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A história da educação feminina
07 Março 2019 | Por Fernanda Fernandes
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No início do século XX, a educação feminina ainda era voltada para as necessidades domésticas e o currículo destinado às mulheres relacionava-se aos objetivos do Abecedário Moral (1585), obra do escritor português Gonçalo Fernandes Trancoso (Imagem: GEA/ MultiRio).

Hoje, a presença feminina é marcante em todos os níveis de formação educacional, mas nem sempre foi assim. As mulheres ingressaram na escola tardiamente e com formação voltada para os cuidados com o lar e a família.

De acordo com as leis portuguesas, o sexo feminino fazia parte do imbecilitus sexus, ou sexo imbecil, uma categoria à qual pertenciam mulheres, crianças e doentes mentais.

Essa ideia persistiu no Brasil Colônia, onde também eram comumente declamados versinhos como: “mulher que sabe muito é mulher atrapalhada, para ser mãe de família, saiba pouco ou saiba nada”; "a mulher honrada deve ser sempre calada"; e “mulher que sabe latim não tem marido, nem bom fim” – muitos dos quais encontrados na literatura de escritores portugueses do gênero masculino. 

Mesmo já no século XIX, Charles Darwin, por exemplo, acreditava que as mulheres eram intelectualmente inferiores – opinião semelhante à de outros homens biólogos na época.

Jesuítas: os primórdios da educação brasileira

As escolas do período colonial foram constituídas, inicialmente, pela ordem dos padres jesuítas. Localizadas nas vilas e cidades, eram voltadas para o público masculino, visando à formação de uma elite colonial culta e religiosa. Tanto as mulheres brancas, ricas ou não, como as negras escravas e as indígenas não tinham acesso à leitura e à escrita.

A primeira reivindicação pela instrução feminina no Brasil partiu de um indígena, que pediu ao padre Manoel de Nóbrega que ensinasse sua mulher a ler e a escrever. Os indígenas estranhavam a diferença de oportunidades educacionais entre homens e mulheres, visto que estas eram consideradas companheiras.

O padre sensibilizou-se com o pedido, já que os jesuítas tinham o desejo de fundar recolhimentos para as mulheres no Brasil. No entanto, a ideia não se concretizou por ter sido considerada ousada demais pela rainha de Portugal, Dona Catarina.

Apesar disso, alguns indígenas conseguiram burlar as regras. A autora Arilda Ribeiro afirma ter encontrado registros de que Catarina Paraguassu, também conhecida como Madalena Caramuru, teria sido não apenas a primeira indígena, mas a primeira mulher a aprender a ler e a escrever, tendo feito uma carta de próprio punho ao padre Manoel de Nóbrega em 1561.

As mulheres ficaram excluídas do sistema escolar estabelecido na colônia. Quando muito, podiam educar-se na catequese. Na segunda metade do século XVII, surgiram conventos no Brasil, cujas “escolas” para moças ensinavam, sobretudo, costura e bordado (“trabalhos de agulha”), boas maneiras e muita reza para “afastar maus pensamentos”.

Esses locais também eram usados como prisões por homens que tivessem muitas filhas e temessem a divisão de suas propriedades com futuros genros; por maridos traídos ou pelos que tinham a intenção de trair suas esposas; além de irmãos que, pensando na herança familiar, preferiam não repartir os bens.

Até então, a educação feminina seguia restrita aos cuidados com a casa, o marido e os filhos.

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A inclusão limitada das mulheres na escola

A implementação de uma série de reformas estabelecidas por Sebastião José de Carvalho, futuro Marquês de Pombal, entre 1750 e 1777, na metrópole e nas colônias portuguesas, culminou com a expulsão dos jesuítas (1759). Assim, a educação passou da mão destes para o Estado.

A reforma educacional pombalina representou uma primeira tentativa de transformação da instrução feminina, embora pouco tenha mudado na prática. Com Pombal, oficialmente, as mulheres tiveram permissão para frequentar salas de aula (separadas por sexo); e o magistério público surgiu como mercado de trabalho para elas, que poderiam dar aulas apenas para moças.

historia da educacao feminina 3Pela reforma, foi proibido o ensino particular sem a permissão da recém-criada Diretoria Geral de Estudos; o conteúdo do ensino e os livros didáticos passaram a ser controlados; e foram criadas as aulas régias, que marcaram o surgimento do ensino público oficial e laico.

Com a vinda da família real portuguesa, em 1808, a educação feminina, de forma geral, continuou a mesma. A preocupação era que as mulheres soubessem cuidar do lar e pudessem aparecer em público sem causar vergonha ao marido ou aos pais.

Por influência dos estrangeiros que chegavam, surgiu o interesse e a procura, por parte das famílias, por professoras particulares, que, geralmente, ensinavam, simultaneamente, meninos e meninas da família.

