O cinema brasileiro não tem sido pródigo em produzir filmes originados de adaptações da literatura infantil. Nada parece indicar que o mercado audiovisual e o editorial tenham planos para um estreitamento de diálogo. Foi pensando nisso que a oitava edição do Fórum sobre Políticas, Narrativas e Linguagens do Cinema Infantil no Brasil, realizado no fim de setembro, no Rio de Janeiro, organizou um painel específico para tratar do assunto e, quem sabe, vislumbrar alguma luz.
Mediada pela produtora cultural independente Alzira Valéria, a mesa de debate contou com a presença de representantes de ambos os lados envolvidos na questão. Paula Drummond, editora de selos voltados para o público infantojuvenil da Rocco; Isabela Santiago, gerente de comunicação e marketing da Editora Zahar; Sandra Vale, consultora de gestão e desenvolvimento institucional da ONG Promundo; e a diretora, roteirista e produtora Janaína Diniz Guerra.
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Histórias em quadrinhos, livros e filmes possuem estéticas bastante diferentes. Adaptar bem uma obra demanda, portanto, conseguir transitar entre linguagens distintas sem trair a essência do produto original, como frisou a mediadora. Sandra Vale, no entanto, foi mais fundo, ampliando a discussão do caráter de forma para o de conteúdo: “Eu tenho dúvidas se as produções audiovisuais e editoriais voltadas para o público infantil conseguem contemplar a diversidade da infância brasileira”.
Uma das maiores dificuldades para as editoras é conseguir circunscrever com clareza as distintas faixas de público. Na Zahar, foram criadas categorias – leitura compartilhada, leitura em processo e leitura fluente – para distinguir os grupos de publicações em função da habilidade e da autonomia da criança para ler. “Falar em literatura infantojuvenil é complicado”, reconheceu Paula, afirmando que, para o mercado editorial, é muito interessante quando existe a adaptação. “Fica mais fácil vender para as livrarias.” Aquela obra que já teve aceitação recebe, mais uma vez, um reconhecimento. “Assim são gerados novos gêneros narrativos, originados da maneira como o público entende a convergência dessas linguagens de arte”, explicou Adriana.
Diferença entre o “tempo do livro” e o “tempo do filme”
Janaína Diniz apontou características bem distintas entre a literatura e o audiovisual. “Além da linguagem e dos signos utilizados, existe uma enorme diferença orçamentária – sai bem mais barato fazer um livro do que um filme. Existe, também, uma diferença de comunicação, já que livros são mais fáceis de serem levados às escolas. E, ainda, de tempo de consumo: um livro ainda pode contar com algum tempo para virar best-seller. Mas, com o audiovisual, é na largada. Ele precisa atingir o público de imediato ou, então, só fica em cartaz no cinema por uma semana. O filme envelhece mais rápido do que o livro.”
Recentemente, a Zahar passou por uma experiência pouco comum: “Os Detetives do Prédio Azul fizeram o caminho inverso. A autora Flávia Lins e Silva partiu do roteiro audiovisual para o produto livro, transformando a série live-action exibida no canal por assinatura Gloob em literatura”, comentou Isabela Santiago. Sem dúvida que tudo funciona melhor se o autor do livro e o roteirista são a mesma pessoa. “A série se comunica direto com o público e forma o leitor”, observou Janaína.
A mesma lógica funciona quando se fala de internet. “Estamos no meio de uma onda de livros lançados por youtubers”, lembrou Paula. “É uma coisa muito viva e a editora negocia direto com o autor.” Mas há casos de best-sellers literários que não deram certo no cinema. O Menino Maluquinho, livro e HQ de Ziraldo, dos anos 1980, por exemplo, não repetiu o mesmo sucesso quando levado à tela grande, em 1995.
A concorrência com os filmes estrangeiros fica ainda mais difícil porque, no Brasil, o mercado infantil é considerado menor e, com isso, a política de fomento para o audiovisual acaba sendo de baixo orçamento. “A força do mercado internacional inviabiliza as produções nacionais. O que é uma pena porque, especialmente em animação, existe muita gente de talento que não chega até o cinema. Quando consegue, falta divulgação. A verba de comunicação é sempre a primeira a ser cortada...”, lamentou Sandra. “Não adianta ter uma produção coerente e qualificada se, quando chego na ponta do processo, não tenho como distribuir o filme. Faltam políticas públicas no nível estadual e no nível municipal.”
Importância da formação de plateia e de leitores
Houve um consenso no painel de que, neste particular, políticas públicas fazem diferença. Um bom exemplo é a Lei 13.006/2014, que inclui o cinema nacional na grade curricular da Educação Básica com no mínimo duas horas mensais de exibição, e tem garantido algum avanço no setor. As debatedoras lembraram que alguns realizadores já sugeriram, inclusive, a criação de uma espécie de Netflix brasileiro, que seria uma gigantesca plataforma digital de distribuição de todos os filmes já produzidos no país.
Para elas, uma vez que o maior público é o da TV aberta, uma concessão do Governo Federal, deveria ser estipulada uma cota de 10% ou 20% para exibição de filmes infantis nacionais, gerando lucro ou não, para que a criança brasileira conheça essa parcela da cultura nacional. “Existem contistas maravilhosos no Brasil e seus textos também podem se transformar em audiovisual. A compreensão de que a finalidade não é financeira e tem um retorno essencialmente educativo precisa ficar mais viva na percepção das editoras e dos autores”, concluiu Janaína. Da plateia, Márcio Trigo, que trabalhou na TV Globo, onde dirigiu, entre outros programas infantis, O Sítio do Picapau Amarelo, acha que vale brigar pela volta da lei do curta-metragem (Lei 6.281/1975), que entre os anos 1970 e 1990 obrigava a exibição de curtas nacionais antes do início de todas as sessões. “A escola é perfeita para o curta e para o conto.”