Os estudos sobre a trajetória da educação pública brasileira têm destacado, cada vez mais, a intrínseca relação entre a arquitetura escolar e os projetos de ensino que marcaram o processo de escolarização de nossa sociedade. No caso do Rio de Janeiro, a história da construção de prédios voltados para a promoção da instrução primária pública tem início na década de 1870, quando a difusão de uma nova civilidade – conectada com o ideário da Revolução Industrial, que marcava o progresso europeu – passou a integrar o discurso de segmentos poderosos da sociedade, que começaram a colocar em xeque o governo imperial.
Antes disso, quem quisesse aprender a ler, escrever e contar de forma gratuita tinha que ingressar em uma casa-escola, em cujo prédio, alugado pelo governo, morava o mestre-escola (e sua família), que destinava uma sala específica para as aulas. Os alunos, por sua vez, frequentavam, a seu critério, as classes que achassem convenientes. Nesse modelo de instrução pública – implantado pelo primeiro-ministro português, o marquês de Pombal, em meados do século XVIII, quando o Brasil ainda era colônia –, os limites entre espaço público e privado eram difusos, sendo o fisiologismo um de seus vários problemas. Não raro, o mestre-escola era escolhido por alguma relação de favor, parentesco ou amizade, ainda que não tivesse a devida qualificação para exercer a função.
Na segunda metade do século XIX, além de todas as mudanças que ocorriam no cenário do mundo ocidental, novos atores sociais entraram em cena no país. Os recursos financeiros oriundos do café – que propiciaram a expansão do comércio e da classe média – e o aumento do número de imigrantes e da população negra livre eram fatores que tornavam cada vez mais urgente a necessidade de popularizar a instrução pública e civilizar a sociedade nos parâmetros da modernidade. Foi nesse contexto que dom Pedro II reverteu, para a construção de oito escolas públicas, os recursos da Associação Comercial, que, inicialmente, tinham sido doados para erguer um monumento em homenagem à vitória na Guerra do Paraguai.
As chamadas Escolas do Imperador não integraram, contudo, um projeto nacional para instrução pública, pois só atingiram a então capital brasileira. A maioria foi construída com características monumentais, nas áreas mais nobres do Rio. A imponência e o ar institucional de suas construções – bem diferentes das modestas e insalubres casas-escolas – cumpriam a função de se destacar no cenário da cidade, para gerar, no imaginário, conexões com a modernidade e os novos padrões civilizatórios europeus.
Academicismo
O estilo arquitetônico predominante dessas escolas, o neoclássico – de construção simétrica, com subdivisão em três corpos e alas separadas para meninos e meninas –, se misturava com alguns elementos ecléticos, que viriam a se tornar predominantes com a proclamação da República. Tanto o neoclassicismo como o ecletismo integram o academicismo arquitetônico da Escola Nacional Superior de Belas Artes, fundada na França em 1671, baseado em normas rígidas de simetria, composição, proporção e ornamentação.
Quando foi criada, a Escola de Belas Artes era expressão do nascente racionalismo iluminista. Buscava substituir a arte vista como emanação da autoridade divina por outra que expressasse a supremacia da razão humana e dos novos ideais de justiça e civismo. A diferença básica entre os neoclássicos e os ecléticos é a referência histórica na qual se baseiam. Enquanto os primeiros se inspiravam na antiguidade greco-romana, os segundos buscavam várias outras referências, para justapô-las numa única construção. O academicismo, no Brasil, foi implantado pela Missão Artística Francesa, composta por nomes como Taunay, Debret e Grandjean de Montigny, que vieram para cál em 1816, a pedido de dom João VI, para fundar a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, que só começou a funcionar, na verdade, em 1826, sob o nome de Academia Imperial de Belas Artes.
Muito embora os paradigmas trazidos por esses acadêmicos tivessem norteado a construção das Escolas do Imperador, os novos prédios não substituíram as precárias casas-escolas idealizadas nos tempos coloniais e que, segundo Armando Barros, historiador e professor do curso de Pedagogia da Universidade Federal Fluminense (UFF), continuaram predominando “até a primeira década do século XX, quando os prefeitos da cidade do Rio de Janeiro realizaram ações que rompiam o imobilismo, ainda que dando continuidade à desigualdade estrutural no acesso escolar”.
Ordem e progresso
Nas unidades de ensino construídas durante a Primeira República, o sentido de escola-monumento não só permaneceu como se fortaleceu. Afinal, apagar a imagem do atraso e do passado colonial era um objetivo ansiado e defendido pelos principais atores que articularam a queda do Império. Os ideais de “ordem e progresso” dos republicanos eram fundamentados no pensamento positivista da filosofia de Auguste Comte. Um de seus maiores defensores, no Brasil, foi Benjamin Constant, que, em 1890, promoveu uma reforma no ensino que, entre outras coisas, estabeleceu o sentido de educação laica, pública e universal e substituiu a predominância do currículo literário pelo científico.
Durante a gestão de Pereira Passos (1902-1906) na Prefeitura do Rio, deu-se o início da construção de 20 escolas, inauguradas gradualmente durante sua administração e na de seus sucessores, Souza Aguiar e Serzedello Corrêa. Do ponto de vista arquitetônico, o ecletismo, que misturava os mais diversos estilos europeus, dava o tom do cosmopolitismo moderno almejado, e o monumentalismo das construções sinalizava o papel que o sistema educacional deveria cumprir na sociedade.
Na opinião de Armando Barros, essas mudanças promovidas nos primórdios da República quebraram, parcialmente, o círculo vicioso da rede de favorecimentos que contratava professores não diplomados e pagava o aluguel de suas casas (normalmente a preços extorsivos), em troca da cessão de algum cômodo do imóvel para sala de aula. Mas, na verdade, o sistema de casa-escola persistiu e só foi totalmente abolido quando Anísio Teixeira, na década de 1930, assumiu a Diretoria-Geral de Instrução Pública e constatou que ainda havia 13 delas funcionando.
Apesar dos novos paradigmas estabelecidos desde a reforma de Benjamin Constant, a expansão da rede de ensino na Primeira República foi feita sem a realização de concurso público e se concentrou no Centro e na Zona Sul, quando a maioria das famílias se deslocava, com os filhos, para a Zona Norte da cidade. Além disso, a nova política educacional não cerceou o trabalho infantil. De acordo com Barros, cerca de 80% das crianças cariocas entre 7 e 15 anos trabalhavam até 12 horas diárias, nessa época.
Nos últimos anos da República Velha, o ecletismo alicerçado nas diversas influências europeias começou a ser substituído por outro, de referências nacionais, que valorizava o passado luso-brasileiro e se concretizou nas escolas construídas em estilo neocolonial. Era o prenúncio de muitas transformações educacionais e arquitetônicas, que culminaram com as reformas promovidas por Anísio Teixeira.
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