Diferentes estabelecimentos no centro da cidade, destinados à educação feminina, apareciam em anúncios na Gazeta do Rio de Janeiro, alguns dirigidos por inglesas e francesas. A portuguesa Maria do Carmo da Silva e Gama anunciava seu estabelecimento para “filhas de boas famílias”, em 1813, por exemplo.

Durante o período do Império Brasileiro, ainda que as mulheres tenham começado a ter acesso à instrução das primeiras letras, eram desobrigadas de cursarem o ensino secundário, cuja função era preparar os homens para o ensino superior.

A Constituição de 1824, a primeira do Brasil, propunha o ensino primário gratuito extensivo a “todos” os cidadãos, embora sem considerar como tal as populações negra e indígena. Entretanto, a primeira legislação específica sobre o ensino primário, após a Independência, foi a lei de 15 de outubro de 1827, conhecida como Lei Geral, que marcou a criação de escolas de primeiras letras (hoje, Ensino Fundamental) em todo o país – e foi referência para a escolha da data comemorativa do Dia do Professor.  

Educadora mineira, Maria Guilhermina Loureiro de Andrade fundou na década de 1870, o Colégio Andrade (RJ), para meninas. Depois de estudar a metodologia dos jardins de infância, em Nova York, reestruturou o colégio que, em 1888, passou a oferecer um jardim de infância e um curso de formação de jardineiras – professoras de classes infantis –, considerado o primeiro do país (Foto: Jornal do Brasil, 20/5/1934)

A lei tratou dos mais diversos assuntos, como a remuneração dos mestres e mestras, o currículo mínimo, a admissão de professores e as escolas para meninas. As mulheres, no entanto, seguiram sendo discriminadas: não tendo acesso a todas as matérias ensinadas aos meninos, sobretudo as consideradas mais racionais, como a geometria, e deveriam aprender as “artes do lar”. 

Com relação ao pagamento, apesar de a Lei Geral prever igualdade para mestres e mestras, um decreto de 1831 fez com que, na prática, as mulheres ganhassem menos. Isso porque os governos provinciais tinham a autorização de contratar candidatos não aprovados em concurso com a condição de pagá-los salários menores; e vale lembrar que não havia escolas de formação para meninas, além de elas não terem aulas de todas as matérias ministradas nas instituições de primeiras letras. 

Em 1835, foi criada a primeira Escola Normal do país, em Niterói. No entanto, não foram admitidas matrículas de moças.

O início das classes mistas e um novo campo para o magistério

A educação feminina no Rio de Janeiro contou com a dedicação de vários grupos de religiosas. Em 1854, por exemplo, começou a funcionar o Colégio Imaculada Conceição, mantido pela Companhia das Filhas de Caridade de São Vicente de Paula, voltado para a educação das filhas da elite carioca e comprometido com os rígidos padrões morais da Igreja Católica Romana.

A partir de 1870, foram fundadas escolas protestantes, especialmente metodistas e presbiterianas, que quebraram o monopólio religioso do catolicismo e, pela primeira vez no Brasil, reuniram alunos de ambos os sexos numa mesma classe.

Nessa época, surgiram nas províncias escolas públicas mistas, e as professoras receberam autorização para lecionar para meninos de determinada idade (geralmente entre 12 a 14 anos) – o que abriu um novo campo ao magistério feminino.

As moças foram liberadas para ingressar nos cursos normais, e o trabalho feminino ganhou força no final do século XIX, tendo em vista a necessidade de um número maior de trabalhadores para suprir a crescente demanda.

Aliado a isso, foi construído o discurso da vocação natural da mulher ao magistério. Médicos, pais, clero e governantes acreditavam que elas eram dotadas de ternura e outras qualidades “naturais” para os professores exercerem sua profissão.

Cabe salientar que o privilégio dos cargos superiores da instrução pública, postos de comando, ainda era dos homens. Embora, até 1898, a regulamentação da escola pública não mencionasse critérios de gênero para a direção de uma escola, por exemplo, pareceu ter havido um acordo entre autoridades do governo e da administração do ensino ao elegerem, inicialmente, apenas professores homens, reforçando as desigualdades de gênero nas relações profissionais.

Por volta de 1910, as mulheres começaram a dominar o mercado de trabalho do ensino elementar, enquanto os homens seguiam dominando o nível secundário. No entanto, mesmo nas primeiras décadas do século XX, havia a exigência do celibato para que as mulheres pudessem exercer a função de professoras do ensino público. Segundo o Estatuto da Instrução Pública, as professoras tinham que ser solteiras ou viúvas. Se casassem, perderiam o cargo.

Mulheres no ensino profissionalizante e no ensino superior

Em 1881, foram inauguradas as classes profissionalizantes para o sexo feminino no Liceu de Artes e Ofícios no Rio de Janeiro, apenas 24 anos depois de sua fundação. Os cursos, porém, ainda reforçavam os papéis tradicionalmente vinculados às mulheres. 

