Desde o século XVI, os franceses frequentam o nosso litoral. Na época do “descobrimento”, eles estavam em busca de pau-brasil, madeira que produzia uma tintura vermelha valiosa naqueles tempos. Eram piratas e corsários em suas embarcações.
Em 1555, colonizadores franceses invadiram o litoral do Rio de Janeiro com o objetivo de aqui permanecer. Liderados pelo almirante Nicolau Durand de Villegagnon, fundaram a França Antártica, em uma ilha da Baía de Guanabara que, atualmente, fica ao lado do Aeroporto Santos Dumont. Essa invasão não teve motivação apenas econômica. Trazia consigo protestantes, fugindo da perseguição religiosa feita pelos católicos na França. Fundaram o Forte de Coligny.
Lideranças indígenas apoiavam os franceses e, somente em 1567, 12 anos depois da chegada, o governador-geral Mem de Sá conseguiu expulsá-los. Essa não foi a única tentativa de invasão francesa no Rio de Janeiro, mas foi a que conseguiu maior êxito.
Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios
Mais de dois séculos depois, em 1816, uma motivação diferente trouxe um grupo de artistas franceses para morar e trabalhar no Brasil. Com a definitiva abdicação de Napoleão Bonaparte como imperador da França, muitos franceses bonapartistas ficaram em situação difícil, perdendo, inclusive, o emprego por razões políticas. Alguns artistas e profissionais especializados resolveram vir para o Brasil e ofereceram seus serviços a d. João VI, que havia transferido a corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808. Esse grupo ficou conhecido como a Missão Artística Francesa e ajudou a fundar a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios.
Entre eles, estavam os pintores Jean Baptiste Debret e Nicolas Antoine Taunay; o arquiteto Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny; o escultor August-Marie Taunay; o gravador Charles Simon Pradier; o mecânico François Ovide; o ferreiro Jean Baptiste Leve; o serralheiro Nicolas Magliori Enout; os peleteiros (artesão que trabalha com peles, especialmente para vestuário) Pelite e Fabre; e os carpinteiros Louis Jean Roy e o filho, Hypolite. A maioria trouxe consigo as famílias, criados e auxiliares.
Esse grupo foi responsável por introduzir o ensino formal das artes em nosso país, trazendo um novo olhar e experiência para áreas que contavam com pouca ou nenhuma mão de obra. Debret, por exemplo, registrou usos e costumes locais em quadros que nos contam, ainda hoje, como era o dia a dia no Rio de Janeiro do século XIX. Já Montigny trabalhou em obras de saneamento e urbanização, formando cerca de 20 novos arquitetos.
Nobres franceses na Tijuca
O pintor Nicolas Antoine Taunay comprou um sítio na Floresta da Tijuca e foi viver ao lado de uma cascata, mais tarde batizada com o seu nome. Naquele local, havia uma colônia de nobres franceses, simpatizantes de Napoleão, que se refugiaram no Brasil após sua derrota.
O clima ameno – 330 metros acima do nível do mar, no Alto da Boa Vista – atraiu a baronesa de Rouan, o príncipe de Montbéliard, o conde de Scey, o conde de Gestas e a tia dele, a condessa de Roquefeuil. Todos possuíam chácaras ao longo do Rio Cachoeira.
No final do século XIX, os nobres franceses cultivavam café Bourbon e procuravam manter a tradição: montavam a cavalo de casaca vermelha, e as senhoras vestiam-se de forma elegante, em plena floresta tropical.
D. Pedro I e a imperatriz Leopoldina eram amigos do conde de Gestas, cônsul-geral da França no Brasil, na época, e costumavam visitá-lo. Na propriedade de Aymar Maria Jaques, o conde de Gestas, havia vacas normandas e aves de todo tipo. Lá se produziam creme de leite e manteiga frescos. Também cultivavam uvas, peras, maçãs e morangos. D. Leopoldina tornou-se amiga da tia do conde e ia até a propriedade dela a cavalo, acompanhada de um escudeiro e um cachorro.
