Para as autoridades do governo, essas "infames ideias francesas" na colônia serviam apenas para incentivar críticas às relações coloniais. No burburinho dos centros urbanos das Gerais, em meio às liteiras douradas, luminárias, capelas e procissões luxuosas – falso fausto –, no atropelo de gente que chegava e que passava, vislumbravam-se pelas frestas das grossas portas muitas luzes acesas nas casas. Nelas, centros de atividades literárias, nasceu a elite rica e letrada de brancos brasileiros, representantes do caráter dessa sociedade. Nelas, conversas e intrigas entrelaçadas entravam pela noite em trama surda. Conspirava-se contra o governo...
"Atrás de grossas portas,
sentem-se luzes acesas,
e há indagações minuciosas
dentro das casas fronteiras.
Que estão fazendo, tão tarde?
Que escrevem, conversam, pensam?
Mostram livros proibidos?
Leem notícias na Gazeta?
Terão recebido cartas de potências estrangeiras?
(...) E a vizinha não dorme:
murmura, imagina, inventa (...)"
(Cecília Meireles: Da Bandeira da Inconfidência)
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, não pertencia ao grupo social da maioria dos conjurados, conhecido como os "Grandes" da sociedade mineradora. Com 11 anos, perdeu seus pais, pequenos fazendeiros, passando a viver com seu padrinho, um dentista que o iniciou na profissão, daí o apelido de Tiradentes. Não teve estudos formais e trabalhou duro para garantir sua sobrevivência. Exerceu várias profissões: dentista, tropeiro, minerador e comerciante, até ingressar na carreira militar, onde chegou a alferes, posto hoje equivalente a segundo-tenente do Exército.
Para o historiador Edgard Luiz de Barros, "foi exatamente ele o grande agitador da revolução na conturbada Minas Gerais do final do século XVIII. Um decidido e corajoso propagandista (...) de Minas independente, republicana e autossuficiente (....) Não tinha nenhum poder, visto que sua riqueza era inexistente, não foi um grande poeta, ou um grande teórico, nem conhecia profundamente as obras clássicas de sua época, mas era possivelmente o único, dentre todos os conspiradores da Inconfidência Mineira, que possuía as qualidades de grande agitador, as condições para ser um líder popular expressivo, capaz de levantar o povo e levá-lo à insurreição".
O estopim do movimento foi a chegada do novo governador da capitania das Minas Gerais, o Visconde de Barbacena, em julho de 1788, com instruções detalhadas da metrópole para implementar uma ampla e profunda reforma em todo o sistema tributário. Barbacena insistiu na imposição da derrama no início de 1789, e anulou todos os contratos anteriores.
O historiador Maxwell interpreta a insistência do governo metropolitano em exigir a cobrança da derrama como cuidado e interesse em manter pleno domínio sobre seus territórios ultramarinos. Afinal, a colônia era a melhor moeda de troca que Portugal possuía para apresentar diante dos conflitos emergentes no cenário europeu. Assim, a devassa deveria ser exemplar: de um lado, para demonstrar controle total sobre a colônia e, de outro, para reduzir tensões latentes em outras regiões coloniais.
Os líderes da Conjuração, diante das ações do novo governador, conspiravam, mais uma vez, para formalizar os planos de um levante armado contra a Coroa portuguesa. Traçavam vários objetivos: transformar a capitania das Minas Gerais em uma República, com capital em São João d'El Rei; fazer de Vila Rica uma cidade universitária; instalar um parlamento em cada cidade, subordinado ao parlamento da capital; implantar manufaturas, bem como explorar depósitos de ferro e de minério; construir uma fábrica de pólvora. Além disso, admitiam o recolhimento dos dízimos pelos padres das paróquias, desde que mantivessem professores, hospitais e casas de caridade, o que para Maxwell já sugere a ideia de uma separação entre Igreja e Estado.
Uma vez conquistado o poder e instaurado o novo regime político, caberia a Tomás Antônio Gonzaga exercê-lo por três anos, findos os quais seriam instituídas eleições anuais. As dívidas com a Coroa seriam imediatamente perdoadas, ou seja, as dívidas externas não seriam pagas. De maneira geral, havia concordância entre os conjurados em relação a assuntos que não alterassem a estrutura socioeconômica e que, principalmente, mantivessem intocáveis as questões referentes à escravidão e à propriedade.
No encontro dos líderes da Conjuração, ficou decidido o momento mais acertado para deflagrar o movimento: no lançamento da derrama, previsto para fevereiro de 1789. A senha para os conspiradores era "hoje é o dia do batizado". O movimento começaria com um tumulto em Vila Rica, provocado por Tiradentes, auxiliado por alguns grupos com armas escondidas debaixo dos casacos. Quando o governo convocasse os dragões para impor a ordem, eles seriam retardados por seu chefe, o tenente-coronel Freire de Andrade, enquanto aguardavam Tiradentes ir à residência do governador Barbacena, matá-lo e voltar com sua cabeça na mão. Nesse momento, Freire de Andrade perguntaria à multidão o que pretendia com o tumulto. Tiradentes, então, bradaria: "Liberdade!". Com a cidade controlada pelos revoltosos e defendida pelos dragões de Freire de Andrade, seria proclamada a República e lida a declaração de independência.