Localizada no limite entre os bairros de São Cristóvão e Santo Cristo, a Avenida Francisco Bicalho é o principal corredor de transporte a fazer a ligação entre o Centro, a Avenida Brasil e a Linha Vermelha. Também é um dos principais meios de acesso à Praça da Bandeira e ao Túnel Rebouças, e ainda abriga a movimentada Rodoviária Novo Rio. Todas essas características transformaram-na em uma das ruas de trânsito mais intenso e pesado da cidade.
Inaugurada durante a gestão do prefeito Pereira Passos (1902-1906), é parte integrante da grande reforma urbana ocorrida na época. Nasceu com o nome de Avenida do Mangue e como uma extensão da via que o Barão de Mauá havia aberto sobre o Aterrado de São Cristóvão, no final da década de 1850, e que, hoje, equivale à parte da Presidente Vargas que corta a Cidade Nova.
Da série Esse Lugar Tem História
Esse primeiro trecho da Avenida do Mangue foi construído a partir do aterro – iniciado nos tempos de D. João VI – e da canalização das águas do Mangal de São Diogo. Começava na Praça Onze, antigo Rocio Pequeno, e terminava na altura da Ponte dos Marinheiros, aonde chegavam as águas de um recôncavo da Baía de Guanabara chamado de Saco de São Diogo ou Enseada de São Cristóvão, onde ficava a Praia Formosa. O projeto, no entanto, era maior que o concluído por Mauá. Previa o aterro de todo o Saco, além da construção de uma extensão do canal, obra que começou a ser feita, ainda no período imperial, pela Comissão de Melhoramentos, criada em 1875, da qual Pereira Passos fazia parte.
Antes de seu aterramento, a Enseada de São Cristóvão era utilizada como área de estacionamento de embarcações e via pela qual elas adentravam para se abastecer de água potável, em uma bica localizada na foz do Rio Comprido. Em 1711, o Saco também foi usado pelo corsário francês René Duguay-Trouin como uma das vias de invasão da cidade, tendo instalado uma bateria de artilharia no alto do Morro de São Diogo. Hoje, só restam os vestígios dessa colina (um prolongamento do Morro do Pinto), onde havia uma pedreira que forneceu granito para a cidade por quatro séculos – dos tempos coloniais à década de 1960.
Em meados do século XVIII, depois da invasão de Trouin, a Ponte dos Marinheiros – ou melhor, sua primeira versão – foi construída junto com uma guarita e uma cancela, que visavam dificultar a entrada na cidade pela enseada. Serviam também de limite entre a urbe e a Fazenda de São Cristóvão (que incluía as terras da Tijuca, Grajaú, Vila Isabel e Engenho Novo), de propriedade dos jesuítas até eles serem expulsos, em 1759, por ordem do Marquês de Pombal.
Novo sistema urbano
O Saco de São Diogo e seus manguezais eram responsáveis pelo alagamento dos terrenos baixos de seu entorno e, por isso, tidos como “focos de miasmas”, que geravam ares pouco saudáveis para a cidade. Sob o comando da Comissão de Melhoramentos, o aterro da enseada – que se transformaria no segundo trecho da Avenida do Mangue, hoje Francisco Bicalho – começou a ser feito em 1880, com material oriundo do desmonte do Morro do Senado, localizado na Praça da Cruz Vermelha. Sua conclusão ainda incluiu o arrasamento das ilhas dos Melões e das Moças, que ficavam na desembocadura da enseada, altura da atual Rodoviária Novo Rio.
A obra foi feita aos poucos e sofreu várias interrupções por questões políticas. Com a chegada da República, o projeto passou por alterações e, finalmente, foi concluído durante a gestão do presidente Rodrigues Alves (1902-1906).
Além de fazer parte da reformulação da região portuária e da criação de um sistema urbano integrado, que tinha o propósito de facilitar a distribuição de mercadorias, promover o desenvolvimento comercial e o aumento da arrecadação fiscal, o projeto passou a ter um propósito crucial: o de melhoria da imagem externa da capital da República, conhecida, internacionalmente, pelas pestes que assolavam marinheiros e viajantes.