Quase nada se sabe sobre a desagregação da colônia francesa da Tijuca. Apenas que o conde Gestas morreu afogado, quando a embarcação em que viajava a Niterói foi surpreendida por um temporal.
Capitalistas e artesãos em busca de novas perspectivas
Não foi somente a Missão Artística Francesa que partiu do porto de Havre em direção ao Brasil, no ano de 1816. Diante de uma França devastada pela guerra, 17 navios fizeram essa mesma travessia. Segundo a pesquisadora Lilia Schwarcs, havia de tudo a bordo daquelas embarcações: profissionais, curiosos, literatos, religiosos, comerciantes, jovens e velhos. Todos em busca do Novo Mundo, uma terra que, no imaginário dessas pessoas, não tinha males, onde era possível fazer fortuna.
As informações são escassas em relação à imigração francesa propriamente dita, dos cidadãos comuns. O censo feito pelo Ministério das Relações Exteriores da França, em 1911, contou 3.624 franceses vivendo no Rio de Janeiro.
Em um esforço de pesquisa para revelar como era a vida dessas pessoas, a editora da Unesp lançou, em 2009, o livro Franceses no Brasil, Séculos XIX-XX. Nessa publicação, o pesquisador Jorge Luis Mialhe explica que a microimigração francesa foi constituída de pessoas com ofícios técnicos ou especializados, comerciantes, profissionais do setor de serviços e profissionais liberais. O destino da maior parte dessas pessoas, no Brasil, foi o Rio de Janeiro – na época, a maior cidade do país.
A combinação de carência de mão de obra qualificada e de produtos que agradassem à elite local atraiu grande diversidade de profissionais franceses para cá. Havia cabeleireiros, modistas, alfaiates, professores de diferentes disciplinas, jornalistas, cortesãs, operários e artesãos, que vieram tentar a vida em nosso país.
Na mesma publicação, Tânia Friedman traz dados sobre a vinda de judeus-franceses para o Rio. A pesquisadora lembra que, ao se instalar no Brasil, d. João VI assinou com a aliada Inglaterra um Tratado de Paz e Amizade, em 1810, no qual havia um artigo que assegurava aos estrangeiros liberdade de religião, permitindo, desta forma, a vinda de imigrantes que não fossem católicos. Segundo Friedman, essa política de tolerância da corte portuguesa no Brasil atraiu franceses de origem judaica da Alsácia e da Lorena, na França.
Comércio de luxo na Rua do Ouvidor
Inúmeros deles vieram para o Rio de Janeiro e se dedicaram, principalmente, ao comércio e às lojas de penhores. François Leon Cohn, por exemplo, era um corretor de gêneros alimentícios na Rua da Alfândega, número 3. Nessa mesma rua atuava o senhor Hoffmann, proprietário de uma companhia de seguros. Uma figura de destaque era o “rei da moda” Bernard Wallerstain, dono da loja que tinha o seu nome, na Rua do Ouvidor, centro do comércio carioca daquela época. Essa loja era fornecedora da Casa Imperial. Importava artigos de Paris, como sedas, calçados, camisas, joias, cristais, porcelanas, quadros, artigos de palha e champanhes.
A política imperial brasileira também estimulava a vinda de profissionais liberais, como engenheiros, médicos e dentistas, e de pessoas de posses, com o objetivo de difundir ideais civilizatórios e de criar uma elite tecnocrática no Brasil. Esse foi o caso do dentista Arson e do médico Hostein, que clinicavam na Rua dos Ourives, 41 e 89, respectivamente.
O Distrito de Sacramento (Rua do Ouvidor e adjacências) tinha a predileção das lojas e moradias dos franceses. Ali funcionavam, desde 1836, a Société Française de Bienfaisance, na Rua Nova do Ouvidor; a Chancelaria Francesa, na Rua do Ouvidor, 186; e a Sociedade Francesa de Socorros Mútuos.
