Assim como acontece entre pessoas, certas construções têm a sorte de ser concebidas e existir sob os auspícios de uma boa estrela. A história do Palácio Gustavo Capanema, também conhecido como o prédio do Ministério da Educação e Cultura (MEC) no Rio de Janeiro, confirma a hipótese. Resultado da ação conjunta de mentes brilhantes, três anos depois de inaugurado já tinha sido tombado como patrimônio histórico, o que fez com que se conservasse com alterações mínimas do projeto original. No momento, o palácio passa por obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas, do governo federal, que devem levar pelo menos mais três anos para serem concluídas. As repartições que funcionavam na Rua da Imprensa, número 16, foram transferidas para o Centro Empresarial Cidade Nova, mais conhecido como o Edifício do Teleporto.
Disputa entre paixões
O Plano de Remodelação, Extensão e Embelezamento da Cidade do Rio de Janeiro, elaborado na administração do prefeito Antônio Prado Júnior (1926-1930) pelo arquiteto francês Alfred Agache, contemplava a nova configuração da esplanada que se originou a partir do desmonte do Morro do Castelo. O Palácio Gustavo Capanema fazia parte do esquema programático que deu origem a novos ministérios e suas monumentais instalações no governo Vargas. Sedes para o Ministério do Trabalho, inaugurada em 1938, e para o Ministério da Fazenda, em 1943, foram construídas lado a lado, no eixo principal da Avenida Presidente Antônio Carlos. Numa área subjacente foi instalado o prédio do então Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública (Mesp) – criado por Getúlio Vargas em 1930 e ocupado por Gustavo Capanema desde 1934 –, que só ficou pronto em 1945.
Dez anos antes, o ministro já havia proposto a realização de um concurso de projetos para o edifício-sede de sua pasta. Dos 35 inscritos, apenas três passaram à fase de classificação. Embora os vencedores tenham sido Archimedes Memória, também autor do projeto do Museu Histórico Nacional, e Francisque Cuchet, com uma proposta em estilo clássico e ornamentação marajoara, o ministro preferiu encomendar uma opção mais em consonância com a arquitetura moderna, convidando Lucio Costa para a empreitada.
Afastado da docência na Escola Nacional de Belas Artes por causa de sua inclinação vanguardista, sendo coincidentemente substituído por Archimedes Memória, Costa assumiu a coordenação de uma equipe composta por Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcellos, Jorge Machado Moreira e Oscar Niemeyer. Admirador da obra de Le Corbusier, também conseguiu convencê-lo a prestar consultoria para a elaboração do projeto do palácio. Foi assim que o arquiteto franco-suíço desembarcou no Rio de Janeiro em 12 de julho de 1936, após uma viagem de cinco dias a bordo do Graf Zeppelin.
Reviravoltas e definições
O loteamento escolhido ficava na área conhecida como Quadra F. Ao analisar o plano urbanístico para o entorno, Le Corbusier se deu conta de que, em breve, o palácio estaria cercado de construções menos expressivas, e por isso propôs a transferência para uma área situada na Avenida Beira Mar, próxima à localização atual do Museu de Arte Moderna. Também tratou de revisar o projeto inicial elaborado pelos arquitetos brasileiros, que considerou pouco arrojado. Como a permuta de terrenos não era viável, antes de retornar à Europa, Le Corbusier rascunhou um projeto alternativo para a Quadra F, que acabou não sendo realizado. Em lugar dele, Lucio Costa e seus assistentes retomaram o estudo anterior do mestre como base, verticalizando, no entanto, a perspectiva horizontal do bloco principal, a fim de adaptá-la ao espaço disponível no bairro do Castelo.
Outra alteração significativa foi trocar a proposta de um corredor estreito com todas as salas do mesmo lado por salas dispostas em ambos os lados de um corredor central, no qual divisórias de meia altura substituíram as paredes, melhorando a ventilação e oferecendo mais flexibilidade na ocupação do espaço. Desde sua inauguração, o prédio abriga instituições como a Biblioteca Euclides da Cunha, a Biblioteca Noronha Santos, o Arquivo Central do Iphan, o Arquivo Sonoro e o Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional.
Forte integração entre arquitetura, paisagismo e artes plásticas
Para conceber o Palácio Gustavo Capanema, o grupo de arquitetos buscou ater-se aos cinco elementos de referência do trabalho de Le Corbusier: uso de pilotis, planta livre, terraço-jardim, fachada livre e janelas horizontais. Além disso, a equipe também não perdeu de vista princípios metodológicos, relacionados à utilização racional dos materiais, aos métodos econômicos de construção, à linguagem formal sem ornamentos e ao intercâmbio com a tecnologia industrial. Por esses motivos, a sede do MEC no Rio de Janeiro é considerada o marco de virada da arquitetura moderna brasileira.
