A ludicidade baseada nos valores civilizatórios africanos, afro-brasileiros e indígenas é uma ferramenta eficaz na educação antirracista, utilizada nas atividades infantis pelos professores da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, que atuam na Educação Infantil. Oralidade, circularidade, corporeidade e musicalidade são algumas das qualidades enaltecidas na valorização das relações étnico-raciais.
Idealizadora do curso “Griô Brinca e Conta”, professora de Literaturas na Infância do Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) Luxemburgo (5ª CRE) e integrante da equipe técnico-pedagógica da Gerência de Relações Étnico-Raciais (GERER), da Secretaria Municipal de Educação, Renata Francis destaca a importância em se aprimorar o uso destes valores:
"Eles estão o tempo todo dialogando com a educação das crianças. As sociedades africana e indígena são circulares, tudo se baseia na circularidade. As crianças contam histórias em roda, brincam em roda, ou seja, esta circularidade está presente”, diz a professora, citando a intelectual negra nos estudos das relações étnico-raciais na Educação, Azoilda Loretto Trindade (1975-2015), que defendia uma educação antirracista, acolhedora e pautada na diversidade, na valorização do sujeito e na formação de identidades.
Conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer-se são direitos assegurados na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), correspondendo eixos estruturantes na Educação Infantil. São experiências capazes de fazer a criança perceber o próprio corpo e o do próximo, explorar seus movimentos e os estímulos à sua volta, além de participar de situações comunicativas do cotidiano, trocas concretas de saberes que constituem um patrimônio cultural.
Segundo Renata Francis, a proposta da oficina “Griô Brinca e Conta”, oferecida pela GERER, é ampliar, nos percursos didáticos, a presença da temática afro-brasileira e indígena, com propostas de arte e de fortalecimento da identidade e da autoestima, conectando corpos, movimentos, palavras, literaturas, músicas, danças e artes plásticas:
“Acreditamos que através da educação é que realmente vamos conseguir propor uma equidade e também um respeito entre as pessoas, entre as diferenças", diz a professora.
As turmas ocorrem desde 2021 e foram quase mil professores formados. Renata Francis lembra as leis 10.639/03 e 11.645/08, que tornam obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena em todas as escolas brasileiras, do ensino fundamental até o ensino médio, e inclui o Dia da Consciência Negra no calendário escolar.
“Propomos brincadeiras afro-brasileiras e indígenas, atividades artísticas com música e dança, trabalhamos com livros de escritores negros, com contato com bonecas negras, o ato de se olhar no espelho, enfim, tudo que vai englobando a questão da identidade”, explica a professora. Mais informações sobre o curso "Griô Brinca e Conta" podem ser obtidas no site da GERER.
Catálogo de brincadeiras africanas e afro-brasileiras
Apostar no lúdico como estratégia para abordagem sobre as relações étnico-raciais na Educação Infantil é a proposta do "Catálogo de jogos e brincadeiras Africanas e Afro-Brasileiras" (Editora Aziza, 2022), organizado pelas educadoras Helen Santos Pinto, Luciana Soares da Silva e Míghian Danae Ferreira Nunes, com ilustrações do designer gráfico, Rodrigo Andrade.
Disponível para download no site da GERER, o catálogo reúne sugestões de atividades lúdicas propostas por estudantes da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), oriundos do Brasil e dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOPs): Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
A construção do material ocorreu por escutas realizadas pelos estudantes, que entrevistaram mulheres e homens de seus países de origem, com idade entre 40 e 60 anos, e que relembraram de jogos e brincadeiras da infância. A descrição das atividades lúdicas respeitou os traços típicos da Língua Portuguesa de cada país. Percebem-se semelhanças e diferenças entre as brincadeiras, que recebem nomes distintos em diferentes lugares.
"Muitas das nossas brincadeiras populares têm uma base africana e indígena, a maioria das crianças que eram escravizadas brincavam com os senhores, as crianças tinham essa troca. As mães pretas traziam estas influências, o canto, o acalanto, o brincar, traços de sua ancestralidade, e trabalhavam com os filhos dos senhores, e isso foi se tornando o que chamamos de folclore", explica Renata Francis.
