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Dandara e a luta pela liberdade
19 Novembro 2020 | Por Larissa Altoé
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Capa do livro As Lendas de Dandara, de Jarid Arraes. Ilustração: Aline Valek (divulgação)

Dandara de Palmares é considerada heroína na luta pela liberdade no Brasil. A Lei 13.816, de 2019, inscreveu o seu nome no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. O livro de Aço, como também é chamado, fica depositado no Panteão Tancredo Neves, em Brasília.

Segundo a Fundação Palmares, Dandara “foi esposa de Zumbi, com quem teve três filhos". A instituição do Governo Federal diz que ela “nasceu no Brasil e se estabeleceu no Quilombo dos Palmares ainda na infância". A Fundação explica também que Dandara morreu em 1694 por ocasião da última investida das forças repressoras contra Palmares.

Parte dos historiadores ressalta o fato de que não há documentos escritos referindo-se ao nome Dandara, mas, em contrapartida, há uma nova geração de historiadores que defendem a legitimidade da tradição oral na transmissão de conhecimentos por parte dos povos de origem africana.

Rede de Historiadores Negros e Negras

O Portal MultiRio entrevistou Lucimar Felisberto dos Santos e Stephane Ramos, da Rede de Historiadores Negros e Negras sobre Dandara e a pertinência de abordar o tema no Ensino Fundamental.

Para Lucimar Santos, doutora em História pela UFBA, Dandara está presente nas narrativas populares, que a colocam no centro da cena. "Trata-se de um personagem real que chegou até nós por meio da análise do discurso das versões populares da história. Essa é uma dimensão discursiva importante, a memória como referência para um povo. Há outras formas de recuperar a história que não passam apenas pelas fontes oficiais. Levamos em conta também as lendas, contos, narrativas herdadas dos antepassados, fontes orais. No caso de Dandara, os cordéis de Alagoas, o cangaço, as festas populares, os cantos centenários da capoeira", elenca Lucimar.

A historiadora acredita que falar sobre Dandara no Ensino Fundamental é um acalanto para as meninas negras especialmente, porque assim podem compreender que têm a possibilidade de mudar a história. "Os livros didáticos apresentam os negros como escravizados e depois eles somem. Dandara fala a uma questão identitária nossa como nação", diz Lucimar.

Segundo a pesquisadora, a atmosfera de folclore atrapalha. "A História e as nações também são invenções humananas. Precisam ser pautadas por fontes para se sustentarem, mas não apenas fontes oficiais", argumentou.

Centenas de profissionais escrevem nas redes sociais mantidas pela Rede de Historiadores Negros e Negras (Linktree Instagram)

Lucimar destaca que a ausência da mulher, em particular a negra, na História do Brasil revela mais o olhar do próprio historiador do que de escassez de fontes. "Há 40 anos, a maior parte dos historiadores era homem e branco; até a década de 1990, a história da escravidão colocava o negro como um ser humano passivo, que não se rebelava, como se fossem indivíduos mais propensos a serem escravizados. Quase um racismo científico. De lá para cá, o perfil do historiador vem mudando, com a participação de mais mulheres negras, e estamos pensando nos silêncios da documentação. Somos uma sociedade com presença maciça de mulheres africanas e criolas (nascidas no Brasil). Há fotos, registros de compra e venda dessas mulheres etc. Um novo perfil de estudantes está acessando as faculdades de História e novas perguntas estão sendo feitas, como a que indaga onde está a história da população negra no país que mais recebeu africanos nas Américas?", assegura.

Stephane Ramos, mestra em História pela UFRJ, pergunta: “se havia mulheres negras nos quilombos, nos eventos considerados importantes e nos espaços de poder, por que elas quase não aparecem na historiografia do período colonial e imperial? Por que são invizibilizadas?” A própria Stephane continua: "apesar disso, essas mulheres sobreviveram na tradição oral, que mantém viva a história. A noção de que precisa estar escrito para ser verídico não é exata porque mesmo os registros no papel são versões sobre os fatos. Hegel (filósofo alemão que influenciou o pensamento ocidental) dizia que as experiências negras são ahistóricas porque considerava a tradição oral não legítima, mas é assim que a história dos negros é constituída. Além disso, há outras correntes historiográficas, como a dos Annales (francesa), cuja metodologia reconhece a história oral, os relatos, na construção de um objeto específico", coloca Stephane.

