O acervo da Real Biblioteca do Palácio da Ajuda, em Portugal, reunia preciosos livros, gravuras, estampas, desenhos, mapas e documentos que, na época, impressionavam pela quantidade e pela qualidade. Entendia-se que uma corte deveria viver cercada dos seus símbolos de distinção, grandeza e civilidade. Os livros e demais documentos pertenciam a esse contexto e representavam, para as monarquias, um símbolo de poder. Não era diferente para os reis portugueses. Daí a importância da biblioteca real ser valorizada como as pratarias, as joias, as moedas de ouro, as porcelanas e outras posses de valor material. Se a família real portuguesa estava se mudando para as terras coloniais americanas, que fosse acompanhada de todas as suas preciosidades. Segundo a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, a cidade do Rio de Janeiro seria dotada “de símbolos que representassem a visão iluminista do governo (...) e deveria estar apta para cumprir o seu papel de sede da monarquia e cartão-postal do Império”.
Os momentos dos preparativos para a longa viagem e a hora da partida foram tensos, confusos e tumultuados. Possivelmente em razão disso, o acervo foi esquecido, não ganhando espaço a bordo dos navios e permanecendo armazenado no porto por algum tempo. Consta que D. João (1767-1826) somente foi informado de que viera sem as suas preciosidades ao chegar ao Rio de Janeiro.
Em janeiro de 1809, distante das ameaças e dos perigos vividos em solo europeu, o príncipe regente deu ordens para Portugal encaixotar e embarcar livros e papéis importantes do Paço e da Torre do Tombo. Seguindo as ordens reais, esse patrimônio foi transportado entre 1810 e 1811, aportando na cidade, agora corte, em levas sucessivas, e ficou disponível para alguns privilegiados quando a Biblioteca Real abriu suas portas, em 1814. Futuramente, ela seria a base da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.