O aproveitamento da ventilação e luz naturais se faz por meio de lâminas horizontais móveis colocadas na fachada norte. Conhecido como brise-soleil, o sistema tinha sido inventado por Le Corbusier três anos antes, e foi ali utilizado pela primeira vez em larga escala. O curtain wall, que é uma fachada envidraçada orientada para a face menos exposta ao sol, também teve sua estreia mundial como tecnologia inovadora na sede do Mesp.
As instalações, os materiais de acabamento e o mobiliário desenhado especialmente para o palácio foram preservados sob condições de excepcionalidade graças a uma conjuntura bastante favorável, facilitadora de sua inscrição no Livro do Tombo das Belas-Artes, em 1948: o fato de o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) funcionar no prédio desde a sua inauguração e ter como chefe da Divisão de Estudos e Tombamentos o próprio Lucio Costa. Com o tempo, surgiu a necessidade de algumas alterações, como a introdução de divisórias altas de madeira para a criação de gabinetes.
Com 16 pavimentos, o edifício tem 27.536 metros quadrados de área construída e é formado por dois blocos que se interceptam perpendicularmente, formando uma letra T invertida. A construção vertical está suspensa por colunas de dez metros de altura, que atravessam todo o edifício até o último andar. No térreo da construção horizontal se localiza o hall de entrada, à direita do qual, acima de uma porta, está estrategicamente inscrita uma frase destinada a causar impacto em quem entra no prédio, dizendo: “O ensino é matéria de salvação pública”. Ao lado da escada em formato de hélice, que leva ao mezanino, existe um busto de Getúlio Vargas em mármore branco, esculpido por Celso Antônio de Menezes. Mais adiante fica a Livraria Mário de Andrade, especializada em publicações editadas pela Fundação Nacional de Arte (Funarte) na área de literatura, teatro, dança, cinema, artes plásticas, fotografia, música e folclore, além de partituras do maestro Heitor Villa-Lobos e LPs para colecionadores. Uma antiga garagem foi remodelada a fim de abrigar a Sala Funarte, planejada para espetáculos de MPB, com capacidade de 250 lugares.
História se confunde com vida de Portinari
Como o gabinete do ministro ficava no mezanino, havia diversos espaços especiais de convívio ao redor. Um deles é, hoje, o Salão de Conferências Gilberto Freyre, com 400 lugares e reversível para apresentações de música de câmara e projeções de cinema. É ali que estão dois importantes murais em afresco pintados por Candido Portinari: Primeira aula do Brasil e Aula de canto. Ao lado fica o Salão de Exposições Carlos Drummond de Andrade, que tem extensão para um terraço-jardim.
Existe, ainda, o Hall Nobre, também conhecido como Salão Jogos Infantis, onde está um grande afresco de Portinari de mesmo nome e que dá acesso a salas onde se encontram telas de outra série sua, batizada de Os quatro elementos. No antigo gabinete do ministro fica a tela Ar. No que pertencia a Carlos Drummond de Andrade está a tela Água. Fogo e Terra estão em gabinetes ao lado. No mesmo pavimento, o Salão Portinari exibe 12 afrescos que formam um grande mural representando fases da economia do país – os Ciclos econômicos do pau-brasil, cana-de-açúcar, gado, garimpo, fumo, algodão, erva-mate, café, cacau, ferro, carnaúba e borracha.
O artista desenhou, também, os azulejos que fazem o revestimento externo e são um dos pontos altos do conjunto arquitetônico. O emprego da azulejaria marcou a revalorização de uma tradição da arquitetura luso-brasileira. São de sua autoria seis dos sete painéis – o último é assinado por Paulo Rossi, que produziu a totalidade das peças reproduzindo as mesmas tonalidades dos azulejos do Outeiro da Glória, usando um óxido de cobalto que os portugueses importavam de Angola no século XVIII. Os dois escolheram motivos marinhos como tema, provavelmente porque, naquela época, ainda não existia o Aterro do Flamengo e, assim, existia uma maior proximidade da Baía de Guanabara. Também integram o conjunto da fachada placas de gnaisse facoidal, extraído do Morro da Viúva, que recobrem uma área de 5.400 metros quadrados.
Quando Portinari morreu, em 6 de fevereiro de 1962, intoxicado por metais pesados contidos nas tintas que usava para trabalhar, seu velório foi realizado no Palácio Gustavo Capanema. Estiveram na cerimônia o ex-presidente Juscelino Kubitschek, os comunistas Luís Carlos Prestes e Carlos Marighella, e o governador anticomunista Carlos Lacerda, que decretou luto oficial de três dias no estado da Guanabara.
Presença feminina
Gustavo Capanema escolheu a dedo os maiores expoentes da época para a produção das obras de arte que iriam integrar o acervo do Mesp. Celso Antônio de Menezes produziu três esculturas – a Mulher reclinada, em granito cinza, colocada inicialmente no terraço-jardim do ministro, depois realocada junto à escadaria do salão de exposições; Maternidade, que ficava neste lugar e foi levada para a Praia de Botafogo a pedido de Lucio Costa, por achar que não harmonizava com a linguagem arquitetônica do edifício; e Mulher de cócoras, também chamada de A índia, instalada no escritório do presidente do Iphan. Bruno Giorgi confeccionou Jovem de pé, situada no vestíbulo do elevador privado do ministro. Adriana Janacópulos criou Mulher sentada, em granito vermelho, também colocada no terraço-jardim do ministro.
