Embora seja um dos personagens mais polêmicos da história carioca, é unanimidade que o engenheiro Francisco Pereira Passos foi o prefeito do Rio que promoveu as transformações mais radicais na cidade. Redefiniu de tal forma o paradigma de ocupação do espaço urbano da então capital federal, durante o período em que governou a cidade (1902-1906), que a reforma promovida por ele produziu efeitos urbanísticos durante todo o século XX e produz até os dias de hoje.
Nascido em 29 de agosto de 1836, no município fluminense de Piraí, Francisco Pereira Passos, filho do Barão de Mangaratiba e de dona Clara Oliveira Passos, é tido como o “Haussmann Tropical”, em alusão ao prefeito do Departamento de Seine, Georges-Eugène Haussmann, que, em meados do século XIX, pôs abaixo os densos bairros medievais parisienses, para deles fazer emergir uma nova metrópole. Passos, na verdade, foi testemunha ocular da transformação pela qual passou a cidade que viria a se tornar o modelo urbano dos novos tempos: Paris, a cidade racional, saneada, arejada, iluminada, embelezada, tecnicamente planejada, com largas avenidas arborizadas, símbolo da nova ordem capitalista.
Naquela época, entre 1857 e 1860, Pereira Passos – bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas, formado pela Escola Militar do Rio de Janeiro – completou seus estudos de Engenharia na École Nationale des Ponts et Chaussés, universidade de onde saiu a maioria dos arquitetos e engenheiros que assessoraram Haussmann em sua empreitada. Na França, além de trabalhar como adido na delegação brasileira, ainda praticou engenharia na construção da Estrada de Ferro Paris-Lión-Mediterranée; nas obras do Porto de Marselha e na abertura do túnel do Monte Cenis.
De volta ao Brasil, detentor de conhecimentos de engenharia de última geração, Pereira Passos trabalhou na construção de várias linhas férreas do país. Em 1874, foi nomeado engenheiro do Ministério do Império, recebendo a incumbência de integrar a comissão que elaborou o Plano de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro, que previa alargamento de ruas, canalização de rios, derrubada de morros, aterramentos, remodelação arquitetônica e construção de grandes e largas avenidas.
Ruas estreitas sobrecarregadas de tráfego, aglomerados residenciais degradados e sem saneamento básico, imundice, promiscuidade, mau cheiro e epidemias davam o tom do centro do Rio daquela época. Tais condições insalubres acabaram rendendo à cidade – que recebia levas de imigrantes que vinham trabalhar nas lavouras de café – a fama mundial de “Cemitério de Europeu”. Mesmo assim, o Plano de Melhoramentos não saiu do papel durante o Império. Os relatórios produzidos pela comissão que os elaborou serviram, contudo, de esboço para o plano diretor que viria a ser adotado por Pereira Passos, como prefeito do Distrito Federal, durante a presidência de Rodrigues Alves.
Em 1882, Passos assumiu a presidência da Companhia de Carris de São Cristóvão, que explorava linhas de bondes de tração animal entre o Centro e a Zona Norte. Em 1884, propõe à empresa a aquisição do projeto de construção de uma grande avenida no centro da cidade. O projeto foi comprado, aprovado, mas não saiu do papel, em função da burocracia e das condições políticas dos últimos anos do regime imperial. O projeto foi, entretanto, uma espécie de antecipação da futura Avenida Central (atual Rio Branco), que seria construída durante a gestão de Pereira Passos como prefeito da então capital do país.
Novos nexos republicanos
As condições políticas e econômicas para pôr em prática o Plano de Melhoramentos, a reforma do porto e o projeto de construção de uma grande avenida, nos moldes dos novos bulevares franceses, só chegaram durante o governo republicano de Rodrigues Alves (1902-1906). Nomeado prefeito pelo então presidente, Pereira Passos recebeu poderes quase que ilimitados para promover o processo de demolição das residências, cortiços e cabeças de porco da região central, a fim de fazer emergir uma nova cidade conectada com “a ordem e o progresso” da sociedade científica e tecnológica, da qual Paris se tornou símbolo.
Segundo o historiador Nicolau Sevcenko, esse processo foi saudado com simpatia pela grande imprensa, que o denominou de “Regeneração”, ao passo que os despejados sumariamente, a maioria sem ter para onde ir, o batizaram de “Bota-Abaixo”. Seja com qual nome se queira referir à demolição/reconstrução do centro da cidade, seu marco foi a inauguração, em 1904, do eixo do novo projeto urbanístico: a Avenida Central (atual Rio Branco), que, após um concurso de fachadas, foi agraciada com uma arquitetura art nouveau. Para complementar os ares parisienses da cidade regenerada, Pereira Passos ainda importou pardais, as aves-símbolo da capital francesa.
No livro República dos Bruzundanga, o escritor Lima Barreto comenta a reforma: “De uma hora para outra a antiga cidade desapareceu e outra surgiu como se fosse uma mutação de teatro. Havia mesmo na coisa muito de cenografia”. Tamanha e tão rápida transformação surtiu efeito no imaginário republicano. Em 1908, quando o então prefeito Francisco Marcelino de Souza Aguiar dava prosseguimento às obras iniciadas por seu antecessor, o jornalista Coelho Neto descreveu o Rio como “Cidade Maravilhosa”, em uma crônica no jornal A Notícia, enaltecendo as belezas da capital brasileira.
Poucos anos após deixar todo esse legado urbanístico e simbólico para o Rio de Janeiro e a jovem República do Brasil, Francisco Pereira Passos morre, no dia 12 de março de 1913, a bordo do navio Araguaia.