francisco de Andrade, em que exibe barba e cabelos longos, não condiz exatamente com a realidade. Relatos de época afirmam que ele era um homem alto, grisalho, com barba e bigodes bem aparados. Depois da prisão, teria passado pelo processo padrão, há muito tempo adotado para evitar a proliferação de piolhos, e teve o rosto e a cabeça raspados.
A bem da verdade, desde a Proclamação da Independência do Brasil, em 1822, o prédio da Cadeia Velha passou a servir de base para o funcionamento da chamada Assembleia Geral Legislativa, o equivalente ao atual Congresso Nacional. Durante os primeiros anos da República, manteve apenas a Câmara dos Deputados, até que o estado geral do prédio provocou a transferência da Câmara para o Palácio Monroe, em 1914, seguida de outra, para o prédio da Biblioteca Nacional, em 1922, ano em que o Monroe recebeu a exposição pelo centenário da Independência. Na ocasião, já havia sido aprovado o projeto dos arquitetos Archimedes Memória e Francisco Couchet, que atendia a reivindicação dos parlamentares, segundo os quais uma nova sede varreria, para sempre, a lembrança do passado colonial da cidade.
Construção colaborativa
A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados determinou que as unidades da federação enviassem doações, de materiais ou em espécie, para construir a nova sede. Obras de arte deveriam ficar em exibição permanente no palácio, como uma síntese das riquezas brasileiras. Além de uma substancial contribuição em dinheiro, oriunda de vários estados, também foram doados mobiliários vindos de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo, além de 50 toneladas de gesso produzido no Rio Grande do Norte. Inovações técnicas caracterizaram a obra monumental, como o emprego de argamassa com resistência equivalente à da pedra e vergalhões de ferro nacional, usados pela primeira vez no país.
Inaugurado em 6 de maio de 1926, após quatro anos de obras, o Palácio Tiradentes tem estilo eclético e se inspira no Grand Palais de Paris, colosso francês que também homenageia a república. A decoração inclui farta utilização de materiais nobres, como couro, veludo e madeiras de lei. Alguns ambientes receberam mobiliário feito sob encomenda de acordo com um gênero pré-determinado: Presidência e Vice-Presidência (estilo neomanoelino); Salão Nobre (estilo Francisco I); Salões Ouro e Verde (renascentista italiano); e Secretaria (estilo Jacobsen). A Sala da Comissão de Justiça é decorada com móveis feitos em pau-brasil que já conta 300 anos, reaproveitado da demolição da Cadeia Velha, construída em meados do século XVII.
Uma comissão formada pelo presidente da Câmara, Arnolfo Azevedo, e por membros do Conselho Superior de Belas Artes, realizou um concurso para selecionar 11 artistas que produzissem as esculturas da fachada e do interior do palácio, assim como as estátuas de Tiradentes e das duas Vitórias Aladas do pátio frontal. Confeccionadas em bronze, as figuras femininas foram colocadas sobre pedestais de pedra com 7 metros de altura. Ao todo, 17 postes, também de bronze, circundam o prédio. Seis colunas de inspiração neogrega com 12 metros de altura adornam a entrada, a qual foi rodeada de diversas peças de estatuária carregadas de simbologia. À esquerda do observador, no alto, fica a representação da Proclamação da Independência e, do lado oposto, a da Proclamação da República. No nível da rua, duas outras figuras fazem referência à ordem (esquerda) e ao progresso (direita) da bandeira nacional.
Praticamente um museu
O conjunto arquitetônico, tombado em 1993 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), foi tratado com grande esmero, o que se confirma tanto nos grandes espaços quanto nos pequenos detalhes artísticos. A cúpula sobre o plenário, por exemplo, é composta de um vitral abobadado de cerca de 120m2, o primeiro 100% produzido no país, pelo italiano César Formenti. A obra de arte reproduz o céu brasileiro no exato momento da Proclamação da República, às 9h15 da manhã do dia 15 de novembro de 1889. Além de vitralista, o artista foi responsável pela execução dos pisos de mosaico do palácio junto com seu filho, Gastão Formenti.