Jacques Lipchitz assina a escultura em bronze Prometeu e o abutre, instalada numa das fachadas do prédio. Já o paisagismo é de Roberto Burle Marx. O projeto dos jardins do térreo tem canteiros que imitam ondas com vegetação exclusivamente tropical, onde o Monumento à juventude brasileira, esculpido em granito por Bruno Giorgi, está voltado para a entrada do prédio, como uma metáfora do público-alvo da atuação da pasta. São também de Burle Marx o terraço-jardim do mezanino e os jardins no 16º pavimento, do qual se tem uma vista panorâmica da cidade. Em 1986, o restaurante que ficava no mesmo piso foi transformado em salas de trabalho, mas a previsão é de que ele volte a funcionar, a partir da conclusão das obras do PAC.
Humor e alguma poesia
Carlos Drummond de Andrade era chefe de gabinete do ministro Gustavo Capanema e assim descreveu, em seu diário, a chegada ao novo endereço de trabalho: “Dias de adaptação à luz intensa, natural, que substitui as lâmpadas acesas durante o dia; às divisões baixas de madeira, em lugar de paredes; aos móveis padronizados (antes, obedeciam à fantasia dos diretores ou ao acaso dos fornecimentos). Novos hábitos são ensaiados. Da falta de conforto durante anos devemos passar a condições ideais de trabalho. Abgar Renault resmunga discretamente: ‘Prefiro o antigo’. (...) Das amplas vidraças do 10º andar descortina-se a baía vencendo a massa cinzenta dos edifícios. Lá embaixo, no jardim suspenso do Ministério, a estátua de mulher nua de Celso Antônio, reclinada, conserva entre o ventre e as coxas um pouco da água da última chuva, que os passarinhos vêm beber, e é uma graça a conversão do sexo de granito em fonte natural. Utilidade imprevista das obras de arte”. Descontente com o governo Vargas, no entanto, Drummond acabou pedindo demissão do cargo ainda em 1945.
As anotações do poeta mineiro não são as únicas honrarias que ficaram registradas por escrito. O poema Azul e branco, de Vinicius de Moraes, descreve ao mesmo tempo em que homenageia o palácio, fazendo referência clara às cores dos azulejos e às formas que deles se sobressaem, como conchas e cavalos-marinhos. Um dos desenhos formados por azulejos, no entanto, ficou de fora. Era um singelo motivo de peixinho, que, em cardume, compunha a parte interna do painel. Em 1984, no almoxarifado do prédio, foram encontrados 29 caixotes contendo 1.600 azulejos, armazenados desde 1942, quando o todo-poderoso ministro Gustavo Capanema mandou que fossem retiradas da fachada as peças já assentadas nas paredes, alegando resultado estético não “satisfatório”. Mas o fato é que ele suspeitou de uma caricatura, dado o desgaste nas relações com Portinari, que chegou a desabafar em carta a Mário de Andrade: “Estou ansioso para acabar os trabalhos que faltam no Ministério – foi um trabalho que não me satisfez em nenhum sentido. Mesmo que tivesse feito grátis, mas realizado sem tanta intervenção, teria valido a pena”.
Efervescência política
Apenas no segundo governo Vargas, em 1953, foi criado um ministério específico para a saúde, quando a pasta da qual se originava passou a se chamar Ministério da Educação e Cultura. A inauguração de Brasília, em 1960, levou à transferência dos ministérios para o Planalto Central, mas o Palácio Capanema, também chamado de Palácio da Cultura, se manteve como um norte para os intelectuais cariocas. Recentemente, a vocação para palco de manifestações importantes durante o regime militar (1964-1985) ressurgiu. Com o processo de impeachment de Dilma Rousseff, Michel Temer assumiu a Presidência da República interinamente em 12 de maio, e na sequência extinguiu nove ministérios, entre os quais o da Cultura, que havia sido criado de forma independente em 1985 e, agora, voltava a se unir ao da Educação. Mas a mobilização da classe artística na cidade, que teve forte apoio popular, com realização de shows e debates nas instalações do Palácio Gustavo Capanema, fez com que o presidente voltasse atrás na decisão, poucas horas após o Senado Federal votar a destituição definitiva de Dilma, em 31 de agosto de 2016.
Fontes:
RIBEIRO, Paulo Eduardo Vidal leite. Palácio Gustavo Capanema – Processo de restauração e revitalização. Disponível em: <docomomo.org.br>
Portal G1, Folha de S.Paulo, Enciclopédia Itaú Cultural, Veja, O Globo, Época, Site Vitruvius
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