ACESSIBILIDADE
Acessibilidade: Aumentar Fonte
Acessibilidade: Tamanho Padrão de Fonte
Acessibilidade: Diminuir Fonte
Youtube
Facebook
Instagram
Twitter
Ícone do Tik Tok

Ciep Anton Makarenko: onde a cultura da paz transforma o ambiente
SÉRIE
24 Junho 2019 | Por Márcia Pimentel
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp
AMak ingredientegentileza T
Campanha de gentileza, o remédio para os conflitos. Foto acervo escolar

Costa Barros é um dos bairros mais pobres e violentos do Rio de Janeiro. Junto com Acari, Barros Filho, Coelho Neto e Parque Colúmbia integra a Região Administrativa da Pavuna, que apresenta o pior Índice de Progresso Social (IPS) da cidade, conforme dados do Instituto Pereira Passos. É nele que fica o Ciep Anton Makarenko (6ª CRE), onde as professoras do 5º ano Kelly Nascimento e Geruza Braga passavam boa parte de seu tempo mediando conflitos entre alunos. Atritos aconteciam de forma frequente e sem justificativas plausíveis. “Não vou com a cara” era frase recorrente para explicar o motivo das brigas.

Segundo a professora Kelly, a dificuldade dos alunos do Ciep em lidar com os sentimentos não é pequena. A intolerância, o bullying e a ausência de valores como compaixão, amizade e solidariedade fazem parte do ambiente e da cultura em que estão inseridos. “Para eles, é muito difícil conviver com certos sentimentos, como o fracasso. Se perdem algum jogo, querem logo partir para o confronto”, explica.

Na percepção da diretora-adjunta Roberta Vasconcellos, esse permanente estado de espírito, instaurado pelo ambiente em que vivem, cria obstáculos para a demonstração de afetos. Não sabem sequer lidar com o luto. Lá, a morte costuma ser vivida como uma espécie de banalidade, como se vestissem um escudo antiemoções para resistir à violência do cotidiano. “Se alguém da família morre no fim de semana, o aluno vem para a escola, na segunda-feira, como se nada tivesse acontecido”, diz.

Ao olhar de muitos, o modo de agir das crianças do Ciep Anton Makarenko pode parecer específico da comunidade de Costa Barros. Mas não é. Em linhas gerais, revela padrões comportamentais que se repetem ao redor do mundo. É o que a Organização das Nações Unidas (ONU), baseada em pesquisas de especialistas, tem chamado de cultura da guerra.

Amak guardachuva T
Alunos foram levados a pensar sobre os efeitos dos sentimentos e das atitudes. Foto: acervo escolar

Essa cultura, segundo a ONU, é fruto de uma lógica de aniquilação e dominação do adversário. Está impregnada nos valores de várias sociedades, famílias, pessoas, afetando os mais diversos níveis das relações humanas: das interpessoais àquelas entre grupos étnicos, religiosos, sociais e econômicos, causando inúmeros conflitos, inclusive guerras.

Transformações culturais

A manutenção da paz internacional tem sido a missão central da ONU, desde sua criação em 1945, logo após a Segunda Guerra Mundial. A partir de então, vários estudos e pesquisas sobre o assunto surgiram na Europa e nos Estados Unidos, constatando a existência de uma cultura da guerra, calcada na intolerância, na xenofobia e em inúmeros outros valores geradores de desentendimentos, violências, desigualdades, miséria e falta de diálogo.

Na busca de novas perspectivas para o atual milênio, a ONU lançou, no fim do século passado, o Manifesto por uma Cultura da Paz, a fim de dar início à transição dos valores causadores de guerra para outros mais tolerantes e harmônicos. Seis compromissos principais foram reiterados: respeitar a vida; rejeitar a violência; ser generoso; ouvir para compreender; preservar o planeta; e redescobrir a solidariedade.

Mas como encontrar caminhos e meios para alterar condutas, crenças e comportamentos? Para a ONU, a contribuição da Educação é fundamental, como também a perspectiva da sustentabilidade, que busca novos paradigmas para enfrentar os graves problemas sociais, econômicos e ambientais do planeta.

Não à toa, em 2015, a Cultura da Paz foi explicitamente incluída na Agenda 2030, no quarto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), relacionado à Educação. Relaciona-se, diretamente, com o 16º ODS – Paz, Justiça e Instituições Eficazes –, que tem como meta “o fim da violência estrutural das sociedades, fruto das desigualdades e das tensões econômicas, sociais e culturais”.

