Os japoneses que desembarcaram do navio Kasato Maru no Porto de Santos, em 1908, são considerados um marco na longa relação que existe entre o Brasil e o Japão. Entretanto, eles não foram os primeiros japoneses a virem para o país. Com o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre Brasil e Japão, assinado em 1895, chegaram ao Rio de Janeiro alguns pioneiros. Como Saburo Kumabe, que veio em 1906 e acabou comprando terras na região de Macaé, e Fukashi Sugimura, membro da delegação japonesa, desembarcado no ano seguinte. No recenseamento municipal, realizado em 20 de setembro de 1906, já haviam sido registrados 328 asiáticos na cidade. Ao longo do século XX, questões de política internacional, no entanto, caracterizaram o intercâmbio entre os dois países com períodos de altos e baixos.
“Na década de 1930, houve certa oposição por aqui, pois pretendiam que o Brasil se civilizasse por meio do branqueamento europeu. Os japoneses não eram bem-vindos porque tinham o fenótipo e a religião fora dos propósitos dos intelectuais“, afirma Mariléia Inoue, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo explica, os imigrantes japoneses representavam mão de obra boa e barata, ideal para a expansão da lavoura cafeeira. O governo japonês, por outro lado, movido por desejos imperialistas de ”levar o Japão para fora do Japão”, efetuava um acompanhamento a distância de todos os súditos expatriados, mesmo de um único indivíduo. Nos dias de hoje, existem 3 milhões de nikkeis – ou descendentes de japoneses nascidos fora do Japão – espalhados pelo planeta, sendo que a metade deles vive no Brasil.
Já instalados no país, os japoneses foram precursores no cultivo de laranja para exportação, no desenvolvimento de várias espécies de tomate, pimentão, quiabo, goiaba branca e vermelha, além do caqui, cujo plantio introduziram no país em 1916. No estado do Rio de Janeiro, especificamente, eles também se dedicaram a uma série de atividades: extração de sal, pesca, indústria de pescados, indústria de botões, lapidação e comércio de cristais e pedras semipreciosas, comércio de produtos importados do Japão e indústria naval. Em 1959, a criação da Ishibrás gerou nova leva de técnicos e engenheiros vindos do Japão e de São Paulo para o Rio de Janeiro.
Na Exposição Internacional Comemorativa do Centenário da Independência, em 1922, no Rio de Janeiro – que reuniu a incrível marca de 3 milhões de visitantes –, o Japão fez parte do seleto grupo de 13 países convidados. “A partir dali, o Japão começou a modificar sua imagem no Brasil, a qual foi se tornando cada vez mais positiva”, explica Mariléia Inoue. Dos anos 1970 em diante, a economia japonesa deu um salto muito grande, principalmente no segmento de eletroeletrônicos e na indústria automobilística. “O Japão ganhou uma aura de país de tecnologia avançada e houve uma grande divulgação de desenhos animados e programas japoneses”, lembra a pesquisadora. Na atualidade, o país é sinônimo, como nenhum outro, de vanguarda tecnológica.
As representações japonesas no Rio
Além do Consulado Geral do Japão, a cidade dispõe de quatro polos de preservação da cultura japonesa: a Associação Cultural e Esportiva Nipo-Brasileira do Estado do Rio de Janeiro/Renmei, Associação Nikkei do Rio de Janeiro/Rio Nikkei, Câmara de Comércio e Indústria Japonesa do Rio de Janeiro/Câmara Japonesa, e Instituto Cultural Brasil Japão/ICBJ. Desde 1957, o ICBJ oferece cursos abertos de japonês e artes orientais, como origami (dobradura de papel), chanoyu (cerimônia do chá), shodo (caligrafia artística), nihon ga (pintura clássica), oshi-ê (bonecas artesanais), e nihon ryori (culinária japonesa). Anualmente é realizada, ali, a Tanabata Matsuri, ou Festa das Estrelas, durante a qual os participantes penduram seus pedidos, escritos no papel, em hastes de bambu, para que se realizem. Um dos cursos mais procurados é o de ikebana – para a cultura japonesa, cada singela flor tem uma propriedade oculta: o poder de eliminar do ambiente os pensamentos negativos. Daí vem a importância de ornamentar com flores todos os lugares onde as pessoas se reúnam, por meio da arte dos arranjos florais.
