Costa Barros é um dos bairros mais pobres e violentos do Rio de Janeiro. Junto com Acari, Barros Filho, Coelho Neto e Parque Colúmbia integra a Região Administrativa da Pavuna, que apresenta o pior Índice de Progresso Social (IPS) da cidade, conforme dados do Instituto Pereira Passos. É nele que fica o Ciep Anton Makarenko (6ª CRE), onde as professoras do 5º ano Kelly Nascimento e Geruza Braga passavam boa parte de seu tempo mediando conflitos entre alunos. Atritos aconteciam de forma frequente e sem justificativas plausíveis. “Não vou com a cara” era frase recorrente para explicar o motivo das brigas.
Segundo a professora Kelly, a dificuldade dos alunos do Ciep em lidar com os sentimentos não é pequena. A intolerância, o bullying e a ausência de valores como compaixão, amizade e solidariedade fazem parte do ambiente e da cultura em que estão inseridos. “Para eles, é muito difícil conviver com certos sentimentos, como o fracasso. Se perdem algum jogo, querem logo partir para o confronto”, explica.
Na percepção da diretora-adjunta Roberta Vasconcellos, esse permanente estado de espírito, instaurado pelo ambiente em que vivem, cria obstáculos para a demonstração de afetos. Não sabem sequer lidar com o luto. Lá, a morte costuma ser vivida como uma espécie de banalidade, como se vestissem um escudo antiemoções para resistir à violência do cotidiano. “Se alguém da família morre no fim de semana, o aluno vem para a escola, na segunda-feira, como se nada tivesse acontecido”, diz.
Ao olhar de muitos, o modo de agir das crianças do Ciep Anton Makarenko pode parecer específico da comunidade de Costa Barros. Mas não é. Em linhas gerais, revela padrões comportamentais que se repetem ao redor do mundo. É o que a Organização das Nações Unidas (ONU), baseada em pesquisas de especialistas, tem chamado de cultura da guerra.
Essa cultura, segundo a ONU, é fruto de uma lógica de aniquilação e dominação do adversário. Está impregnada nos valores de várias sociedades, famílias, pessoas, afetando os mais diversos níveis das relações humanas: das interpessoais àquelas entre grupos étnicos, religiosos, sociais e econômicos, causando inúmeros conflitos, inclusive guerras.
Transformações culturais
A manutenção da paz internacional tem sido a missão central da ONU, desde sua criação em 1945, logo após a Segunda Guerra Mundial. A partir de então, vários estudos e pesquisas sobre o assunto surgiram na Europa e nos Estados Unidos, constatando a existência de uma cultura da guerra, calcada na intolerância, na xenofobia e em inúmeros outros valores geradores de desentendimentos, violências, desigualdades, miséria e falta de diálogo.
Na busca de novas perspectivas para o atual milênio, a ONU lançou, no fim do século passado, o Manifesto por uma Cultura da Paz, a fim de dar início à transição dos valores causadores de guerra para outros mais tolerantes e harmônicos. Seis compromissos principais foram reiterados: respeitar a vida; rejeitar a violência; ser generoso; ouvir para compreender; preservar o planeta; e redescobrir a solidariedade.
Mas como encontrar caminhos e meios para alterar condutas, crenças e comportamentos? Para a ONU, a contribuição da Educação é fundamental, como também a perspectiva da sustentabilidade, que busca novos paradigmas para enfrentar os graves problemas sociais, econômicos e ambientais do planeta.
Não à toa, em 2015, a Cultura da Paz foi explicitamente incluída na Agenda 2030, no quarto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), relacionado à Educação. Relaciona-se, diretamente, com o 16º ODS – Paz, Justiça e Instituições Eficazes –, que tem como meta “o fim da violência estrutural das sociedades, fruto das desigualdades e das tensões econômicas, sociais e culturais”.
Receita de gentileza
Ainda que possa ter sido de forma intuitiva, as professoras Kelly Nascimento e Geruza Braga acabaram criando um projeto de Educação para a Paz, quando, no ano passado, deram início à campanha Gentileza Gera Gentileza em suas turmas do Ciep Anton Makarenko. A ideia era promover ações que permitissem aos alunos lidar melhor com os sentimentos e que, ao mesmo tempo, promovessem valores como tolerância, colaboração, solidariedade, harmonia e diálogo.
Kelly percebeu que seus alunos também precisavam entender que certos comportamentos dificultavam a aprendizagem. Tinham que superar a postura de “não sei” e “não posso” para a de “sou capaz” e “eu consigo”. Segundo a diretora-adjunta Roberta Vasconcellos, isso era fundamental, pois as famílias têm baixa autoestima, vivem em inércia desesperançada, sem perspectiva de transformação da realidade em que vivem.
A campanha Gentileza Gera Gentileza começou com a adesão da professora Élida dos Santos, da Sala de Leitura, que se vestiu de cozinheira e pediu para os alunos jogarem, em um caldeirão, ingredientes que fizessem parte da “receita para o bem crescer”. Palavras como alegria, tolerância, diálogo e delicadeza, entre várias outras, foram lançadas e misturadas.
“Será que a junção desses ingredientes vai criar alguma coisa boa dentro da panela?”, indagava a professora, que ouvia vários “sim”como resposta, mas também alguns “não”. Depois de mexer e remexer tudo muito bem, para surpresa da turma, e como em uma fábula que tem lição de moral, de dentro do caldeirão saíram sonhos (encomendados em uma padaria) para todos se deliciarem. “Sonhos porque eles precisam vislumbrar algo além da vida em Costa Barros. As famílias costumam viver apenas o mundo da comunidade. Quando vão à Duque de Caxias já é uma viagem”, explica a diretora-adjunta.
Contagiando a escola
Não demorou muito tempo para mudanças de comportamento passarem a ser notadas. A cada semana, um pequeno grupo de alunos ganhava jalecos, com a missão de exercer e disseminar uma ação de gentileza, como, por exemplo, carinho. Os integrantes passavam seu recado de sala em sala e até intermediavam desentendimentos, espontaneamente, quando viam crianças discutindo. “Incorporavam a própria gentileza quando se paramentavam com a veste branca”, lembra a diretora-adjunta.
Várias outras atividades foram realizadas, como a fixação de envelopes em grandes cartazes, pelos corredores da escola. Dentro deles, frases de gentileza – como “aprenda a ouvir o outro” – estrategicamente inseridas como tarefa das aulas de Leitura. “Os envelopes com as frases impactaram muito a escola”, lembra a professora Kelly. Também foram feitos exercícios para se conhecer melhor os sentimentos. Na receita da raiva, por exemplo, descobriram que vai uma xícara de bullying, outra de humilhação... E na da alegria, duas colheres de carinho, três de sorriso...
Com a campanha, toda a escola começou a ser contagiada por um ambiente mais amoroso e gentil. Os resultados foram tão positivos que a ação passou a integrar o Projeto Político Pedagógico do Ciep, em 2019. Hoje, cada sala de aula tem um nome relacionado a uma ação ou sentimento de gentileza: Amizade, Amor, Gratidão, entre outros. Os alunos das classes são responsáveis por exercer e aprofundar o significado de cada um desses valores e disseminá-los entre si e para toda a comunidade escolar.
Alguns pais de alunos já comentam com a direção do Ciep, que têm notado mudanças nos padrões de comportamento dos filhos. Ainda que o projeto Gentileza Gera Gentileza possa não ser o suficiente para transformar a realidade sociocultural da comunidade de Costa Barros, várias sementes de paz ali estão sendo plantadas pela equipe do Anton Makarenko. Quem sabe, no futuro, virem árvores frondosas?
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