Distante apenas um quilômetro do continente, ao alcance em dez minutos por mar, o Palácio da Ilha Fiscal tem encantado os visitantes, a ponto de se tornar um dos pontos turísticos mais visados, seja pelos próprios cariocas, seja por quem vem de fora da cidade. Foi alçado pela imprensa a celebridade histórica porque ali aconteceu a derradeira celebração pública do regime monárquico. Menos de uma semana depois, a república foi instaurada e a família imperial brasileira mandada ao exílio.
Suntuoso local de trabalho
Também chamado de Palacete Alfandegário da Ilha dos Ratos – dizem que os roedores fugidos da Ilha das Cobras, logo ao lado, infestavam o lugar – o prédio foi projetado durante o Segundo Reinado para servir de posto aduaneiro da cidade. Se quisesse desembarcar a mercadoria, o capitão de cada navio estrangeiro deveria apresentar um relatório da carga transportada, que era então fiscalizada para o cálculo do imposto a ser pago. Em caso de discrepância, era, então, aplicada uma multa. Descrito assim, não faz nenhum sentido o esmero com o qual o palácio foi edificado. Acontece que a intenção de Dom Pedro II era, na verdade, apresentar um cartão de visitas imponente e à altura de um país que se pretendia grande.
Mesmo antes de as obras começarem, o projeto do engenheiro Adolfo del Vecchio recebeu medalha de ouro em uma exposição realizada, em 1881, na Escola Imperial de Belas Artes. Inspirado nas construções francesas do século XIV, em estilo neogótico provençal, foi concluído só oito anos mais tarde e inaugurado em 27 de abril de 1889. São marcantes as rosáceas e as curvas que terminam, de maneira muito característica, em formato de ogivas. A começar pela cor verde jade da fachada, tudo na arquitetura homenageia a Casa de Bragança.
O brasão da família, desenhado por Jean-Baptiste Debret, aparece em cantaria sobre a entrada principal. Adornos da técnica portuguesa de escultura em pedra, feitos por escravos artesãos, podem ser vistos por toda parte. Antônio Teixeira Rodrigues, conhecido como Conde de Santa Marinha e proprietário da pedreira Saudade da Urca, coordenou os trabalhos, utilizando rocha gnaisse que havia sido extraída do Morro do Pasmado. Até mesmo os vitrais coloridos a fogo e importados da Inglaterra destacam símbolos do império e as figuras da princesa regente Isabel e de sua majestade o imperador Dom Pedro II.
O palácio possui duas alas laterais com pequenas torres nas extremidades e um torreão no centro. Uma escada de 38 degraus, também confeccionada em cantaria, conduz ao segundo andar, onde ficava a sala do chefe da aduana. Ali, o piso de tábuas corridas dá lugar a um mosaico em marchetaria, confeccionado com 14 tipos diferentes de madeiras nobres brasileiras. Acima do aposento fica um relógio alemão de quatro faces de grandes dimensões – o mostrador tem 1,80 m de diâmetro – que servia para informar a hora local aos comandantes dos navios que chegavam à Baía de Guanabara, inclusive durante a noite, já que era iluminado. À direita fica a Ala do Cerimonial, composta por uma sala de estar e por uma sala de jantar, decoradas com mobília do fim do século XIX. O teto azul celeste representa o céu do Brasil, no qual 16 estrelas douradas simbolizam as províncias, forma como os atuais estados da federação eram chamados na época. A ideologia embutida na ostentação da Ilha Fiscal acabou culminando no último baile do regime monárquico brasileiro, realizado menos de uma semana antes da Proclamação da República, em 1889.
Propriedade da Marinha do Brasil
No fim de 1891, Deodoro da Fonseca renunciou à presidência da República, pensando em evitar a possibilidade de uma guerra civil, a consequência provável de uma crise institucional entre integrantes das Forças Armadas. O vice-presidente Floriano Peixoto não cumpriu o que determinava a Constituição – a realização de eleições gerais – e assumiu o cargo, o que provocou a Revolta da Armada, sufocada por completo apenas três anos mais tarde. Parte da Marinha rebelada se instalou na Ilha Fiscal e ali combateu por cerca de seis meses, ao fim dos quais o palácio estava bastante danificado. Nos anos 1990, o prédio sofreu uma grande reforma, após ser tombado pela Prefeitura do Rio e pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac). Em 2006, passou a ter iluminação especial, que, à noite, confere à construção uma beleza de contos de fadas. O espaço pode ser alugado para a realização de jantares, confraternizações e até para servir como set de filmagens.
Derradeiro baile
De acordo com historiadores, a festa realizada no Palácio da Ilha Fiscal foi o estopim para que os militares do Exército Brasileiro, fortalecidos a partir da Guerra do Paraguai (1864-1870), decretassem o fim da monarquia constitucional parlamentarista, no dia 15 de novembro de 1889. O Baile da Ilha Fiscal, que aconteceu no dia 9 de novembro, era, na verdade, uma tentativa de reafirmar a importância do regime e o prestígio de Dom Pedro II, bastante abalado desde a abolição da escravatura no ano anterior. Para efeitos protocolares, tinha o objetivo de oferecer uma grande festa aos comandantes e oficiais da marinha chilena, representados pelo Encouraçado Almirante Cochrane, para retribuir a boa recepção oferecida à tripulação de um navio brasileiro em sua visita a Valparaíso, no Chile.