No bairro do Cosme Velho, Zona Sul do Rio, funciona há mais de 40 anos a Rio Nikkei, onde se realizam diversos festivais folclóricos e, desde 1996, está situada a Escola Modelo de Língua Japonesa. O local tem uma gama de cursos totalmente originais. Como o de taiko, arte tradicional de percussão de tambores, ou o de odori, que é uma dança no estilo teatral kabuki. Desde o ano 2000, as quatro entidades nipônicas realizam a Festa do Japão, no Pavilhão Japonês do Parque do Flamengo, sempre no segundo semestre. Apresentações de artes marciais, tambores japoneses, danças típicas, oficinas de artesanato, além de barracas com especialidades culinárias e até atuações de cosplay – jovens que se caracterizam como seus personagens preferidos – agitam o evento.
Em 1995, por ocasião dos 100 anos do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação Brasil-Japão, um legado que tem tudo a ver com a devoção dos japoneses pela natureza foi eternizado no Rio de Janeiro. No Jardim Botânico, bem perto da entrada principal, foi inaugurado o Jardim Japonês, com a presença da princesa Saya-no-Miya. Às espécies e aos elementos típicos do estilo nipônico de jardinagem, como pequenas pontes e lanternas, foram misturados andirobas, flamboyants e outras árvores brasileiras. No dia da cerimônia, 10 de novembro, foram plantadas, irmanadas, mudas de cerejeiras e de ipê.
Memórias inacreditáveis
Rio de Janeiro – Cem Anos da Imigração Japonesa no Estado do Rio de Janeiro 1908/2008 é um livro que reúne memórias detalhadas e, por vezes, curiosas da integração japonesa ao cenário carioca. Na época em que táxi se chamava carro de aluguel, por exemplo, alguns dos imigrantes escolhiam a atividade para tentar a vida no Rio de Janeiro. Esse foi o caso de Norio Kamei, que narrou em detalhes seu cotidiano pelas ruas da cidade, sem prática ao volante e sem conhecer as ruas, mas como proprietário de um Studebaker novinho, que atraía muita clientela no período de prosperidade, entre 1926 e 1929, antes do crack da bolsa de Nova York. “Quem me ensinava o caminho eram os próprios passageiros”, registrou Kamei, no seu relato.
Ainda nos anos 1920, lavanderias e tinturarias constituíam também atividades bastante atraentes para a comunidade nipônica. Já na década de 1940, para atender o aumento populacional na capital da República, o governo federal decidiu incrementar a produção agrícola para abastecimento de hortifrutigranjeiros, incentivando a ocupação da Zona Oeste e da Baixada Fluminense pelos agricultores de origem japonesa.
Mas a contribuição nipônica à mesa do carioca vai muito além das colheitas agrícolas. Não é de hoje que a comida japonesa foi incorporada à vida no Rio de Janeiro. Já na década de 1930, surgiram a Pensão Japonesa, que ficava na Rua Silveira Martins, 146, e a Pensão Laranjeiras, na Rua das Laranjeiras, 49, que ofereciam serviço de restaurante. Segundo a publicação comemorativa do centenário da imigração, o primeiro restaurante japonês do Rio foi o Shujyu Na, que começou suas atividades por volta de 1939, no então praticamente deserto bairro de São Conrado. Antes de se tornar um estabelecimento comercial, a casa pertencia ao gerente do Banco Yokohama Shokin, que construiu a residência para veraneio nos fins de semana. Quando a família voltou para o Japão, autorizou seu cozinheiro a abrir, ali, um restaurante. Como, na época, o acesso à localidade era bem difícil, as portas foram fechadas poucos anos mais tarde, por absoluta falta de público.
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