Receita de gentileza

AMak sonhos T
Sonhos saíram da panela repleta de ingredientes "para o bem crescer". Foto acervo escolar

Ainda que possa ter sido de forma intuitiva, as professoras Kelly Nascimento e Geruza Braga acabaram criando um projeto de Educação para a Paz, quando, no ano passado, deram início à campanha Gentileza Gera Gentileza em suas turmas do Ciep Anton Makarenko. A ideia era promover ações que permitissem aos alunos lidar melhor com os sentimentos e que, ao mesmo tempo, promovessem valores como tolerância, colaboração, solidariedade, harmonia e diálogo.

Kelly percebeu que seus alunos também precisavam entender que certos comportamentos dificultavam a aprendizagem. Tinham que superar a postura de “não sei” e “não posso” para a de “sou capaz” e “eu consigo”. Segundo a diretora-adjunta Roberta Vasconcellos, isso era fundamental, pois as famílias têm baixa autoestima, vivem em inércia desesperançada, sem perspectiva de transformação da realidade em que vivem.

A campanha Gentileza Gera Gentileza começou com a adesão da professora Élida dos Santos, da Sala de Leitura, que se vestiu de cozinheira e pediu para os alunos jogarem, em um caldeirão, ingredientes que fizessem parte da “receita para o bem crescer”. Palavras como alegria, tolerância, diálogo e delicadeza, entre várias outras, foram lançadas e misturadas.

“Será que a junção desses ingredientes vai criar alguma coisa boa dentro da panela?”, indagava a professora, que ouvia vários “sim”como resposta, mas também alguns “não”. Depois de mexer e remexer tudo muito bem, para surpresa da turma, e como em uma fábula que tem lição de moral, de dentro do caldeirão saíram sonhos (encomendados em uma padaria) para todos se deliciarem. “Sonhos porque eles precisam vislumbrar algo além da vida em Costa Barros. As famílias costumam viver apenas o mundo da comunidade. Quando vão à Duque de Caxias já é uma viagem”, explica a diretora-adjunta.

AMak jalecos T
Quem usa o jaleco branco tem a missão de disseminar ações de gentileza. Foto acervo escolar

Contagiando a escola

Não demorou muito tempo para mudanças de comportamento passarem a ser notadas. A cada semana, um pequeno grupo de alunos ganhava jalecos, com a missão de exercer e disseminar uma ação de gentileza, como, por exemplo, carinho. Os integrantes passavam seu recado de sala em sala e até intermediavam desentendimentos, espontaneamente, quando viam crianças discutindo. “Incorporavam a própria gentileza quando se paramentavam com a veste branca”, lembra a diretora-adjunta.

Várias outras atividades foram realizadas, como a fixação de envelopes em grandes cartazes, pelos corredores da escola. Dentro deles, frases de gentileza – como “aprenda a ouvir o outro” – estrategicamente inseridas como tarefa das aulas de Leitura. “Os envelopes com as frases impactaram muito a escola”, lembra a professora Kelly. Também foram feitos exercícios para se conhecer melhor os sentimentos. Na receita da raiva, por exemplo, descobriram que vai uma xícara de bullying, outra de humilhação... E na da alegria, duas colheres de carinho, três de sorriso...

AMak kellyealuno T 1
Espontaneamente, aluno se dirige à professora para ajudá-la a carregar seus pertences. Foto acervo escolar

Com a campanha, toda a escola começou a ser contagiada por um ambiente mais amoroso e gentil. Os resultados foram tão positivos que a ação passou a integrar o Projeto Político Pedagógico do Ciep, em 2019. Hoje, cada sala de aula tem um nome relacionado a uma ação ou sentimento de gentileza: Amizade, Amor, Gratidão, entre outros. Os alunos das classes são responsáveis por exercer e aprofundar o significado de cada um desses valores e disseminá-los entre si e para toda a comunidade escolar.

Alguns pais de alunos já comentam com a direção do Ciep, que têm notado mudanças nos padrões de comportamento dos filhos. Ainda que o projeto Gentileza Gera Gentileza possa não ser o suficiente para transformar a realidade sociocultural da comunidade de Costa Barros, várias sementes de paz ali estão sendo plantadas pela equipe do Anton Makarenko. Quem sabe, no futuro, virem árvores frondosas?

