Os azulejos e o bumba meu boi do Maranhão, as pinturas do cearense Aldemir Martins, a arte do pernambucano Mestre Vitalino, a ciclogravura difundida no Rio Grande do Norte e no Ceará e o caboclo de lança, personagem do maracatu rural de Pernambuco, foram algumas das referências usadas pela professora Juliana Couto para falar sobre a região Nordeste nas atividades propostas por ela nas aulas de Artes Visuais da E.M. Magdalena Tagliaferro (11ª CRE), na Ilha do Governador.
Os trabalhos foram desenvolvidos com alunos da Educação Infantil até o 3º ano do Ensino Fundamental, reutilizando materiais como rolos de papel higiênico, garrafas pet e jornais, além de lápis de cor, tinta, argila e massinha de modelar. “A questão cultural e artística nordestina é fascinante, das cores às tantas linguagens. Fui me envolvendo cada vez mais ao longo das atividades”, relata a professora de Artes.
A proposta de Juliana estava inserida no projeto Oxente! Vamos conhecer o Nordeste, minha gente!, apresentado no início do ano pela coordenadora pedagógica Cláudia Azevedo e pela diretora Rachel Cristina Limoeiro para ser trabalhado ao longo de 2019 por toda a escola, associado à questão da sustentabilidade.
O resultado do trabalho de todo o ano letivo foi apresentado no chamado Corredor Cultural, uma tradição na escola. No entanto, antes mesmo do evento, Juliana Couto organizou diferentes exposições na unidade para mostrar as várias vertentes da cultura nordestina.
“Tento sempre motivar meus alunos e mostrar que a disciplina de Artes deve ser levada a sério, tem fundamentos, não é para ‘passar tempo’. O professor de Artes pode, sim, agregar muito à unidade escolar. O objetivo não é formar artistas, mas incentivar a formação de um público de Artes, que vá assistir a uma peça teatral, que visite uma exposição, que tenha senso crítico e uma formação cultural ampla, para que saibam apreciar e não apenas ver. A linguagem artística é muito promissora quando estimulada na escola. O principal objetivo é esse: instrumentalizar os alunos”, diz Juliana.
Como abordar a região Nordeste nas aulas de Artes
A professora garante que é possível desenvolver trabalhos interessantes reaproveitando materiais e reforça a importância da parceria com outros docentes da escola, sobretudo pela dificuldade em concluir as atividades no curto tempo ocupado pela disciplina de Artes (50 minutos semanais). No projeto em questão, Juliana pôde contar, por exemplo, com o apoio das professoras regentes Isis Tropiano, Silvia Ribeiro e Ana Carolina Mielk.
Confira algumas das atividades propostas e veja, ao final, a Galeria de Imagens:
- Caboclos de lança do maracatu rural
O caboclo de lança é uma figura folclórica ligada a manifestações culturais do carnaval e do maracatu rural do estado de Pernambuco. Para reproduzi-lo, foram usados rolos de papel higiênico, embalagens de ovos e palitos de churrasco. Os alunos também fizeram pinturas e colagens com sobras de papel colorido e E.V.A.
“Pesquisei sobre o tema e vi que essa cultura é muito forte em Pernambuco. O grupo de homens usa uma indumentária tradicional, típica, uma peruca colorida...É algo pouco conhecido por nós na região Sudeste”, comenta Juliana.
- Azulejos maranhenses
A cidade de São Luís do Maranhão é conhecida como Cidade dos Azulejos. Estes, que fazem parte do patrimônio cultural da capital maranhense, são encontrados nas fachadas de casarios antigos localizados no Centro histórico. Para representar essas fachadas, a professora fez cópias de um modelo de azulejo obtido na internet e pediu que os alunos colorissem. Para a montagem, usou papel pardo.
“Não poderia trabalhar com azulejos, não teria como dar um para cada aluno, então pedi que pintassem no papel. Depois, usei plásticos que encapavam meus antigos cadernos de desenho para simular o vidro nas grandes portas e janelas: recortei, colei e ficou a impressão de que estavam saltando do papel. Assim, colei as pinturas dos alunos para dar a ideia de uma construção tomada por azulejos”, explica.
- Ciclogravura
A ciclogravura é a arte feita em garrafas de vidro com areia colorida, muito difundida em cidades do Rio Grande do Norte e do Ceará. “É um trabalho minucioso, uma técnica que nem eu domino e não teria como reproduzir com autenticidade”, diz a professora.
No entanto, usando da criatividade, Juliana pediu que os alunos desenhassem uma paisagem em um pequeno pedaço de papel, usando cola colorida. Depois de estarem secos, os trabalhos foram enrolados para serem colocados dentro de uma garrafa pet pequena, imitando a ciclogravura original. Então, com o auxílio de um funil, a professora encheu os recipientes com areia de praia.
