O ano de 1965 foi particularmente importante para o Rio de Janeiro. Em 1º de janeiro, aviões da Força Aérea Brasileira lançaram sobre a cidade uma chuva de papel picado, anunciando o início das comemorações. Quando anoiteceu, o Papa Paulo VI (1897-1978) acionou do Vaticano o novo sistema de iluminação do Cristo Redentor, declarando: “São Sebastião do Rio de Janeiro (...) está hoje em festa a comemorar o quarto centenário da sua existência. Fiel à fé católica desde o seu nascimento, levantou um monumento a Cristo Redentor (...), no Monte do Corcovado. (...) E aí está a imagem do Senhor, de braços abertos, a proteger essa bela cidade e, com ela, todo o Brasil”.
Os festejos iniciados referiam-se aos quatro séculos passados desde que, em 1º de março de 1565, em meio aos conflitos para desarticular a França Antártica, Estácio de Sá (1520-1567) fundou a cidade. As palavras proclamadas pelo sobrinho do governador-geral Mem de Sá (1500-1572) ressaltaram um tempo de heroísmo dos portugueses que lutavam para garantir a posse da região, assegurada pelo Tratado de Tordesilhas e usurpada pelos franceses. Ele disse que a cidade era erguida “para ser a rainha das províncias e o empório das riquezas do mundo”.
A caminhada dessa urbe, construída por aqueles que por ela passaram ou nela viveram, foi marcada por sucessivas transformações distintas e especiais. E aquele era um momento singular para o Rio, que há pouco assumira o papel do mais novo estado brasileiro. Pretendia-se com os festejos assinalar, para o todo o país, seu passado quatrocentão, repleto de memórias e histórias. Falar em passado, naquela situação, significava destacar as importantes posições político-administrativas já ocupadas pela cidade: capital do vice-reinado (1757), sede da monarquia portuguesa (1808), capital do Império (1822), capital da República brasileira (1889) e, desde 1960, estado da Guanabara.
Musicalmente, a intenção podia ser observada por meio de dois exemplos. O primeiro deles é o hino para o evento, o Rancho do Rio, composto por João Roberto Kelly:
“Foi Estácio de Sá quem fundou
E São Sebastião abençoou
Rio é quatrocentão
Mas é um broto no meu coração”.
O segundo exemplo é a música Rio do Meu Amor, de Billy Blanco, inscrita no Festival Internacional da Canção, com versos que dizem:
“Rio
Estácio no passado fez este presente (...)
Rio bonito até mesmo com chuva
Cresceu, foi surgindo e todo lindo se fez”.
O governador Carlos Frederico Werneck de Lacerda (1914-1977) deu especial atenção às comemorações. O objetivo era realçar a Guanabara como caixa de ressonância das questões nacionais. Nesse sentido, ele criou a Superintendência do IV Centenário, responsável por planejar, organizar e realizar os eventos oficiais, que destacariam o desenvolvimento do Rio como um modelo a ser seguido pelo país. A cidade foi pensada nas diferentes temporalidades: o passado associado ao presente e o presente apontando caminhos para o futuro. Vieram recursos do Banco do Estado da Guanabara, do governo federal e do programa norte-americano chamado Aliança para o Progresso.
O símbolo geométrico criado para a data teve assinatura de Aloísio Sérgio Barbosa de Magalhães, reconhecido como um expoente na sua área. No trabalho que o designer desenvolveu para o IV Centenário do Rio de Janeiro, o algarismo 4 é duplamente refletido. Havia também a presença de um simbolismo, pois o desenho aproximava-se da cruz de Malta, em que o todo reproduz o valor da parte, além de ter um sentido simbólico, pois este aproxima-se da cruz da Ordem de Cristo, que as embarcações de Portugal ostentavam em suas velas. A marca foi impressa em documentações oficiais e também nas embalagens de alimentos e em propagandas de objetos variados – do relógio de pulso ao automóvel, passando pelas máquinas fotográficas.
Publicações abordaram a história da cidade desde tempos remotos. As escolas de samba escolheram o tema para seus enredos. Além de Estácio de Sá, outros protagonistas receberam destaque especial, como os prefeitos Francisco Pereira Passos (1836-1913), André Gustavo Paulo de Frontin (1860-1933) e Carlos César de Oliveira Sampaio (1860-1933). Tais administradores, engenheiros de formação, conduziram durante seus governos obras que reformaram e embelezaram o Rio, solidificando o papel da cidade como vitrine e cartão-postal do Brasil.
O Museu da Imagem e do Som, por exemplo, fez parte dos festejos. Conforme citado no site da instituição, no dia da sua inauguração, 3 de setembro de 1965, o governador Carlos Lacerda declarou: “Este Museu visa documentar em som e imagem o esforço do homem brasileiro, do homem carioca, dos homens de todas as nações que para aqui vieram convergentes formar, ampliar, reformar, desenvolver, tornar viva, humana, colorida (...) infinitamente alegre, mas infinitamente sofrida, a gloriosa e valorosa cidade de São Sebastião de Rio de Janeiro”. Em 1º de dezembro do mesmo ano, a Sala Cecília Meireles, dedicada a ser um palco de concertos de música erudita, iniciou suas atividades culturais.
Outros festejos aconteceram, como um torneio de futebol internacional entre seleções, no Maracanã, e um concurso para escolher a Rainha do IV Centenário, realizado no dia 3 de fevereiro de 1965, no Maracanãzinho (Ginásio Gilberto Cardoso), inaugurando um novo sistema acústico para o ginásio. O ano de 1965 foi o último do governo Carlos Lacerda.