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A história das mulheres na ciência
11 Fevereiro 2020 | Por Carla Araújo
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Retrato de Hipátia, por Jules Maurice Gaspard (Domínio público)

Durante grande parte da história ocidental, as mulheres foram afastadas dos espaços de produção científica por questões culturais ou até mesmo por leis que impediam o ingresso delas em instituições de ensino. Porém, diversas mulheres lutaram contra essas exclusões e marcaram presença nas Ciências Exatas, na Medicina, na Filosofia e nas Ciências Sociais, contradizendo teorias que pregavam dificuldades especificamente femininas para se dedicar aos estudos e às atividades intelectuais.

Ideias baseadas nas obras de Hipócrates, nascido em 460 a.C. e considerado uma das figuras mais importantes da história da Medicina, sobre como a natureza feminina não combinava com a intelectualidade atravessaram a Antiguidade e a Idade Média permeando, também, os estudos de filósofos modernos como Immanuel Kant e Jean-Jacques Rousseau. No século XIX, Charles Darwin, nas publicações A origem das espécies (1859) e A descendência do homem e seleção em relação ao sexo (1871), colocava que, na espécie humana, sexo feminino era intelectualmente inferior.

Foi contrariando essas ideias e o fato de que a grande maioria das moças era iletrada até o início do século XIX que algumas astrônomas, matemáticas, médicas, físicas e químicas marcaram os nomes na história com descobertas que contribuíram para o avanço das ciências em diversas áreas.

Leia também: A história das mulheres cientistas no Brasil

Mulheres cientistas ao longo da história

As pesquisadoras da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Nadia Kovaleski, Cíntia Tortato e Marília de Carvalho, no artigo As relações de gênero na história das ciências: a participação feminina no progresso científico e tecnológico, resgatam o histórico da presença do gênero feminino nos saberes científicos desde o Egito Antigo. Elas pontuam que o importante não é saber por que um número pequeno de mulheres foram grandes cientistas, e sim questionar por que tão poucas ficaram conhecidas.

No Egito, destaca-se a existência de Hatexepsute, uma faraó médica que organizava expedições a fim de descobrir novas plantas medicinais. Na Grécia Antiga,Theano foi aluna e posteriormente casou-se com Pitágoras e escreveu livros de Matemática e Física.

Em Atenas, Platão seguiu a tradição pitagoriana de aceitar mulheres em suas aulas. Porém, as leis determinavam que as alunas deveriam se vestir como homens. Nas cidades gregas, existiam médicas e cirurgiãs, mas, em Atenas, elas foram acusadas de realizar abortos e uma lei passou a proibi-las de praticar a Medicina e a Ginecologia.

Disfarces para estudar
No livro L'Histoire des grands scientifiques français, o engenheiro francês Eric Sartori conta que, nos anos 300 a.C., uma jovem de família nobre chamada Agnodice se vestiu de homem para estudar em Alexandria. Ao retornar para Atenas, praticou a Medicina escondendo a identidade de todos, menos de suas pacientes. Logo, Agnodice tornou-se muito popular e outros médicos, revoltados com o sucesso da concorrente, a denunciaram. Ela foi condenada à pena de morte. Porém, no dia do julgamento, centenas de mulheres atenienses invadiram o tribunal protestando contra a sentença, que foi revogada.

Por volta de 370 d.C., Hipátia estudava Matemática e Astronomia e, em Alexandria, lecionou Matemática e Filosofia. Ela ficou conhecida como a primeira matemática da história e por ter inventado o densímetro, instrumento que permite medir a densidade de líquidos. Por defender o racionalismo científico grego, Hipátia acabou morrendo linchada por monges cristãos fundamentalistas.

Idade Média e Renascença

Na Idade Média, alguns monastérios aceitavam a presença de mulheres e uma abadessa (alto cargo religioso) tem destaque na história das cientistas. De origem alemã, Hildegarde Von Bingen redigiu, entre os anos 1151 e 1158, uma enciclopédia farmacêutica que descrevia trezentas plantas, minerais e metais com indicações terapêuticas. Naquele período, o centro médico europeu era a cidade de Salerno, na Itália, que se diferenciava pela significativa presença feminina entre os estudantes e, também, entre os mestres. Entre elas, a mais famosa foi a ginecologista e obstetra Trotula, que escreveu dois tratados médicos sobre a saúde da mulher.

A matemática e astrônoma Reine Lepaute (Domínio público)

A partir do século XIV e XV, ocorreu uma expansão de universidades por todo o território europeu e a maioria dessas instituições seguia a filosofia escolástica, que conciliava a fé cristã com um sistema de pensamento racional. Naquele mesmo momento, estudiosos redescobriram trabalhos de Aristóteles indicando que o gênero feminino era inferior ao masculino. O monopólio das universidades sobre a produção e transmissão dos saberes, somado a esses pensamentos, afastou ainda mais as mulheres da produção científica por um longo período.

