O clima na cidade do Rio de Janeiro estava extremamente tumultuado no período final do século XIX, que seria também o derradeiro da monarquia no Brasil. Nos cafés, nos jardins, nas esquinas das ruas da capital, inúmeras discussões e ideias ganhavam contornos e tomavam força. A imprensa acirrava os ânimos, com artigos repletos de críticas políticas. Gabinetes ministeriais foram substituídos pelo governo imperial, na tentativa de amenizar os efeitos da crise e, assim, manter o regime.
No dia 11 de novembro de 1889, D. Pedro II (1825-1891) participou de um baile que seu governo ofereceu à marinha do Chile, na Ilha Fiscal. Consta que, ao descer da carruagem, em um leve tropeço logo amparado, espirituoso, gracejou: “A monarquia tropeça, mas não cai”.
Enquanto no salão dançava-se ao som de valsas e polcas, fora dele a conspiração corria solta. Quatro dias depois do festejo, quando inúmeros boatos apontavam a iminente prisão de Deodoro da Fonseca (1827-1892), os fatos se precipitaram. Aquele que, antes da ameaça de ser encarcerado, relutara em liderar o movimento de derrubada do regime marchou para o Ministério da Guerra, à frente da tropa, saindo de sua casa no Campo de Santana.
E o povo, diante dos fatos ocorridos na cidade naqueles dias do mês de novembro de 1889? Como se comportou no momento da Proclamação da República, gesto dos militares, em boa parte desvinculados do movimento republicano civil? “Bestializados”, segundo o dizer do jornalista Aristides Lobo (1838-1896)? O povo ingênuo, apartado da política, apenas assistia desinteressado a tudo que se passava?
Ou, quem sabe, essa atitude possa ser vista por outro ângulo, como propõe o historiador José Murilo de Carvalho: o povo seria “bilontra” (esperto), aquele que analisa, reflete e se desinteressa, por perceber que o ponto de chegada daquela outra trajetória política não lhe traria benefício algum. O historiador reforça essa tese, apontando a popularidade que a monarquia desfrutava no meio popular, principalmente após a Lei Áurea. A historiadora Maria Tereza Chaves de Mello considera que todo aquele contexto de movimentação política e intelectual, acontecido pelas ruas da cidade na década de 1880, afligiu, também, o homem comum. A escritora entende que o povo não assistiu ao troca-troca de regime “bestializado”; evidenciando a sua face “bilontra”, cedeu aos encantos da República, consentindo a sua proclamação.
Rapidamente, a cidade que fora corte perdeu as marcas imperiais. O governo republicano que se instalou após a Proclamação da República decidiu que o imperador e sua família deveriam deixar o país em 24 horas. Preferia apagar rapidamente o cenário dos tempos da monarquia. Inúmeros leilões pulverizaram os símbolos materiais daqueles tempos. O martelo do leiloeiro batia ao som ritmado do “quem dá mais?”. Isso incluiria móveis, objetos, utensílios, coches, carruagens – a vida, memórias. Em meio à tensão daqueles dias, solicitava-se aos compradores breve e ligeira retirada dos objetos, para que as instalações do antigo Palácio da Boa Vista fossem entregues ao governo republicano.
Talvez, discretamente, muitos estivessem mergulhados em reflexões, em desilusões e em saudades. Não apenas aqueles que partiam, mas também inúmeros dos que ficavam. Possivelmente, em meio às saudades e às recordações, guardassem para si pensamentos como esses que, tempos depois, seriam versos em forma de canção (Dança da Solidão, de Paulinho da Viola):
“Meu pai sempre me dizia
Meu filho tome cuidado
Quando eu penso no futuro
Não esqueço o meu passado”.