A marchinha Chiquita Bacana, que animou o carnaval carioca de 1949, de autoria de Braguinha (nascido Carlos Alberto Ferreira Braga, 1907-2006) e Alberto Ribeiro (1902-1971), citava um curioso estilo de moda de forma bem particular:
“Chiquita bacana lá da Martinica
Se veste com uma casca
De banana nanica”.
Se hoje a protagonista desejasse ser elegante, seguindo as tendências que, após os desfiles das coleções anuais, enfeitam as vitrines dos shoppings cariocas ou das localizadas na Saara, certamente buscaria algo diferente. Se em todo o mundo os gêneros e as tendências passaram por incontáveis transformações, não foi diferente na cidade do Rio de Janeiro. A moda carioca presente nas festas do tempo dos vice-reis percorreu, com suas particularidades, um caminho ao longo da sua história. Atualmente, vive uma época em que coleções inteiras podem ser produzidas exclusivamente com materiais reciclados.
Voltar no tempo para contar pedaços dessa trajetória é relembrar, por exemplo, o estilo constituído por muitos tecidos bordados, saias superpostas, anáguas, perucas, coletes e chapéus, que desembarcaram na cidade em 1808. Eram vestimentas utilizadas pela corte lisboeta, então nos trópicos, e que impressionaram a população carioca. Tal opulência, que poderia sugerir aos habitantes da colônia ser acessível e usual para o conjunto da população da metrópole, não correspondia à realidade. Na Europa, nem todos podiam vestir o que desejavam, mesmo que pudessem pagar pela indumentária, e o motivo não era o alto preço. Existiam regras sociais, incluídas no estrito código do vestuário, que, persistindo em determinadas cortes, impediam o uso de certas peças e adornos.
Apesar de na França, após a Revolução de 1789, as proibições terem sido condenadas, em Portugal ainda vigoravam limitações impondo restrições a certos tecidos e cores. Era proibido aos que não pertenciam à nobreza usar, por exemplo, modelos em seda ou bordados em ouro ou prata. Mas, nas terras tropicais, algumas dessas leis cairiam em desuso. Isso pode ser observado na Gazeta do Rio de Janeiro, jornal que circulou na cidade entre 1808 e 1822, “feito na imprensa oficial”, segundo palavras do historiador Nelson Werneck Sodré. O periódico, em meio aos anúncios oferecendo escravos, carruagens e alimentos, incluía vestidos de seda e até alguns bordados em ouro e prata para as senhoras elegantes, logicamente com recursos para adquiri-los.
Mais adiante, em tempos do governo pessoal de D. Pedro II (1825-1891), o luxo que circulava nas ruas da capital do Império pretendia expressar uma imagem subjetiva revelada pela roupa. Almejando traduzir um perfil de status social elevado, fazendeiros e negociantes enriquecidos pelos negócios do café (comissários de café) passaram a gastar parte de seus recursos com roupas e acessórios importados. Tecidos e complementos entraram no Império pelo Porto do Rio de Janeiro. Transformados em moda a ser copiada, eram expostos na famosa e conhecida Rua do Ouvidor.
Quando a cidade, em 1889, se traduziu em capital vitrine, vivenciou novas práticas e modismos, que serviram de paradigmas para o restante do país, e de cartão de visitas para atrair trabalhadores e recursos do restante do mundo. O Distrito Federal, porta de entrada das novidades europeias, polo irradiador de comportamentos e da moda para as demais regiões do Brasil, vivia a modernidade que simbolizava o futuro, o progresso, o novo.
No entendimento daquela época, mais do que ser moderno, era preciso parecer moderno. Era preciso seguir algumas regras e ostentar aparências que, se cumpridas, capacitavam o indivíduo a caminhar pelas largas avenidas cariocas e a frequentar os locais tidos como chiques. No cenário urbano e cosmopolita, construído pelas elites, surgiu uma lei (que acabou não sendo cumprida) de hierarquização dos espaços do Rio de Janeiro: a obrigatoriedade do uso de paletó, sapatos e chapéus para todos os pedestres, sem distinção, que desejassem circular pela Avenida Central. A vida social intensificou-se nessas calçadas, surgindo a expressão “fazer a avenida”, segundo o cronista João do Rio. Significava um passeio, geralmente após o jantar, ou uma ida aos cinemas da região.
A necessidade de seguir o estilo da elegância e da beleza fomentava o comércio das amplas lojas de luxo localizadas na Avenida Central, que ofereciam inúmeros artigos para aqueles que dispunham de recursos para obtê-los.
Até a chegada do século XXI, incontáveis transformações incluíram o universo da etiqueta, da elegância e da indumentária. Novos tecidos foram confeccionados a partir do maquinário e da utilização da química, que ampliou a paleta de cores e de padrões em urdidura e trama. Os processos que indicam anualmente os materiais utilizados, cada vez mais interligados com a consciência ecológica, são laboriosos e detalhados. Nada por acaso – sempre com o objetivo de estimular o desenvolvimento de toda a cadeia produtiva do mercado de moda.
A cidade do Rio de Janeiro, inserida nesse contexto, trabalhando em parceria com o Sistema Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), vem rediscutindo os eventos que apresentam, anualmente, as coleções outono/inverno e primavera/verão. Profissionais da moda repensam o formato dos eventos ou até imaginam criar algo diferenciado do que vinha sendo realizado até então. Entre as ideias, existe a de unir moda e cultura em exibições mais integradas à cidade e não necessariamente por meio de desfiles tradicionais. Segundo palavras de Carlos Tufvesson, presidente do Conselho Municipal de Moda do Rio, “não é preciso ser profissional da área para reconhecer a importância da semana de moda e do salão de negócios no Rio. Agora, cabe aos estilistas cariocas, a todos nós que amamos a moda brasileira, repensar e viabilizar estes eventos. Afinal, o DNA da moda brasileira nasceu aqui”.