A população se amontoava junto à ponte de embarque do Cais Pharoux, próximo ao Paço, para assistir ao desfile dos convidados que chegavam, embalados pela música da Banda de Polícia. Planejado para receber dois mil convidados, estima-se que o evento tenha contado com cerca de cinco mil pessoas. Toda a ilha foi enfeitada com bandeirinhas em verde e amarelo, pelo Brasil, e azul e vermelho, cores do Chile. Lanternas venezianas à luz elétrica, uma novidade para a época, arrematavam a cenografia. Duas orquestras completas executavam a sequência de danças da moda descrita no convite: quadrilha, valsa, polca, lanceiros, mazurca e galope. A família imperial se retirou cedo, à 1h, após o brinde do Visconde de Ouro Preto, que era presidente do Conselho de Ministros e ocupava o cargo de primeiro-ministro. Ao mesmo tempo em que a nação chilena era homenageada, uma salva partiu de todos os navios fundeados e de todas as fortalezas da Baía de Guanabara, seguida do apito das lanchas e barcas ao redor. O banquete, que demandou uma tropa de 50 cozinheiros e o triplo de copeiros, incluía 15 pratos frios, 11 pratos quentes e 12 tipos de sobremesa, além de 12 mil porções de sorvete de sabores variados. Para acompanhar, foram servidos 10 mil litros de cerveja e 304 caixas de outras bebidas, entre vinhos, champanhe e licores diversos. Para o preparo das iguarias foram consumidos 800 kg de camarão, 500 perus e 64 faisões, entre outros ingredientes.
Dom Pedro II chegou usando casaca de almirante e, dizem, profeticamente caiu depois de tropeçar, logo na entrada do Palácio. Vinha acompanhado da imperatriz Teresa Cristina e do neto Pedro Augusto, filho de Isabel e de Conde D’Eu, que chegaram atrasados. O jovem príncipe foi o único representante da família que valsou. A noite memorável ficou retratada no quadro de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, chamado de O Último Baile da Monarquia.
Enquanto isso, no Clube Militar, presididos pelo tenente-coronel Benjamin Constant, expoentes militares tramavam um golpe contra o Gabinete Imperial. Embora ninguém duvidasse, até então, da integridade de Dom Pedro II, nem de sua legitimidade à frente do país, rumores questionavam a sucessão, uma vez que a herdeira do trono seria a Princesa Isabel, casada com um estrangeiro. O baile, no entanto, gerou especulações de que as despesas tivessem sido financiadas com recursos desviados do fundo de combate à grande seca que flagelava o Nordeste desde 1877.
Ciência e História
Nos primeiros anos do século XX, foi construído um novo porto para o Rio de Janeiro, desde a atual Praça Mauá até a Ponta do Caju. A ampliação do transporte de passageiros e de mercadorias se refletiu, também, no controle aduaneiro, que deixou de ser feito na Ilha Fiscal. Em 1913, o palácio se tornou propriedade da Marinha do Brasil, que fez a troca pelo vapor Andrada com o Ministério da Fazenda. Durante décadas, funcionou no local a Diretoria de Hidrografia e Navegação. Em 1997, o ex-ministro da Marinha Mauro César Pereira Rodrigues idealizou um projeto museográfico que foi implantado dois anos depois. Uma exposição histórica permanente exibe peças de vestuário, leques, joias, cartolas, bengalas e até o convite original do último baile do império brasileiro. Mas há, também, exposições temáticas, que mostram a contribuição militar no desenvolvimento científico do país. Como a que detalha o funcionamento da Base Comandante Ferraz, do Programa Brasileiro na Antártica.
A visita ao Palácio da Ilha Fiscal começa com a compra de ingressos no Espaço Cultural da Marinha (ECM), situado no Boulevard Olímpico. O trajeto por mar leva dez minutos na Escuna Nogueira da Gama. Eventualmente, também pode ser utilizado um micro-ônibus, que percorre um estreito trecho de ligação com a Ilha das Cobras, aterrado em 1930, à qual se chega pela Ponte Arnaldo Luz, que dá acesso ao continente. Embarcações antigas e relíquias da história naval, além de um navio e um submarino, completam o complexo turístico do ECM.
Serviço:
Espaço Cultural da Marinha
Boulevard Olímpico
Saídas de quinta-feira a domingo, às 12h30, 14h e 15h30.
Inteira: R$ 25
Meia: R$ 12 (para estudantes, maiores de 60 anos, menores de 21 anos, professores, portadores de necessidades especiais, militares e seus dependentes)
Gratuidade para crianças de até 2 anos e para guias de turismo no exercício da atividade.
Telefone:
Segunda a sexta-feira: 2532-5992 / 2233-9165
Sábados, domingos e feriados: 2104-5506 / 2104-5493 / 2104-6691
Fontes:
Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha
Site Rio de Janeiro Aqui
ZAMITH, Rosa Maria Barbosa. A quadrilha: da partitura aos espaços festivos: música, dança e sociabilidade no Rio de Janeiro oitocentista. Rio de Janeiro: E-papers, 2011.
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