ACESSIBILIDADE
Acessibilidade: Aumentar Fonte
Acessibilidade: Tamanho Padrão de Fonte
Acessibilidade: Diminuir Fonte
Youtube
Instagram
Ícone do Tik Tok
Facebook
Whatsapp

Anchieta e os primórdios da educação no Brasil
26 Maio 2015 | Por Márcia Pimentel
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp

JOSÉ DE ANCHIETA-obraantiga3Não se pode contar a história da educação formal brasileira sem considerar a pedagogia dos primeiros missionários católicos que chegaram ao Brasil, nos primórdios da colonização portuguesa. Entre eles, um tem papel de destaque e dá nome a uma escola municipal localizada na Ilha do Governador, no bairro do Jardim Guanabara (11ª CRE). Trata-se do jesuíta José de Anchieta, chamado de “Apóstolo do Brasil” por analogia com o trabalho de doutrinação e evangelização dos 12 discípulos de Cristo.

A alcunha ilustra bem a principal preocupação pedagógica do missionário. Suas ideias estão inseridas no horizonte do cristianismo renascentista e no humanismo dos jesuítas, que não enxergavam a educação apenas como ferramenta para instrução dos conteúdos formais, mas, principalmente, como instrumento de formação do homem, visto como figura em permanente construção. Como, para os jesuítas, o cristianismo era considerado a religião que traduzia os princípios humanos universais, o foco do trabalho pedagógico de seus missionários estava fundamentado na formação de fiéis a Cristo e, por conseguinte, ao Papa e à Coroa.

Trajetória e método

José de Anchieta nasceu em 1534, na ilha de Tenerife, nas Canárias, arquipélago localizado na costa ocidental da África, que a Espanha havia recém conquistado. Aos 14 anos, ingressou no Real Colégio das Artes e Humanidades, em Coimbra, instituição que, por seu humanismo, exercia um papel de vanguarda no contexto do ensino da época.

Após finalizar o curso de Filosofia no Real Colégio, em 1551, Anchieta entrou para a Companhia de Jesus, e, 24 meses depois, aos 19 anos, embarcou num dos navios da frota de Duarte da Costa, que havia acabado de ser nomeado governador geral do Brasil. Ele compunha o grupo de noviços requisitados pelo padre Manuel da Nóbrega, estabelecido na capitania de São Vicente e que estava às voltas com a difícil tarefa de catequizar os indígenas brasileiros.

Em janeiro de 1554, ajudou a fundar o Colégio São Paulo, a partir do qual um núcleo urbano se formou, dando origem à capital paulista. Mas o trabalho de catequese era o seu objetivo principal. Para isso, convivia, diariamente, com os indígenas e priorizava o ensino das crianças. “Temos uma grande escola de meninos índios, bem instruídos em escrita e bons costumes, os quais abominam os usos de seus JOSÉ DE ANCHIETA - cromolitografiaprogenitores”, ele escreveu em uma carta datada de 1555. Era no moldar das gerações mais novas que a conversão ao cristianismo encontrava terreno mais promissor, embora a descaracterização cultural dos jovens muitas vezes causasse vários conflitos com os mais velhos das tribos.

Outra estratégia utilizada pelos jesuítas era a do aldeamento dos índios sobreviventes das empreitadas de conquista do colonizador. Em uma carta de 1565, Anchieta explicava como procedia para convencer os índios a abandonarem suas terras e tribos em definitivo: “Dizia-lhes que se alegrassem com a nossa vinda e amizade; que queríamos ficar entre eles e ensinar-lhes as coisas de Deus, para que lhes dessem abundância de mantimentos, saúde...”.

Esse trabalho de convencimento, certamente, ficou mais fácil com a decisão da Mesa da Consciência e Ordem de Lisboa – composta por representantes da Coroa e do Vaticano – que restringiu, naquele mesmo ano, a escravização dos índios. Só poderiam ser considerados escravos aqueles que eram “aprisionados em guerras justas”, sendo livres todos os demais que se submetessem pacificamente à catequese.

Os aldeamentos se tornaram, assim, um espaço fundamental de civilização pelos jesuítas. Eles também cumpriam função primordial no sistema produtivo, pois enquanto o colonizador se preocupava com a exportação de açúcar e pau-brasil para a metrópole, os índios eram ensinados a cultivar os produtos de subsistência, comercializados pelos padres.

