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Talha folheada a ouro do século XVIII. Altar de São Roque da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, Largo da Carioca (In: Barroco e Rococó nas Igrejas do Rio de Janeiro / Iphan)

A paisagem da Baía de Guanabara e das terras do entorno, observada pelos europeus que participavam da primeira expedição exploradora, não era mais a mesma. Para os embarcados naquela frota, a primeira visão, em 1502, revelava um meio ambiente desconhecido e intocado, aparentemente intransponível e deserto. Olhares atentos, transformados em relatos, descreveram dezenas de aspectos, como a exuberante cobertura florestal (Mata Atlântica). A partir da fundação, sob o signo da disputa entre portugueses e franceses, a cidade foi, aos poucos, ocupada, saneada e aterrada, reformada, constituindo um cenário onde se misturavam a paisagem natural e a intervenção do homem.

Recuando até os anos iniciais do século XVIII, documentos de época relataram que os portugueses, quando vinham para as terras do outro lado do Atlântico, se deparavam com espaços sendo formados. As cidades eram bastante acanhadas e a população diferia bastante da europeia. Era assim, também, no Rio de Janeiro. Até essa épooca, na cidade que, segundo a historiadora Mary Del Priore, “tinha descido dos morros onde a plantara inicialmente Mem de Sá, para invadir várzeas, vales e montes”, a pobreza e a riqueza conviviam no movimento do cais, em torno dos chafarizes existentes e na circulação dos largos centrais. 

Os estrangeiros, nessa ocasião, quando chegavam ao Rio de Janeiro, registravam, em correspondências ou em diários, sérios problemas com a limpeza. As vielas estreitas e irregulares não eram varridas, sendo, também, local de pasto para os animais. Por ali circulavam, segundo o escritor Luiz Edmundo, “espessas manadas de bois, varas de porcos, rebanhos de carneiros, esperando-se que a Divindade os fulmine, transferindo para eles a cólera que tanto aos homens prejudica”. Diante das ameaças à saúde, pela ausência de saneamento, os que possuíam recursos faziam promessas aos santos católicos, que seriam cumpridas se a graça fosse alcançada, doando ouro e prata para ornar altares das igrejas e das capelas. As preces dos moradores espalhavam-se em rezas e novenas; incontáveis velas iluminavam os templos. A população usava cordões com cruzes deixadas bem à mostra, buscando proteção divina. Historiadores observam que tal comportamento talvez representasse mais superstição do que religiosidade.

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A cidade de Vila Rica. Era de lá que provinha grande parte do ouro e da prata que ornamentaram as igrejas do Rio no século XVIII. Desenho publicado em livro de 1838 (Crédito: Ferdinand Denis/Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro)

Luiz Edmundo registrou a situação: “Natureza amiga! O homem suja, o vento varre, a água lava e o sol, depois, enxuga!”. Tudo isso, prossegue, “diante da belíssima Baía de Guanabara com suas águas tranquilas e calmas”. Tal condição não fugiu à observação de D. Luís de Almeida Portugal d’Eça Alarcão de Melo e Silva Mascarenhas (1729-1790). Conhecido como O Gravata, por seu apuro no vestir, o vice-rei Marquês do Lavradio enxergava o Rio de Janeiro com um cenário urbano “sumamente pobre”. Mas, como diz o título da canção de Oswaldo Montenegro, Sempre Não É Todo Dia. Nos anos de 1763 a 1808 e nos seguintes, obras importantes foram realizadas no centro da cidade e no restante da malha urbana do Rio de Janeiro.