A cultura fala sobre Dandara

As historiadoras Lucimar e Stephane não estão sozinhas no seu interesse por Dandara de Palmares. A escritora cearense Jarid Arraes, que atualmente reside em São Paulo, pesquisou sobre ela para escrever seus dois primeiros livros: Lendas de Dandara (2016) e Heroínas Negras brasileiras em 15 cordéis (2020). Quando Jarid começou a pesquisar, disseram a ela que Dandara não existiu. Então, a escritora pensou: "se é lenda, temos que escrever essas lendas. Faz diferença na vida das crianças conhecerem Dandara".

Abaixo, alguns trechos do cordel escrito por Jarid:

"Zumbi (...) foi casado

Com uma forte guerreira

Que tomou a dianteira

Pelo povo escravizado

Liderava os palmarinos

Lado a lado com Zumbi

Entre espadas e outras armas

Escutava-se o zunir

Dos seus golpes tão certeiros

Que aplicava bem ligeiros

Pra ferir ou confundir"

Em 2019, a Mangueira homenageou Dandara e outros protagonistas populares na luta pela liberdade com o samba-enredo vitorioso Histórias para ninar gente grande. As estrofes que citam a heroína negra são as seguintes:

"Brasil, o teu nome é Dandara

E a tua cara é de cariri

Não veio do céu

Nem das mãos de Isabel

A liberdade é um dragão no mar de Aracati"


Quilombo dos Palmares

Palmares começou a se formar ainda no final do século XVI. Africanos escravizados fugidos dos engenhos de açúcar pernambucanos se agruparam a cerca de 70 quilômetros a oeste do litoral de Pernambuco, na Serra da Barriga.

Poucos anos depois de seu surgimento, soldados foram enviados para recapturar os fugitivos da escravidão a mando do governador-geral da Capitania de Pernambuco, Diogo Botelho.

A invasão de Pernambuco por holandeses, em 1630, e a consequente guerra com os portugueses, favoreceu a fuga de mais pessoas escravizadas, propiciando que Palmares crescesse e se organizasse em vários mocambos independentes e articulados. Os holandeses também enviaram sem sucesso expedições bélicas contra Palmares.
 

Detlhe da carta topográfica de Pernambuco com a região dos Palmares circundada em vermelho, de José Gonçalves da Fonseca, 1766 (Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar do Exército Português)

Com a expulsão dos holandeses pelos portugueses, a guerra contra Palmares continuou e se intensificou. As autoridades coloniais enviaram 26 expedições militares e punitivas na segunda metade do século XVII contra Palmares. Os quilombolas adotavam a estratégia da emboscada, atraindo o inimigo para a luta dentro da mata. Em alguns desses ataques, foram capturados algumas dezenas de palmarinos, que, com frequência, eram degolados.

 

Em 1678, o governador de Pernambuco Aires de Souza e Castro tentou firmar um pacto de paz com Ganga Zumba, líder de Palmares. A mulher e dois filhos de Ganga Zumba haviam sido capturados em uma das expedições contra Palmares. Ganga Zumba aceitou o pacto, mas seu sobrinho, Zumbi, não concordou, em grande medida porque o acordo devolveria negros fugitivos para a escravidão, dando a liberdade apenas para os nascidos em Palmares. Ganga Zumba, cumprindo o que havia prometido ao govenador de Pernambuco, desceu, com seus partidários, cerca de 400 palmarinos, da Serra da Barriga para uma localidade chamada Cucaú. Posteriormente, Ganga Zumba foi envenenado em sua própria aldeia. Zumbi passou a liderar Palmares e os que lá ficaram (os historiadores estimam que palmares tinha ao todo cerca de 10 mil habitantes).

Em 1694, o governador de Pernambuco João da Cunha Sotto-Mayor contratou o bandeirante Domingos Jorge Velho e sua tropa para destruir Palmares. Seis canhões foram usados para colocar abaixo a fortaleza do mocambo de Macacos, capital administrativa e militar de Palmares. O bandeirante contou com a ajuda de militares e autoridades locais.

Zumbi sobreviveu a essa última investida, mas em 20 de novembro de 1695, Antônio Soares, um dos homens de Domingos Jorge Velho, à frente de um grupo de 15 bandeirantes, o localizou e o matou. A cabeça de Zumbi foi levada a Recife e exposta em praça pública.

A partir de 2011, 20 de novembro passou a ser a data oficial para celebrar o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, de acordo com a Lei 12.519. Atualmente, 1.260 cidades brasileiras estabeleceram feriado nessa data, entre elas o município Rio de Janeiro.

Fonte:

DARIO FILHO, Luiz Pedro. Lealdade em construção: a (re)inserção de São Paulo nas malhas administrativas do Império português (1641-1698). Dissertação de mestrado. Departamento de História, UFF, 2016.

 
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