- Baianas
Em um trabalho escultórico com folhas de jornal e potes de iogurte que remetem a uma silhueta feminina, os alunos construíram as tradicionais baianas. Para introduzir o assunto, a docente apresentou a pintura Carmem Miranda, do pintor pernambucano Romero Britto, para simbolizar a baiana.
“Tive dificuldades em fazer as roupas com tecido, então acabei optando pelo jornal. Não quis ficar só no desenho e na releitura, busquei trabalhar com o bidimensional e o tridimensional. Contei com a ajuda da professora Ana Carolina Mielk que, além de tudo, levou comidinhas da Bahia e agregou bastante ao significado do trabalho. Também apresentamos a música O que é que a baiana tem, composta por Dorival Caymmi.”
- Bandeiras dos estados
As bandeiras de cada estado nordestino foram apresentadas aos alunos, bem como o significado dos elementos de cada uma. Depois, divididos em grupos, os estudantes receberam cópias coloridas de cada bandeira e aplicaram papéis nas partes indicadas, formando um mosaico. A atividade contou com o apoio de alunos que participaram do projeto Sábado Carioca, iniciativa da Prefeitura do Rio que oferece atividades culturais e reforço escolar no final de semana.
“Particularmente, gosto muito de bandeiras: pelas cores, pelo visual e por serem a identidade de um povo, de uma nação e até de um time de futebol. Há muitos significados! Não teria como não explorar essa questão.”
- Releituras do pintor Aldemir Martins
A professora optou pelo trabalho com massinha de modelar colorida para a produção de releituras de obras do artista cearense Aldemir Martins.
Além disso, os alunos reproduziram um gato inspirado na obra do referido pintor, a partir de um esquema dado pela professora e usando um rolo de papel higiênico e um copo de isopor.
- Esculturas e a Casa-Museu Mestre Vitalino
A professora partiu da exibição de uma animação feita por crianças sobre o ceramista Vitalino Peireira dos Santos, conhecido como Mestre Vitalino. Então, propôs que os alunos fizessem esculturas usando argila. Além disso, construiu uma miniatura da Casa-Museu Mestre Vitalino – residência onde o artesão da cidade de Caruaru (Pernambuco) viveu e onde estão expostos objetos de uso pessoal do artista, móveis, utensílios etc. – e colocou uma foto do artista ao lado.
“Os alunos me ajudaram a pintar rolos de papel higiênico, que recortei para construir o telhado da casa. Sobre o trabalho com argila, algumas crianças ficaram frustradas quando a escultura quebrava, mas, em geral, demonstraram muita habilidade e domínio do material. Foi uma surpresa!”
- Bumba meu boi (Boi-bumbá)
Caixas de papelão e de leite foram usadas na montagem do personagem que é destaque em uma das danças folclóricas mais tradicionais do Nordeste.
Divididos em grupos, os alunos pintaram as caixas – que representariam o corpo do boi – e foram acrescentando olhos, orelhas etc. Depois, ornamentaram com fitas e estrelas recortadas, tudo bem colorido.
- Festa junina de Campina Grande
Conhecida como “o maior são João do mundo”, a festa realizada na cidade da Paraíba foi retratada por meio da “TV Chique Chique”, proposta que partiu da construção de um aparelho de televisão usando a caixa de uma embalagem de perfume, palitos de churrasco, tampinhas de garrafa e tecido colorido.
A professora levou folhas de papel com o desenho de dois bonecos e pediu que as crianças completassem criando um cenário de festa junina. Então, Juliana selecionou alguns para integrar a “programação da TV”.
“Foi uma maneira de propor uma atividade com a qual eles pudessem interagir. Eles pegavam e manuseavam a televisão, que foi construída para apresentar a maior festa junina do país. Quando expus o trabalho, deixei um recado pedindo que mexessem com cuidado, já que sempre tem algum aluno com a mão mais pesada”, conta, rindo, a docente.
- Arte e realidade: o óleo nas praias nordestinas
Comovida com o vazamento de óleo que vem afetando muitas praias no Nordeste, a professora quis abordar o assunto por meio da arte. “Os alunos entendem. Falaram, inclusive, que viram na televisão praias sujas e uma tartaruga cheia de óleo. Às vezes, as crianças mais novas trocam muito mais do que as mais velhas, querem ser ouvidas”, comenta.
Para tratar do tema, Juliana construiu um mapa da região Nordeste na cor preta, em uma alusão ao óleo e, também, ao luto pelas perdas ambientais e da sociedade. Então, fez recortes em formato de tartaruga em papel ofício branco e pediu que os alunos colorissem o casco do animal, em uma mensagem de esperança que remete ao colorido da vida. Por fim, com o título “Nordeste vive, Nordeste resiste”, colou as tartarugas no mapa negro.
“A arte é atemporal e tem o poder de evidenciar qualquer assunto. Queria alertar os alunos de que esse óleo poderia chegar ao Rio de Janeiro, mas que, ainda que não chegue, mesmo estando em outra região, o sofrimento do outro nos afeta também. Devemos ter consciência sobre o meio ambiente, sobre a vida”.