No artigo Les intellectuelles de la renaissance, a historiadora francesa Eliane Viennot fala como o fim da Idade Média foi um período especial para os intelectuais, com o saber se tornando fonte de ascensão social e riqueza. Porém, o acesso ao mercado do saber era exclusivo aos homens e esse sistema permaneceu até o século XIX.

Em 1636, Descartes publicou, em francês, O discurso do método e, por rejeitar a escolástica das universidades, buscou discípulos entre pessoas que não tiveram contato com aquela filosofia. Nos anos 1700, damas da aristocracia inglesa e sueca estudavam e produziam conhecimento inspiradas pelas ideias cartesianas. Entre elas, a princesa Elisabeth da Boêmia, a rainha Cristina da Suécia, a viscondessa Anne-Finch Conway e a duquesa Margareth Cavendish.

Na Alemanha, nas primeiras décadas dos anos 1700, Marie Winkelmann Kirch descobriu um cometa e escreveu importantes tratados trabalhando ao lado do marido. Porém, com a morte dele, a Academia de Berlim lhe recusou um cargo oficial de astrônoma. Anos mais tarde, o mesmo cargo foi oferecido ao filho e, então, ela pôde se tornar sua assistente.

Durante a Renascença, a história identifica pesquisadoras em distintas áreas do conhecimento. O artigo Divulgando a visibilidade das mulheres na ciência, da professora da Unicamp Maria Conceição da Costa, evidencia nomes como Sophie Brahé, participante na observação de estrelas como assistente do irmão; Reine Lepaute, matemática e astrônoma que participou do cálculo do retorno do cometa Halley em 1759; e Maria Sybilla de Merian, que coletou inúmeras plantas e insetos no Suriname, publicou os resultados de seus estudos e ilustrou seus próprios livros.

As mulheres francesas e a revolução

Na França, as mulheres das classes mais altas passaram a frequentar cursos privados e a se reunir em salões para discutir questões literárias, filosóficas e científicas. Esses salões surgidos com o cartesianismo desapareceram com a aproximação da Revolução Francesa. Jean-Jacques Rousseau os atacava com veemência e era partidário a ideia de inferioridade e submissão feminina.

Sob as luzes do Iluminismo, a Revolução Francesa não estendia os ideais ao gênero feminino. “Preferirei ainda cem vezes mais uma mulher simples e pouco instruída a uma mulher culta e pedante que viesse estabelecer em minha casa um tribunal de literatura do qual se faria a presidente. Uma mulher pedante é o flagelo do marido, dos filhos, dos criados, de todo mundo. Da sublime altura de seu gênio, ela desdenha todos os seus deveres de mulher”, escreveu Rousseau, na obra Emílio ou da Educação, de 1762, em tradução das professoras Nadia V. J. Kovaleski, Cíntia de Souza Batista Tortato e Marilia Gomes de Carvalho, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

Marie Curie por volta de 1904 (Domínio público)

Após a Revolução Francesa e no início do século XIX, a ciência começa a se profissionalizar ainda mais. Com um grande esforço, mulheres continuavam a se apropriar do saber de forma autodidata e em aulas particulares. Como Émilie du Chatelet, que foi colaboradora de Voltaire e tradutora de Newton para o francês, além de publicar trabalhos que contribuíram para o desenvolvimento da física teórica no século XVIII.

Outras cientistas francesas são Sophie Germain que, privada pelos pais de frequentar escolas, aprendeu sozinha a Matemática e, no início da carreira, usava um pseudônimo masculino para se corresponder com outros matemáticos e Marie-Anne Paulze, esposa de Antoine-Laurent Lavoisier. Ela traduziu diversas obras de químicos ingleses e, nas notas da tradução, escrevia críticas que permitiram avanços consideráveis na química.

Descobertas e reconhecimento

A química Elizabeth Fulhame foi a primeira pesquisadora profissional da área e fez três descobertas primordiais: as reduções metálicas, a catálise e a fotorredução, primeiro passo rumo à fotografia. No fim do século XIX, a britânica Augusta Ada Byron King, condessa de Lovelace – atualmente conhecida apenas como Ada Lovelace –, participou ativamente da elaboração da ciência que se tornaria a Informática. Hoje é reconhecida por ter escrito o primeiro algoritmo processado por uma máquina.