Os judeus-franceses também se dedicaram ao serviço público. O consórcio A. F. Prado e Cia., de Samuel Nathan Bloch e Fernando Maria Prado, recebeu a concessão para a abertura e o transporte entre a freguesia do pároco de Santa Cruz e Itaguaí. Já a Sociedade Isidoro Kohn e Cia., registrada em 1901, assinou um contrato com a prefeitura para incineração de lixo de limpeza pública e particular e sua aplicação para fins industriais.
Grande influência nas ideias
É importante notar que a imigração francesa foi pequena em relação ao número de pessoas que vieram viver aqui, mas não se pode dizer o mesmo da forte influência da cultura francesa no modo de vida do carioca.
Sobre isso, Debret, o pintor que retratou o cotidiano do Rio de Janeiro no Império, disse ao Journal de l´Institute Historique, de Paris: “A moda, essa mágica francesa, em boa hora fez sua irrupção no Brasil. O Império de d. Pedro tornou-se um dos seus mais brilhantes domínios: ela reina ali como déspota, seus caprichos são leis: nas cidades, toaletes, refeições, dança, música, espetáculos, tudo é calculado a partir do exemplo de Paris (...)”.
Estudos recentes demonstram que, a partir de 1850 até o final do século XIX, o volume comercial entre Brasil e França só foi superado pelo que havia entre Brasil e Inglaterra. O mercado brasileiro consumia intensamente tecidos, objetos de luxo, decoração e vinho. Todo artigo se valorizava se fosse acompanhado da informação “veio de Paris”.
Escritores franceses também destacavam a forte influência cultural da França junto às elites brasileiras no final do século XIX. Henri Avenel, por exemplo, descreveu, em 1892, desta forma surpreendente, a situação dos homens letrados brasileiros: “A língua administrativa (sic) é a língua portuguesa; o francês, língua preferida das classes superiores, é também forte no mundo do ensino”.
Nas primeiras décadas da República brasileira, a cultura francesa seguiu influenciando o Rio de Janeiro, então capital do país. Sobre isso, o professor de História da Universidade da Flórida, especialista em estudos latino-americanos, Jeffrey Needell, escreveu no livro Belle Époque Tropical: Sociedade e Cultura de Elite na Virada do Século: “Em 1900, a elite já incorporara ao cotidiano o uso do francês (...). Muitas mulheres liam a literatura francesa; muitos homens da elite também o faziam. Na verdade, vários literatos escreviam e alguns até pensavam naquela língua. (...) Os editores, tipógrafos e livreiros cariocas eram, em sua maioria, franceses”.
Com toda essa admiração, não é de se espantar que os boulevards franceses tenham inspirado a remodelação da cidade do Rio de Janeiro, na primeira década do século XX. Sob as ordens do presidente Rodrigues Alves, foram criadas as avenidas Central (atual Avenida Rio Branco), Beira-Mar, Francisco Bicalho, Mem de Sá, Rodrigues Alves e Atlântica. A intenção era tornar a cidade mais bonita, higiênica e funcional, substituindo vielas por ruas arborizadas e mais largas.
Foram demolidos, apenas na Avenida Central, cerca de 600 edifícios, desalojando inúmeras famílias que, em grande parte, procuraram moradia nos morros próximos e no subúrbio. Para manter a linha reta do projeto traçado para a Avenida Central, partes dos morros do Castelo e de São Bento foram destruídos.
A influência da arquitetura francesa não ficou restrita ao remodelamento de ruas e avenidas – interferiu no modo de morar da elite carioca. O pé direito dos imóveis que eram construídos tornaram-se mais altos e os cômodos, mais independentes e ventilados. Ainda podemos admirar edifícios criados no século XX por arquitetos franceses: Copacabana Palace (Joseph Gire); também na Avenida Atlântica, o Chopin (Jacques Pilon); e o Biarritz, na Praia do Flamengo (Henri Sajou).
Como se nota, são mais de 500 anos de intensa relação. Tempo que fez o savoir faire francês estar bastante presente no jeito carioca de ser.
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