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Obra de construção do Túnel Rebouças. A abertura de novas vias de acesso, interligando os principais entroncamentos da cidade, foi uma marca do governo Carlos Lacerda. Foto de 1965 (Crédito: Creative Commons)

Enquanto ainda era candidato ao governo do recém-criado estado da Guanabara, Carlos Frederico Werneck de Lacerda (1914-1977) disse, no discurso proferido em 17 de junho de 1960: “Não somos uma capital decaída, mas uma cidade libertada. Os que daqui saíram com saudade sabem que o Rio é uma cidade insubstituível, uma cidade em que todos os brasileiros, ontem, hoje, sempre, estarão como em sua casa. (...) Porque somos a síntese do Brasil, porque somos a porta do Brasil com o mundo, e somos do mundo a vera imagem que ele faz de nós”. As palavras eram bastante claras, contendo uma mensagem objetiva: demonstrar a defesa da preservação do lugar especial que o novo estado representava no Brasil.

Havia uma intenção, entre outras, de atrair votos dos inconformados com a transferência da capital para Brasília e com a perda da tradicional posição do Rio como eixo do país. Eleito, ele colocou em prática as promessas de campanha que o levaram à vitória nas urnas: fazer da Guanabara um estado e manter o Rio de Janeiro como cabeça do país, com um governo técnico e ações administrativas bem definidas. Seus primeiros atos indicaram a trajetória político-administrativa que conduziu seu governo com vistas a realizar os compromissos assumidos. Era um governo personalizado, em que ele chamava para si a responsabilidade das decisões. Estaria sempre em contato com a população, procurando não ficar isolado nos gabinetes, como declarou ao jornal Tribuna da Imprensa em 16 de dezembro de 1960.

A primeira tarefa do governador eleito consistiu, segundo a historiadora Armelle Enders, “em fazer nascer o estado da Guanabara e em dotá-lo de uma administração e de serviços públicos. Lacerda também implementa obras cuja amplitude até seus opositores mais determinados reconhecem”. Percebia que era o momento para colocar em prática uma estratégia que tornaria possível o crescimento da economia, consolidando o estado da Guanabara como segundo polo econômico do país. A reforma urbana realizada foi uma face desse novo momento vigente nos anos 1960.

O governador reconhecia a existência de um desordenamento urbano no Rio, decorrente da ocupação desenfreada acontecida ao longo do tempo na antiga capital. Aliás, a necessidade de planejar o espaço urbano da cidade sempre esteve presente em sua campanha. No jornal Tribuna da Imprensa, porta-voz de sua candidatura, ele discorria sobre temas como a favelização e os problemas que acarretava. Entendia que tais comunidades surgiam pela necessidade de a população mais carente residir próximo aos seus locais de trabalho, diante das péssimas condições dos transportes. Os projetos de aproximar a Zona Sul da Zona Norte, por meio de túneis, viadutos, trens e até o metrô, nasceram nesse contexto.

Mas o rodoviarismo, enquanto política pública, foi o fio condutor das metamorfoses urbanas operadas no Rio de Janeiro. O Túnel Rebouças, que liga o bairro do Rio Comprido ao da Lagoa e cuja construção se deu entre 1962 e 1967, e o Elevado da Avenida Perimetral (que teve o primeiro trecho aberto em 1960 e que interligava os principais entroncamentos rodoviários da cidade) são marcas na paisagem do Rio que comprovam o império dos automóveis e a hegemonia da indústria automobilística no Brasil de então.

Com o crescimento da frota sobre quatro rodas, aumentou a preocupação com a circulação desses veículos na Zona Sul e no centro da cidade, assim como a movimentação da população. Prosseguiu, então, a demolição do Morro de Santo Antônio, surgindo em seu lugar uma área semelhante à de Brasília, com edificações isoladas e vias exclusivas para pedestres e para veículos. Segundo o geógrafo Paulo Cezar de Barros, o “desmonte foi iniciado na administração do prefeito Dulcídio Cardoso (1952-1954) e durou uma década. As obras permitiriam a criação de uma área para a expansão do centro da cidade e forneceram materiais para a construção do Aterro do Flamengo”.

As linhas mestras do planejamento urbano da cidade emanaram de um projeto elaborado pelo urbanista grego Constantinos Doxiadis, contratado em 1964 pelo governador. A partir daí, nasceu o Plano de Desenvolvimento Urbano a Longo Prazo para o estado da Guanabara, mais conhecido como Plano Doxiadis, que reservou um espaço para a questão habitacional, incluindo a presença das favelas.

Esse segundo plano diretor (o primeiro foi o do urbanista francês Alfred Agache, em 1926) era uma proposta de reordenação e de reestruturação, em médio e em longo prazo, direcionada a tratar dos problemas urbanos do estado da Guanabara e da sua área metropolitana. O projeto não foi completamente executado, embora tenha servido de base para outros planos diretores.

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O segundo plano diretor da cidade, o Plano Doxiadis, acompanhava as ideias desenvolvimentistas da época, priorizando a construção de novas vias de deslocamento de ônibus e automóveis (In: O Planejamento de Cidades nos Anos 60, uma Reflexão do Plano Doxiadis para o Estado da Guanabara

Nos objetivos desenvolvimentistas do Plano Doxiadis, evidenciavam-se a funcionalidade e a otimização dos espaços, sem considerar a questão socioeconômica. O foco principal era o deslocamento do tráfego, privilegiando os transportes coletivos (ônibus) e individuais (automóveis), em detrimento daqueles considerados de massa, como o trem e o metrô.

Parte do projeto, e que foi um legado para o futuro, foram as chamadas Linhas Policrômicas, concretizadas por meio das conhecidas autoestradas, denominadas com as cores sugeridas no estudo, como, por exemplo, a Linha Vermelha e a Amarela.