A polonesa Marie Curie é uma das poucas cientistas que conseguiu destaque e reconhecimento enquanto viva. Em 1903, ela se tornou a primeira mulher a receber o prêmio Nobel de Física e, em 1911, foi agraciada com o Nobel de Química, tornando-se a primeira pessoa a conquistar o prêmio duas vezes. Curie é conhecida como a “mãe da física moderna” pela pesquisa pioneira sobre a radioatividade e por descobrir e conseguir isolar isótopos dos elementos polônio e rádio.

Chamada de Marie Curie alemã, Lise Meitner nasceu na Áustria, estudou radioatividade e participou da descoberta da fissão nuclear, tendo cunhado o termo junto com o sobrinho e colaborador Otto Hahn em publicação na revista científica Nature em 1939. Porém, em 1944, o Nobel de Química foi entregue apenas para Hahn.

A sociedade deve a uma cientista o uso da tecnologia wi-fi. A austríaca Hedwig Eva Maria Kiesler – conhecida como Hedy Lamarr – foi atriz e, também, inventora. Na década de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhou em conjunto com o pianista e compositor George Antheil para criar um sistema de controle de torpedos que não usava ondas de rádio. Nos anos 1960, a tecnologia de Lamarr foi adotada para controlar torpedos e comunicação e, atualmente, ainda é usada nas redes móveis, dispositivos bluetooth e wi-fi.

Mulheres cientistas na América do Norte e América Latina

As criações de uma cientista acabaram se tornando um grande império de cosméticos. A canadense Elizabeth Arden era formada em Enfermagem quando começou a criar fórmulas de cremes para o tratamento de queimaduras. Na década de 1910, mudou-se para Nova Iorque e abriu um salão onde começou a vender os produtos que ela mesmo desenvolvia. Em 1930, já possuía uma linha com mais de 600 cosméticos e a Elizabeth Arden Inc. existe até hoje.

A física chinesa Chien-Shiung Wu, em 1963 (Acervo Smithsonian Institution/Creative Commons)

As arqueólogas e antropólogas Isabel Ramirez, mexicana, e Zélia Nutal, norte-americana que viveu no México no início do século XX, foram marginalizadas pela comunidade científica e apenas nos anos 2000 tiveram suas pesquisas reconhecidas. A especialista argentina em Entomologia (especialidade da Biologia que estuda os insetos) Juana Miguela Petrocchi descreveu 11 espécies de mosquitos até então desconhecidos. Apesar de ser altamente recomendada pelo seu professor, não foi aceita como docente de Zoologia na Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Córdoba, em 1920.

A cientista e médica norte-americana Florence Rena Sabin estudou os sistemas linfático e imunológico do corpo humano. Tornou-se a primeira mulher a ganhar uma cadeira na Academia Nacional de Ciências do EUA, em 1925, e ganhou o título de “primeira-dama da ciência americana”. A Escala de Apgar, exame que avalia recém-nascidos nos primeiros momentos de vida, foi criada pela médica Virginia Apgar na década de 1950. Especialista em anestesia, ela também descobriu que algumas substâncias que eram usadas como anestésicos durante o parto prejudicavam os bebês. A bioquímica Gertrude Belle Elion recebeu o Nobel de Medicina em 1988 e criou medicações para amenizar sintomas de leucemia, herpes e HIV/Aids.

A física chinesa Chien-Shiung Wu foi premiada por instituições científicas e por universidades norte-americanas. Já formada em licenciatura em Física, foi para os EUA em 1936 continuar os estudos.  Na década de 1940, recebeu phD em Física estudando fissão nuclear e fez parte do Projeto Manhattan. Em 1958, tornou-se professora titular na Universidade de Columbia e, em 1976, foi eleita a primeira mulher presidente da American Physical Society e, também, recebeu a Medalha Nacional de Ciências, pavimentando o caminho para muitas outras estudiosas.

Fontes:
Portal Prêmio Nobel
Portal Ciência Hoje;
Portal Mulheres e Meninas na Ciência – FioCruz;
Mulher na ciência: ciência também é coisa de mulher, Mariane Rodrigues Cortes – UFF
As relações de gênero na história das ciências: a participação feminina no progresso cientifico e tecnológico, de Nadia Kovaleski, Cíntia Tortato e Marília de Carvalho – UTFPR;
Pioneiras da ciência no Brasil: uma história contada doze anos depois, Hildete Pereira de Melo e Lígia Maria Rodrigues – SBPC
L'Histoire des grands scientifiques français, Eric Sartori;
Les intellectuelles de la renaissance, Eliane Viennot;
Divulgando a visibilidade das mulheres na ciência, Maria Conceição da Costa – Unicamp;
Mulheres na ciência: por que ainda somos tão poucas?, Vanderlan da Silva Bolzani – Unesp
Mulheres e ciência: uma história necessária, Hildete Pereira de Melo e Lígia Maria Rodrigues – SBPC

 

 
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