O Catálogo oferece novas abordagens pedagógicas e comprometidas com a promoção da equidade racial. Renata Francis destaca que o maior diferencial foi a metodologia de pesquisa utilizada:
"Gostei muito da proposta do catálogo por causa do resgate da ancestralidade. Os estudantes retomam o contato com seus pais e mães para resgatarem essas brincadeiras", diz a professora, que cita a brincadeira “Terra e mar”, bastante conhecida nas suas oficinas e presente na publicação.
Clique aqui e conheça as brincadeiras presentes no “Catálogo de jogos e brincadeiras Africanas e afro-brasileiras".
Ver descrições completas no catálogo.
Banana verde
País: Angola
Participantes: Duas ou mais pessoas
Descrição resumida: Tira-se na sorte ou azar o participante que irá correr atrás das demais crianças. O escolhido deve fechar os olhos e gritar: “Banana!”, e os demais devem responder “Verde!”, a fim de dar a entender que ainda não se esconderam. Quando pararem de responder, significa que estão todos escondidos, e o escolhido deve ir em busca de todos. Mas o primeiro a ser encontrado fica com a responsabilidade de achar os demais na próxima rodada, seguindo a brincadeira.
“Melancia”
País: Brasil
Participantes: Três pessoas ou mais.
Descrição resumida: Duas crianças são escolhidas para fazer papéis de comprador e vendedor. As demais crianças são dispostas umas ao lado das outras, e enchem as barrigas de ar. As barrigas cheias representam melancias, e a criança que conseguir segurar o ar mais tempo na barriga corresponde a melancia madura, que poderá ser comprada após o diálogo de venda entre o comprador e o vendedor. Perdem as melancias que menos conseguirem segurar o ar.
“Jogo de Carambola”
País: Cabo Verde
Participantes: Duas pessoas ou mais.
Descrição resumida: Assemelha-se ao jogo de “bolinhas de gude”, em que as bolinhas (carambolas) são jogadas em sequências de buracos no chão. Vence aquele que conseguir acertar mais bolinhas nos buracos – ou mais se aproximar deles.
“Cabra-cega”
País: Guine-Bissau
Participantes: Cinco pessoas ou mais.
Descrição resumida: Tira-se na sorte ou azar o participante que será a cabra-cega. Com um lenço nos olhos, o escolhido deverá capturar alguém entre os demais para ficar em seu lugar. A busca começa quando todos perguntam: “Cabra-cega, aonde vai?”, e ela deve responder: “Vou buscar leite para o senhor deus”. Todos gritam: “Adeus!”, e começa o pega-pega.
“Esuga mebene”
País: Guiné Equatorial
Participantes: Cinco pessoas ou mais.
Descrição resumida: As crianças são liderados por dois anciãos ou adultos, que se revezam dando às crianças nomes de animais, plantas, aldeias, pessoas, filmes, séries. Um dos adultos decide que nome dar a cada criança e comunica suas escolhas ao outro adulto, o qual, por sua vez, vai escolher os nomes que mais lhe agradam. As crianças que representam esses nomes vão se sentar ao lado daquele que agora está chamando por eles, ficando feliz com a escolha. A criança que ficar por último acaba virando a piada do jogo.
“Terra-mar”
País: Moçambique
Participantes: Oito pessoas
Descrição: Uma longa reta deve ser riscada no chão. De um lado, escreve-se “terra” e do outro, “mar”. No início todas as crianças podem ficar do lado da terra. Ao ouvirem “mar!”, todas devem pular para o lado do mar. Ao ouvirem “terra!”, pulam para o lado da terra. Quem pular para o lado errado é eliminado da rodada. O último a permanecer sem errar, vence.
“Malha”
País: São Tomé e Príncipe
Descrição resumida: É preciso desenhar, no chão, oito quadrados, quatro do lado direito e quatro do lado esquerdo, formando duas colunas. Os quadrados são numerados de 1 a 8 no sentido anti-horário. Joga um participante por vez, usando qualquer objeto (malha), como uma pedra ou uma latinha. O objetivo é, com o toque de apenas um pé, conseguir fazer a malha passar para o quadrado seguinte, uma casa por vez, no sentido anti-horário, seguindo a numeração. A malha não pode cair em cima da linha.