Tamoios e fundação do Rio

A decisão da Mesa da Consciência e Ordem, tomada em 1565, data da fundação do Rio de Janeiro por Estácio de Sá, certamente está relacionada com os conflitos que os portugueses enfrentavam junto aos tamoios. Três anos antes, chefes e guerreiros de várias tribos indígenas se encontraram em Iperoig (atual cidade de Ubatuba-SP), para onde os padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta também se dirigiam a fim de negociar a paz com as tribos, que ameaçavam atacar os portugueses.

JOSÉ DE ANCHIETA - iperoigA lista de queixa dos índios era grande – incêndio de suas aldeias, escravização, etc. Exigiam a libertação de todos os nativos, reivindicação não aceita pelos padres. Diante do impasse, Manuel da Nóbrega se dirigiu, junto com o líder indígena Cunhambebe até a cidade de São Vicente, para negociar com o governo da capitania, enquanto Anchieta ficou em Iperoig como refém dos tamoios. Após meses de negociações, o tratado foi celebrado em 1563.

A paz, porém, durou pouco: no ano seguinte, a Confederação dos Tamoios foi reorganizada, sob o estímulo dos franceses, até que, em 1565, Estácio de Sá – na companhia dos dois padres – chegou com sua esquadra à Baía de Guanabara para fundar a cidade do Rio de Janeiro. Os conflitos, contudo, só foram minimizados com a chegada da frota de Mem de Sá, em 1567, quando, finalmente, os portugueses puseram fim ao projeto da França Antártica e venceram os tamoios na épica Batalha de Uruçimirim. 

Múltiplas estratégias de catequese

Não era fácil cristianizar nativos de uma cultura tão distinta da europeia. Anchieta, contudo, não desistiu. Desenvolveu um arsenal de estratégias para abordar e se relacionar com os indígenas, a começar pelo aprendizado do tupi, língua a qual escreveu uma gramática, que passou a ser utilizada por todos os missionários.

O jesuíta também observou que os rituais indígenas eram todos acompanhados de sons e coreografias e, logo, passou a escrever poesias de devoção religiosa para dar letra às músicas, inspiradas tanto na sonoridade nativa, como na dos cancioneiros ibéricos. Também fez várias peças teatrais com o mesmo objetivo.

Anchieta é, na verdade, o primeiro missionário a utilizar a arte profana como ferramenta para cristianização. Aliás, também é considerado por muitos como o ponto de partida da arte e da literatura brasileira. No campo do teatro, por exemplo, vários pesquisadores entendem que as encenações promovidas pelo padre não podem ser vistas apenas dentro da esfera pedagógica, já que suas produções também exibiam nítidas preocupações de caráter artístico. O mesmo ocorre em relação às suas poesias. Por isso, vários estudiosos consideram que Anchieta não foi apenas um pioneiro da educação, mas também da arte brasileira.

JOSÉ DE ANCHIETA - azulejos

Fontes:

. A Literatura de José de Anchieta e a Gênese da Educação Brasileira. Rosemeire França de Assis Rodrigues Pereira.
. O Teatro de José de Anchieta: Arte e Pedagogia no Brasil Colônia. Paulo Romualdo Hernandes.
. O Cancioneiro Ibérico em José de Anchieta: um Enfoque Musicológico. Rogério Budasz.
. Missões de Aldeamento como Intermediadoras da Colonização. Revista de História da UFRN.
. José de Anchieta: Biografia. Site: www.soliteratura.com.br

 
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp
MAIS DA SÉRIE
texto
O talento e a perseverança de José Maurício venceram o preconceito

O talento e a perseverança de José Maurício venceram o preconceito

24/11/2017

José Maurício Nunes Garcia foi um dos melhores compositores brasileiros de música sacra.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Heitor Villa-Lobos, mestre da composição e da educação

Heitor Villa-Lobos, mestre da composição e da educação

03/03/2017

Compositor, maestro e instrumentista carioca de renome internacional, Villa-Lobos uniu a música popular à erudita.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Zuzu Angel, mãe da moda brasileira

Zuzu Angel, mãe da moda brasileira

19/01/2017

Pioneira na criação de uma moda genuinamente nacional, a estilista deu contornos políticos ao seu trabalho a partir da morte do filho.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Noel Rosa e uma história que deu samba

Noel Rosa e uma história que deu samba

04/01/2017

Jovem de Vila Isabel uniu os sambas do morro e do asfalto por meio de composições que retratavam o cotidiano com humor e crítica social.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Machado de Assis, mestre da literatura brasileira

Machado de Assis, mestre da literatura brasileira

26/10/2016

O autor inaugurou o movimento artístico chamado realismo e já foi traduzido para 16 línguas.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Carmen Miranda, a pequena notável

Carmen Miranda, a pequena notável

02/09/2016

Apesar de ter nascido em Portugal, Carmen Miranda é considerada a primeira artista multimídia do Brasil.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Pedro Ernesto: poder público nas zonas Norte e Oeste do Rio

Pedro Ernesto: poder público nas zonas Norte e Oeste do Rio

26/08/2016

Administrou o município do Rio de Janeiro na década de 1930, iniciando a construção de oito hospitais e 28 escolas públicas.   