A coordenação das reformas do porto, a conclusão do aterro e a construção do segundo trecho da Avenida do Mangue ficaram a cargo de um dos mais experientes engenheiros do país: Francisco Bicalho. Com 95 metros de largura, a via surgida sobre o aterro do Saco de São Diogo foi inaugurada como a mais ampla de todas as avenidas da cidade na época.
Gasômetro
A nova infraestrutura da região portuária do Rio de Janeiro atraiu várias indústrias para o seu entorno. A de maior porte era a fábrica de gás, erguida na Avenida do Mangue (na confluência com outra via recém-aberta: a Avenida do Cais, atual Rodrigues Alves).
O Gasômetro começou a ser erguido em 1905, sendo inaugurado em 1911 pela empresa belga Société Anonyme du Gaz de Rio de Janeiro, controlada pela Light, que também controlava o fornecimento de energia elétrica para a cidade. Foi desativado na década de 2000, em função da substituição do gás manufaturado pelo natural.
Na verdade, esse foi o segundo gasômetro a existir na Avenida do Mangue. Nos tempos do Império, antes mesmo do início da construção de seu primeiro trecho (aquele que hoje integra a Presidente Vargas), o Barão de Mauá inaugurou ali uma fábrica de gás, com o principal objetivo de fornecer um combustível alternativo ao óleo de baleia, até então utilizado pelo sistema de iluminação pública.
Leopoldina
Projetada pelo arquiteto britânico Robert Prentice, a Estação Barão de Mauá começou a funcionar em novembro de 1926, para atender a uma nova demanda da Leopoldina Railway Company LTD, que havia construído um prolongamento da linha de São Francisco Xavier até o Cais do Porto. A companhia era composta por várias estradas de ferro – públicas e privadas – incorporadas ao longo do tempo, que cruzavam grande parte do estado do Rio de Janeiro, do Espírito Santo (até Vitória) e do sudeste e Zona da Mata mineiros.
Com 130 metros de fachada e quatro pavimentos, a Gare oferecia serviços refinados – cafeteria, charutaria, barbearia, agência bancária etc. – aos milhares de passageiros que por ela circulavam diariamente, com destino a vários bairros do Rio, à Baixada Fluminense, a Saracuruna, Magé, Região Serrana, Macaé, Campos, Espírito Santo e Minas Gerais. Com a Segunda Guerra Mundial e as dificuldades de aquisição de novos carros e peças de reposição, a Leopoldina Railway entrou em decadência, tendo sido incorporada à Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), em 1957.
A Estação Barão de Mauá foi tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural em 1991 e fechada pouco tempo depois da estadualização e subsequente privatização da estrada de ferro, na década de 1990. A Supervia, que ganhou os direitos de operar os trens de passageiros no Rio de Janeiro, concentrou os embarques das linhas da Leopoldina e Central do Brasil em um mesmo lugar.
Hoje, a Barão de Mauá está deteriorada e vive um imbróglio judicial sobre quem é responsável por sua manutenção e recuperação: o governo federal, o governo estadual ou a Supervia? A Estação da Leopoldina, contudo, continua sendo uma referência no transporte de passageiros, tendo, diante de seu prédio, um dos pontos de ônibus mais movimentados da cidade.
Rodoviária Novo Rio
Localizada no lado oposto ao do Gasômetro, a Rodoviária Novo Rio traz ainda mais tráfego à Avenida Francisco Bicalho. É o segundo maior terminal rodoviário da América Latina no quesito movimento de passageiros. Lá, embarcam e desembarcam cerca de 20 mil pessoas por dia em período normal, chegando a 40 mil em época de feriado. Mas o movimento diário de usuários é ainda maior: de 50 mil a 80 mil.
A rodoviária foi inaugurada em 1965 e fica onde se localizavam as ilhas dos Melões e das Moças, antes de terem sido arrasadas para a construção do aterro das avenidas Francisco Bicalho e Rodrigues Alves.
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