Logo abaixo do vitral, oito painéis da autoria dos irmãos Rodolpho e Carlos Chambelland reproduzem acontecimentos temáticos. Os menores tratam da formação territorial: desembarque dos colonizadores portugueses, expansão das fronteiras pelos bandeirantes, tomada de posse das Missões e do Amapá e, por fim, o Tratado do Acre. Já os painéis maiores, que abarcam a formação nacional, tratam dos períodos da catequese dos indígenas, do colonial, do monárquico e do republicano.
Principal ambiente da sede do Legislativo, o Plenário Barbosa Lima Sobrinho tem 22 metros de diâmetro por 18 metros de altura. Chama atenção o painel decorativo atrás da mesa da presidência, pintado por Eliseu Visconti, que retrata, em tamanho natural, todos os presentes ao ato de assinatura da primeira constituição republicana do Brasil, em 1891, reunidos, então, no Paço da Quinta da Boa Vista. No ano da inauguração do Palácio Tiradentes, em 1926, existiam 212 deputados federais na casa. Decorridas nove décadas, hoje são 70 deputados estaduais.
No Salão Nobre, o teto em forma de arcos e abóbadas apresenta pinturas de João Timóteo da Costa, nas quais a nação é representada como uma mulher cercada de dez imagens femininas, que seriam as grandes datas nacionais. Na galeria de circulação do segundo pavimento, há um painel de Aurélio Figueiredo chamado Primeiro Capítulo da Nossa História Pátria – A Carta de Pero Vaz de Caminha, e outro de Fiúza Guimarães, chamado História Parlamentar – Participação de Deputados Brasileiros nas Cortes Constitucionais Portuguesas.
Cenário único, em imagens e conquistas
O primeiro presidente da República a tomar posse no Palácio Tiradentes foi Washington Luís, no mesmo ano em que a construção abriu as portas. Mas também Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck foram investidos do cargo no palácio, em 1934 e 1956, respectivamente. Entre as personalidades que estiveram de visita se encontra o presidente norte-americano Harry Truman, que discursou no plenário em 1947, mesmo ano em que o escritor Jorge Amado, eleito dois anos antes como deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro, teve que deixar a casa, depois que o partido, mais uma vez, foi posto na ilegalidade.
Por duas vezes, o Palácio Tiradentes abrigou a Assembleia Nacional Constituinte – em 1934 e em 1946. Também serviu de ponto de concentração para a lendária Passeata dos Cem Mil, evento crucial dos protestos contra a ditadura militar, em junho de 1968. Na história recente, no entanto, ele tem sido um local privilegiado para uso em locação de filmes, minisséries e novelas, como Caminho das Índias, gravada em 2009.
Em setembro de 2001, um convênio entre o curso de Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e a Assembleia Legislativa possibilitou que os alunos se encarreguem das visitas guiadas diárias, que têm como público-alvo classes escolares públicas e privadas, grupos da terceira idade e visitantes em geral, recebidos por guias que também falam inglês, francês e espanhol.
Para além da arte representativa da história nacional, o Palácio Tiradentes cresce ainda mais em importância quando analisado sob a perspectiva de regulações de grande impacto para a sociedade ali votadas. Primeira lei de férias para trabalhadores e regulamentação do trabalho de menores de idade (1926); posse da primeira mulher deputada federal da América Latina, Carlota Pereira de Queirós (1933); lei da liberdade de culto religioso, de autoria do escritor e então deputado Jorge Amado (1946); criação da Petrobras (1953). A última sessão da Câmara Federal no palácio aconteceu em 14 de abril de 1960, uma semana antes da inauguração de Brasília.
Fontes:
CALDAS, Wallace; RIBEIRO, Nelson Pôrto. A Restauração do Vitral da Cúpula do Plenário do Palácio Tiradentes. IX Congresso da Abracor. s/d.
Centro Cultural Câmara dos Deputados. Palácio Tiradentes, 90 Anos. Brasília: 2016.
Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. Obras de Arte Estão Reunidas em Livro que Acaba de Ser Lançado. 26.fev.2015.
Jornal da Alerj – edições nr. 299 a 314.
Núcleo de Memória Política Carioca e Fluminense: Alerj e CPDOC-FGV. Palácio Tiradentes – Lugar de Memória do Parlamento Brasileiro. Rio de Janeiro: 1997.
ROMÃO, Márcio. Palácio Tiradentes: que História Escrever, que Passado Lembrar? ANPUH - XXV Simpósio Nacional de História. Fortaleza, 2009.
Site do Palácio Tiradentes
13/07/2018
Prédio é atual sede do Comando Militar do Leste.
Palácios da Cidade
21/06/2018
Inaugurado em 1926 para abrigar os tribunais da mais elevada instância do Judiciário, prédio ficava em meio à região boêmia da cidade.
Palácios da Cidade
03/04/2018
Moradia do último dos vice-reis e sede do Senado durante um século, prédio abriga Faculdade Nacional de Direito desde a década de 1940.
Palácios da Cidade
07/03/2018
Obras de restauração, iniciadas em 2015, ainda devem demorar.
Palácios da Cidade
01/03/2018
A incrível história de como a antiga embaixada do Reino Unido se tornou a sede do poder municipal carioca.
Palácios da Cidade
08/11/2017
Tudo o que se relaciona ao prédio do Consulado-Geral de Portugal no Rio de Janeiro está carregado de muito afeto e grande esmero.
Palácios da Cidade
21/08/2017
Localizado na ilha de mesmo nome, patrimônio é praticamente desconhecido pelos cariocas.
Palácios da Cidade
12/06/2017
Museu e Centro de Operações Cartográficas do Exército funcionam nas antigas instalações do primeiro palácio episcopal do Rio de Janeiro.
Palácios da Cidade
09/02/2017
Sede do Poder Executivo federal entre 1897 e 1960, construção foi local de suicídio do presidente Getúlio Vargas, na década de 1950.
Palácios da Cidade
21/12/2016
Com a maior coleção de esculturas da Belle Époque fora da França, é o mais exuberante palco da história recente do país.
Palácios da Cidade
01/12/2016
Construção sofreu diversas alterações arquitetônicas ao longo dos anos e também mudou de nome várias vezes.
Palácios da Cidade
09/11/2016
Aberta à visitação, construção tem acabamento interno primoroso e ficou famosa por ter sido palco do último baile da monarquia brasileira.
Palácios da Cidade
24/10/2016
Também conhecido como Palácio da Mitra Arquiepiscopal, o prédio não está aberto à visitação pública.
Palácios da Cidade
11/10/2016
Ali aconteceu o Dia do Fico, a assinatura da Lei Áurea e a comunicação a D. Pedro II de que a República havia sido instaurada.
Palácios da Cidade
29/08/2016
Localizado em ponto de fácil acesso, no centro do Rio, tesouro arquitetônico da Era Vargas possibilita visitas pré-agendadas.
Palácios da Cidade
04/07/2016
A sede da Câmara Municipal do Rio de Janeiro reúne um acervo ímpar, com obras de expressivos artistas brasileiros do início do século XX.
Palácios da Cidade
10/11/2015
O complexo arquitetônico abriga o Museu Histórico e Diplomático, o Arquivo Histórico, a Mapoteca e a Biblioteca do Itamaraty.
Palácios da Cidade
14/09/2015
Desde janeiro de 2015, a sede do governo do estado, em Laranjeiras, oferece visitas guiadas ao público.
Palácios da Cidade
08/09/2015
Programa Conhecendo o Judiciário promove visitas e divulga informações sobre os direitos e as garantias fundamentais de todo cidadão.
Palácios da Cidade
21/01/2015
Em estilo eclético, o prédio, que era um dos cartões-postais da cidade, foi demolido no ano de 1976 por ordem do governo federal, depois de servir, durante 70 anos, como sede das mais altas instituições do país.
Palácios da Cidade