Educadora e ativista política, Armanda Álvaro Alberto (1892-1967) lutava por uma educação pública, gratuita, laica e direcionada às necessidades de todos; e pela emancipação das mulheres, tendo tornado-se a primeira presidente da União Feminina do Brasil (Foto: Divulgação/ Núcleo de Estudos Visuais em Periferias Urbanas – NuVISU)

Em 1897, era criado, também no Rio, o Instituto Profissional Feminino que, após 15 anos, acrescentava Orsina da Fonseca ao seu nome (em homenagem à esposa do presidente Hermes da Fonseca).

Com a Lei Nº 1997, de setembro de 1918, foi autorizada a separação entre internato e externato, sendo este transferido para novas instalações no ano seguinte e passando a chamar-se Escola Profissional Paulo de Frontin. Lá, eram oferecidos o Curso Comercial, com as disciplinas de estenografia (taquigrafia), datilografia, contabilidade e línguas; e o Curso Profissional, com as oficinas de chapéus, bordados, costura, flores, desenho e modelagem. Durante décadas, essa instituição foi uma das principais referências no ensino profissionalizante para moças fluminenses. 

O ingresso nos cursos superiores foi mais uma luta enfrentada pelas mulheres. Apenas em 1879, o governo imperial permitiu, condicionalmente, a entrada feminina nas faculdades. As candidatas solteiras deveriam apresentar licença de seus pais; já as casadas, o consentimento por escrito de seus maridos.

Embora oficialmente aceitas na graduação, o número de mulheres inscritas para tal foi irrisório por muito tempo. As razões para isso vão desde o preconceito da sociedade até a impossibilidade de elas frequentarem os melhores cursos preparatórios, dificultando a entrada no ensino superior.

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O cenário atual da educação feminina

Após conquistarem o acesso aos cursos superiores, as mulheres seguiram progredindo no campo da educação, tornando-se mestras e doutoras em diferentes áreas do saber. Durante a segunda metade do século XX, a presença delas cresceu expressivamente na educação, tanto como força de trabalho, quanto na participação em todos os níveis de formação.

“A década de 90 marca a virada das mulheres brasileiras, que ultrapassaram os homens em nível de escolarização. A proporção de pessoas analfabetas já é significativamente menor entre as mulheres do que entre os homens em todos os grupos com até 39 anos de idade. As mulheres também superaram os homens em número médio de anos de estudos e, nas salas de aula, reinam absolutas: 85% dos 1,6 milhão de professores da educação básica em todo o país são do sexo feminino”, diz um levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) do ano 2000.

Segundo esse relatório do Inep, o fator de maior influência para essa virada das mulheres sobre os homens em nível de escolarização foi o ingresso das mulheres no mercado de trabalho, o que as estimulou a buscar um melhor nível de escolaridade, inclusive como forma de compensar a discriminação salarial de gênero.

Observando dados mais atuais, o Censo da Educação Superior de 2016 apontou que as mulheres representavam 57,2% dos estudantes matriculados em cursos de graduação. Já na docência, segundo o mesmo levantamento, elas são 45,5%.

Entre os professores da educação básica, elas são maioria: representam cerca de 80%, segundo Censo Escolar 2018.

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Fontes:

BNDigital – Biblioteca Nacional.
Portal MAPA – Memória da Administração Pública Brasileira (Arquivo Nacional).
Site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep.
Site do projeto Mulher 500 Anos Atrás dos Panos (Rede de Desenvolvimento Humano - REDEH).
KRAUSE, C; KRAUSE, M. Educação de mulheres do período colonial brasileiro até a o início do século XX: do imbecilitus sexus à feminização do magistério.X Simpósio Linguagens e Identidades da/na Amazônia Sul-Ocidental, 2016. 
MACHADO, M; QUADROS, R; TOMÉ, D. A educação feminina durante o Brasil colonial. Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012. 
PAZ, Cláudia Denis Alves da. Gênero no trabalho pedagógico na educação infantil. 2008. Dissertação – Mestrado em Educação – Faculdade de Educação/ UnB.
RIBEIRO, Arilda Ines Miranda. Mulheres Educadas na Colônia. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FILHO, Luciano Mendes de Faria; VEIGA, Cynthia Greive (Orgs.). 500 Anos de Educação no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2000.
RIBEIRO, Arilda Ines Miranda. Mulheres e educação no Brasil-Colônia: histórias entrecruzadas. Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil", Faculdade de Educação – Unicamp. 
SCHUMAHER, Schuma. Um Rio de Mulheres:a participação das mulheres fluminenses na história do Estado do Rio de Janeiro/ Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil – Rio de Janeiro: REDEH, 2003.
STAMATTO, Maria Inês Sucupira. Um olhar na História: a mulher na escola (Brasil: 1549 – 1910). Programa de Pós-Graduação em Educação – UFRN. II Congresso Brasileiro de História da Educação, 2002.

 

 
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