A primeira infância costuma ser cercada de bichinhos. Os protagonistas dos livros, dos desenhos animados e dos filmes são quase sempre animais, sem falar que eles também estão, fofamente, estampados nas roupas, nos acessórios, nas decorações infantis, nas capas de caderno e nos murais das escolas. A identificação das crianças com os bichos é tão positiva que alguns pedagogos, como os da plataforma Nuvem-9, promovem educação socioemocional por meio da criação de histórias com personagens animais que correspondem a aspectos do caráter, das emoções e das reações humanas.
Apesar disso, a forte relação entre crianças e bichos parece se quebrar em algum momento da formação. Denúncias frequentes de maus tratos e abandono de animais domésticos têm chegado à Central de Atendimento 1746 da Prefeitura do Rio. A coordenadora pedagógica da E.M. Maestro Villa-Lobos (10ª CRE), Rosangela Moreira, relata que, na comunidade Antares, em Santa Cruz, onde a escola está situada, há uma forte cultura de abandono de pets:
“Vários cães têm dono, mas vivem largados pela rua. Mesmo quando estão doentes, não cuidam, não os alimentam. Nós, funcionários da escola, acabamos acolhendo vários desses animais, dando comida e abrigo, levando ao veterinário... Por causa dessa realidade, estamos sempre trabalhando o conceito de respeito, cuidado e responsabilidade com os bichos”, diz.
Embora as estatísticas da Central 1746 apontem que a maior parte das denúncias seja relacionada aos cães, são os gatos que mais sofrem situações de maus-tratos e abandono. A Subsecretaria de Bem Estar Animal (Subem) já cadastrou mais de 30 grandes colônias de felinos por toda a cidade e o trabalho ainda não terminou.
Para reverter esse quadro de maus-tratos e abandono dos pets, comum a vários bairros da cidade, a Secretaria Municipal de Educação (SME) e a Subsecretaria de Bem Estar Animal fizeram uma parceria. Criaram o projeto Bichinho de Estimação, com o objetivo de percorrer as unidades da Rede para fomentar a guarda responsável, conscientizar que os bichos têm sensações e sentimentos e que seus direitos devem ser garantidos pelo Estado e respeitados por todos.
Nas escolas
Como a maior parte das denúncias à Central 1746 vem da Zona Oeste (43%), as escolas de Ensino Fundamental da 10ª CRE, que abrange vários bairros da região, foram as primeiras a serem atingidas pelo projeto. Para melhor sensibilizar os estudantes, a E.M. Gastão Rangel, localizada em Guaratiba, além de receber a equipe da Subem, também convidou a ONG Eu Sou Testemunha de Golias, que cuida de animais abandonados e oferece castração gratuita. O efeito das atividades foi tão positivo que vários alunos adotaram um pet.
Durante as atividades da Subem na E.M. Maestro Villa-Lobos, duas meninas do 1º ano emocionaram os adultos quando relataram o embate que tiveram com um adolescente que estava maltratando um cão. Mas, segundo a coordenadora pedagógica da escola, a falta de falta de responsabilidade com os bichinhos também acontece, em função de algumas culturas familiares:
“Como, aqui, a gente cuida dos animais, em um dia desses, uma aluna chegou com quatro gatinhos, dizendo que uma tia os mandou para cá, porque não os queria. Falei para ela levá-los de volta, porque quem tem bicho de estimação não pode ser irresponsável com ele. Se não castra o animal, tem que cuidar dos filhotes até encontrar quem os adote”, conta.
Não à toa, entre as várias atividades desenvolvidas pela equipe da Subem nas escolas, há distribuição de folhetos sobre castração gratuita de cães e gatos e um bate-papo sobre a Lei Municipal 6435/2018, que dispõe sobre a proteção e bem-estar dos animais e também sobre os procedimentos em relação aos maus-tratos. Para o caso da tia que queria abandonar os filhotes, a multa é de, no mínimo, R$ 4.500,00.
Embora o projeto Bichinho de Estimação seja dirigido apenas ao Ensino Fundamental e ao Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA), há escolas de Educação Infantil que também têm se envolvido com a questão da proteção animal. É o caso do E.D.I. Professora Maria Mesquita de Medeiros, localizada no sub-bairro de Jesuítas, em Santa Cruz. Seu Projeto Político-Pedagógico, Guardiões da Natureza, envolve ações de defesa do meio ambiente e de tudo o que dele faz parte. Em outubro, as crianças viraram Guardiãs dos Animais. Passaram o mês aprendendo a respeitar os vários tipos de bicho – dos selvagens aos domésticos, incluindo os aquáticos, os de fazenda e os de jardim – e a fazer o necessário para que vivam bem.