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Estácio de Sá: o corajoso português que fundou o Rio

Estácio de Sá: o corajoso português que fundou o Rio

01/03/2016

Persistente, ele lutou contra franceses e indígenas para dominar a Baía de Guanabara e povoar o local onde hoje é a cidade do Rio.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Pereira Passos, o prefeito da reforma

Pereira Passos, o prefeito da reforma

24/02/2016

O engenheiro Pereira Passos foi o maior responsável pela reformulação que, no início do século XX, deu ao centro do Rio seu ar de metrópole.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Um santo soldado em defesa do Rio

Um santo soldado em defesa do Rio

19/01/2016

O italiano Sebastião e sua trajetória até tornar-se o padroeiro da nossa cidade. 

Heróis e Heroínas do Rio

texto
A alma nobre do abolicionista José do Patrocínio

A alma nobre do abolicionista José do Patrocínio

18/11/2015

Articulador fundamental para o fim da escravidão no país, ele abraçou também a causa dos retirantes nordestinos e até a defesa dos animais.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
A grande pianista Guiomar Novaes

A grande pianista Guiomar Novaes

10/11/2015

Considerada uma das melhores instrumentistas do início do século XX, ela teve uma carreira impecável no exterior por mais de 60 anos.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Debret, o primeiro cronista da vida carioca

Debret, o primeiro cronista da vida carioca

23/10/2015

De 1816 a 1831, o artista registrou não apenas momentos importantes da fase de formação do Brasil Império, mas também o movimento das ruas.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
André Rebouças, engenheiro e educador

André Rebouças, engenheiro e educador

21/09/2015

Engenheiro de prestígio, o que contribuiu para que desse nome a um importante túnel da cidade, Rebouças foi um intelectual preocupado com a inclusão social do negro no Brasil.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Cartola: samba e poesia em verde e rosa

Cartola: samba e poesia em verde e rosa

03/09/2015

Representante autêntico do samba e um dos fundadores da Estação Primeira de Mangueira, músico leva requinte a composições que atravessam décadas.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Lota, a mulher que fez do aterro um jardim

Lota, a mulher que fez do aterro um jardim

30/07/2015

Maria Carlota Costallat de Macedo Soares, ou simplesmente Lota, foi responsável por evitar a construção de quatro avenidas com prédios à beira-mar, em prol da realização do atual Parque do Flamengo.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Oswaldo Cruz, uma vida dedicada à saúde pública

Oswaldo Cruz, uma vida dedicada à saúde pública

14/07/2015

Médico, cientista e sanitarista, foi responsável pelo combate de doenças infecciosas que matavam milhares de brasileiros.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Pixinguinha, um dos maiores no olimpo da MPB

Pixinguinha, um dos maiores no olimpo da MPB

02/07/2015

Com uma carreira que começou ainda na infância, o maestro foi responsável por incorporar elementos tipicamente brasileiros às técnicas de orquestração e de arranjo de então.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
O fotógrafo da modernização do Rio de Janeiro

O fotógrafo da modernização do Rio de Janeiro

19/05/2015

Estimativas apontam que Augusto Malta produziu de 30 a 60 mil registros, ao longo das mais de três décadas em que trabalhou para a prefeitura da cidade.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
A primeira mulher caricaturista do Brasil

A primeira mulher caricaturista do Brasil

27/04/2015

Com o pseudônimo de Rian, Nair de Teffé publicou em jornais brasileiros e estrangeiros. Artista multitalento, foi ainda feminista e esposa do presidente Hermes da Fonseca.

Heróis e Heroínas do Rio

texto
Heitor dos Prazeres: um artista do samba e das tintas

Heitor dos Prazeres: um artista do samba e das tintas

08/04/2014

Compositor, ele participou do nascimento das escolas de samba do Rio de Janeiro. Como pintor, teve o talento reconhecido até pela rainha da Inglaterra.

Heróis e Heroínas do Rio