Na cidade do Rio de Janeiro, desde os primeiros tempos republicanos, as ruas, os largos e as praças funcionaram, inúmeras vezes, como espaços informais da cultura – ponto de encontro entre as diversas camadas populares que, aos poucos, articuladas, participaram da vida da cidade. Diferentemente do conceito que marcava as metrópoles europeias, vistas como modernas, onde as palavras de ordem eram circular, passar, movimentar-se, no “Rio, as ruas também eram lugar de identidade e de encontro”, no dizer da historiadora Mônica Velloso. Talvez porque nelas as pessoas pudessem sentir uma maior proximidade e, por isso, negócios eram acertados, empregos eram conseguidos, visitas eram combinadas, vidas trocavam de rumos.
No Brasil, havia uma questão que começava a ser pensada entre os intelectuais e artistas: para estar atualizado, seria indispensável copiar? Aos poucos, constataram que a cultura de um país não estava presente apenas no centro das grandes cidades, mas existia também nos subúrbios e nas favelas, assumindo variadas formas narrativas, coreográficas e musicais.
No Rio de Janeiro, essas questões também estavam sendo discutidas de forma bem particular. A modernidade se apresentava na cidade-capital, onde grande parte da população carioca era negra ou descendente direta dos escravos. Isso imprimia aspectos específicos à sua história cultural. No Rio, os espaços informais da cultura encontravam-se nas ruas, nos cafés, nas festas das igrejas católicas (como a da Penha, nos domingos de outubro). E também em casas como a da Tia Ciata – nascida Hilária Batista de Almeida (1854-1933) –, um dos principais locais de encontro dos ranchos e onde, nos carnavais, aconteciam rodas de samba, capoeira, rezas, almoços e muitas festas. A expressão tio ou tia era mais utilizada no sentido afetuoso do que ligada à questão dos laços de parentesco. E a palavra casa não era, como se pode entender, uma habitação e um abrigo para seus moradores, mas um local capaz, segundo palavras da historiadora Mônica Velloso, “de aglutinar pessoas e dar sentido às suas vidas, fazendo-as participar. Enfim, incutia-lhes o sentido de pertencer a uma comunidade”.
De acordo com o cronista João do Rio – nascido João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto (1881-1921) –, que, percorrendo a cidade, observava e escrevia sobre os seus habitantes, notava-se a presença de uma cultura viva e popular que não estava restrita aos espaços formais como os salões de arte, os conservatórios musicais e os teatros clássicos: “A rua continua matando substantivos, transformando a significação dos termos, impondo aos dicionários as palavras”.