 
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp
MAIS DA SÉRIE
texto
Desastres naturais – infográfico

Desastres naturais – infográfico

19/10/2019

Mostra a relação entre os fenômenos extremos e as mudanças climáticas.

Agenda 2030

texto
Índice de Desenvolvimento Humano – infográfico

Índice de Desenvolvimento Humano – infográfico

18/10/2019

Mostra a evolução do IDH do Brasil e sua posição em relação ao mundo.

Agenda 2030

texto
Desigualdade socioeconômica - infográfico

Desigualdade socioeconômica - infográfico

18/10/2019

Mostra os índices de concentração de renda no mundo.

Agenda 2030

texto
Grupos vulneráveis – infográfico

Grupos vulneráveis – infográfico

17/10/2019

Indica e quantifica segmentos sociais em situação de maior vulnerabilidade.

Agenda 2030

texto
Energia renovável – infográfico

Energia renovável – infográfico

16/10/2019

Explica o que é energia renovável e quantifica sua participação no consumo mundial.

Agenda 2030

texto
Efeito estufa e aquecimento global – infográfico

Efeito estufa e aquecimento global – infográfico

15/10/2019

Explica semelhanças e diferenças entre os dois fenômenos planetários.

Agenda 2030

texto
Meninas superpoderosas da Rede Municipal

Meninas superpoderosas da Rede Municipal

19/09/2019

Conheça algumas alunas e ex-alunas das escolas da Prefeitura, que esbanjam foco e talento.

Agenda 2030

texto
O caminho das águas entre o rio e as nossas torneiras

O caminho das águas entre o rio e as nossas torneiras

13/09/2019

A má utilização dos recursos hídricos em um ponto afeta outros, como um efeito dominó.

Agenda 2030

texto
O caos planetário do lixo

O caos planetário do lixo

03/06/2019

  Lixo se tornou uma praga, mas humanidade ainda não se deu conta do tamanho do problema.

Agenda 2030

texto
Diversidade cultural, cotas raciais e urgência de diálogo

Diversidade cultural, cotas raciais e urgência de diálogo

20/05/2019

Para Unesco, só haverá paz quando o progresso beneficiar todas as culturas.

Agenda 2030

texto
Mudanças climáticas no Rio e no mundo: a urgência de novos padrões

Mudanças climáticas no Rio e no mundo: a urgência de novos padrões

10/05/2019

Oceanos estão se tornando mais ácidos e chegando ao limite da capacidade de depuração da atmosfera.

Agenda 2030

texto
O que os índices revelam sobre o Rio de Janeiro

O que os índices revelam sobre o Rio de Janeiro

16/04/2019

Desigualdades prejudicam progresso social da cidade.

Agenda 2030

texto
Como trabalhar a Agenda 2030 na sua escola?

Como trabalhar a Agenda 2030 na sua escola?

05/04/2019

 Em parceria com a Casa Civil e a ONU-Habitat, SME realizou a primeira oficina sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Agenda 2030

video
Oficina sobre ODS/Agenda 2030

Oficina sobre ODS/Agenda 2030

02/04/2019

Destinado a coordenadores pedagógicos e professores da Rede Pública Municipal de Ensino, o evento apresentou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2030, bem como ferramentas e estratégias para tratar desses temas nas escolas.

Agenda 2030

texto
Segurança alimentar e agricultura urbana: um breve panorama

Segurança alimentar e agricultura urbana: um breve panorama

01/04/2019

Empobrecimento da alimentação nas cidades acende sinal de alerta na ONU e na União Europeia. Rio tenta avançar na construção de política sustentável.

Agenda 2030

texto
Diversidade nas escolas: como algumas unidades públicas lidam com o desafio de incluir todos

Diversidade nas escolas: como algumas unidades públicas lidam com o desafio de incluir todos

18/03/2019

Praticar educação inclusiva e de qualidade é chave para o desenvolvimento sustentável.Praticar educação inclusiva e de qualidade é chave para o desenvolvimento sustentável.

Agenda 2030

texto
Educação para o desenvolvimento sustentável

Educação para o desenvolvimento sustentável

13/02/2019

Coordenadora de Educação da Unesco crê que escola não pode mais se voltar apenas aos conteúdos disciplinares.

Agenda 2030